terça-feira, 22 de setembro de 2009

[Mad Men] 3x05 The Fog

Antes de começar esse texto, sei que minhas análises dos episódios tem atrasado cada vez mais pra serem publicadas, mas estou dando tempo de pelo menos uma semana pra todo mundo assistir. Como ninguém tem reclamado (se é que alguém lê, né?), pretendo continuar desse jeito mesmo. Essa semana o texto entraria originalmente no domingo, mas resolvi reescrever para a aproveitar a vitória de Mad Men na cerimônia do Emmy. Não quero de jeito nenhum forçar ninguém a gostar, mas só tentar mostrar por que a série é tão favorita a vencer assim, ainda que seja tão impopular no país e a maioria considere-a lenta e chata. Basicamente, Mad Men agrada aos dois extremos da indústria, tanto aos mais experiente e conservadores membros que tendem a identificar-se com toda a nostalgia da época, quanto aos mais novos pela complexidade das personagens e relação com a época atual. Nem é preciso dizer que tecnicamente a série é impecável, nos seus figurinos, cenários e até a inserção de momentos-chave da História americana no cotidiano dessas pessoas. Por isso, num cenário bastante pessimista (ou para alguns, otimista) Mad Men poderia ter até menos da metade dos votos dos jurados que o resto seria distribuído entre os outros concorrentes. E num ano em que mais um foi incluído no páreo, era praticamente impossível que Matthew Weiner e equipe não levassem o prêmio pra casa. Se é merecido? Com certeza, e tomando como base o episódio da semana passada, vou explicar por quê.
"The Fog" esteve longe de ser um episódio perfeito de Mad Men. A direção pareceu um pouco irregular e muitos artifícios com certeza não me agradaram. Logo no início em meio à conversa com a professora, por exemplo, rola um inexplicável corte brusco mostrando Sally com sangue em seu rosto. Também acho que a comoção do carcereiro ao lado de Don foi um pouco excessiva -- principalmente quando chega a colocar a mão em seu rosto --, ainda que mostrasse toda sua determinação em mudar de vida, algo que Don não pode nem mesmo considerar. Sem contar a sequência dos devaneios de Betty, que mais uma vez pareceram um atalho pra trazer coisas de seu inconsciente e motivar suas ações (ou a falta delas) daqui pra frente. Mas tudo isso não é suficiente pra condenar o episódio, porque todo o resto compensa qualquer deslize. Apesar de dificilmente apontar esses erros nas minhas análises, não é por uma simples questão da série ter "crédito" comigo, mas sim a constatação de que o texto dela é infinitamente superior a qualquer outra na televisão atual. Se não quer acreditar em mim, basta ver que a série também dominou a categoria de melhor roteiro, com quatro indicações dentre as cinco possíveis. Claro que são muitas razões juntas que contribuem pra toda essa qualidade, mas na minha opinião dois pontos destacam-se:

1) O tema dos episódios: Sei que muita gente resiste em encontrar qualquer significado para cenas de séries ou filmes. A primeira pergunta que fazem é até que ponto quem criou a história realmente tinha a intenção de passar essa mensagem. Mas em "The Fog" fica difícil negar: já na primeira cena, Don e Betty tem um encontro na escola com a professora de Sally, que mostra-se preocupada com o comportamento da garota. Depois disso, Betty precisa ser levada ao hospital pra entrar em trabalho de parto, e Don Draper tem esperar pacientemente numa ala separada, onde encontra um outro homem, carcereiro de uma prisão, que também espera por notícias de sua esposa. Todos esses lugares não são mera coincidência, já que são todas instituições estudadas por Foucault principalmente em seu livro Vigiar e Punir, quando analisa a forma como a sociedade organiza-se e disciplina seus membros. Se parasse apenas por aí já consideraria um roteiro bem esperto, mas a melhor parte vem quando percebemos que todas as tramas desse episódio mostram seus personagens exatamente "aprisionados".

O caso mais óbvio é de Betty, perto de dar à luz seu terceiro bebê e fazendo de tudo pra salvar seu casamento, murmurando no alto de seus delírios que é apenas uma dona-de-casa. Já Pete não consegue ir muito além com sua ideia de fazer um comercial atendendo aos públicos branco e negro, ainda enfrentando as resistências do conservadorismo e segregação na Sterling Cooper. Peggy só quer ter seu trabalho reconhecido dentro da empresa, que ainda segue os antigos padrões de pagar menos para mulheres. Seus motivos são mais do que justos para Don, mas agora ele também tem de trabalhar dentro dos limites estabelecidos por Pryce e os ingleses.

2) Sutileza pra tratar os conflitos: Mad Men sabe como nenhuma outra evitar conflitos e expor as cicatrizes na hora certa. Quando você pensa que numa situação delicada logo alguém aparecerá pra ter uma conclusão, a série leva você pra um novo caminho. Desde o final da temporada passada ficamos nos perguntando como teria ficado a relação entre Pete e Peggy, após ficar sabendo da gravidez dela. Os roteiristas então aproveitaram essa carta na manga depois de quatro episódios, quando Duck volta pra oferecer aos dois uma chance em sua nova empresa. Chance essa que tiraria os dois das "amarras" da Sterling Cooper. O encontro dos dois no restaurante já é constrangedor o bastante pra Pete logo arrumar um jeito de escapar. Mas depois de Peggy ter seu pedido de aumento rejeitado por Don e parecer decidida a tomar a decisão de partir, Pete resolve interpelá-la num dos corredores e dizer que suas decisões nesse caso também lhe afetam, como se ainda ecoassem em suas palavras a "perda" do filho. Não existe clímax, é apenas mais um momento de frustração de Pete, como se a tensão sempre estivesse ali presente e fosse continuar assim.


Mas como já disse anteriormente, estes são apenas alguns dos detalhes que contribuem para todo esse sucesso. São os pequenos momentos de silêncio, às vezes mais impactantes do que qualquer fala. Toda a encenação, preocupada com a postura e gesto de cada um de seus personagens. Isso é o "pouco" que faz de Mad Men se diferenciar de todas as outras, sendo fascinante por respeitar acima de tudo a inteligência de quem assiste. E é por isso que, a não ser que haja comoção generalizada por conta da conclusão de Lost, Mad Men parece ter caminho livre para mais um triunfo no Emmy do ano que vem.

Fotos: Popsugar/UK e AMC.

e.fuzii
twitter.com/efuzii

Um comentário:

Marcelle disse...

Tão irônico ler esse comentário depois do Emmy desse ano... E mesmo com essas falhas citadas, achei o episódio bem redondo, e soube explorar os temas. Quem fala que Lost é uma série sobre pessoas deveria ver Mad Men pra saber o que é uma série sobre pessoas de verdade :p