domingo, 15 de agosto de 2010

[The Wire] 1x05 - The Pager; 1x06 - The Wire

Continuando com a maratona e sem saber se poderei postar nos próximos dias, seguem comentários (com spoilers) de mais dois episódios da primeira temporada de "The Wire".

1x05 - The Pager

"... a little slow, a little late." - Avon Barksdale

Com episódios de 60 minutos de duração, fica difícil acompanhar tudo o que acontece em “The Wire”, em especial porque a série dá um espaço quase que igualitário ao grande número de personagens. Aqui, muita coisa acontece, algumas sem relação direta com outras, mas que servem para amplificar nossa percepção dos personagens e que com certeza terão implicações futuras.

Entre estas seqüências: Carver e Herc colocando em ação os planos do episódio anterior, fracassando (como era de se esperar) ao interrogarem Bodie numa cômica interação entre os três; Bubbles visitando seu amigo no hospital, e aqui cabe um grande elogio à série que consegue fluir entre cenas de humor (como a do trio Carver/Herc/Bodie) e de muita sensibilidade, como a relação destes dois, que ainda não ficou clara e nem sei se é necessário explicar alguma coisa; McNulty e seus problemas conjugais, sofrendo para montar uma cama que não será usada pelos seus filhos; e, por fim, D’Angelo, desconfortável em um restaurante chique, depois descobrindo que Stinkum ganhou um ponto de vendas, e se aproximando ainda mais da stripper.

Mas o principal está ligado à introdução do episódio e à frase de Avon, pós-créditos iniciais. Finalmente tivemos mais tempo com o chefão das drogas, e o episódio abre com uma suposta paranóia sua, após o telefone de uma namorada tocar e ver pessoas estranhas perto da casa dela. Suposta, porque embora pareça excessivo (as pessoas de fato não eram relevantes, mas nada sabemos sobre o telefonema), deixa claro do porquê a polícia ter dificuldade em conseguir uma única foto sua. Avon é mais um personagem interessante, perigoso e temido como deve ser, mas mais esperto e sensato do que normalmente personagens do gênero costumam ser – e eu iria dizer também justo, pela forma como trata Stinkum e conversa com o sobrinho D, mas logo me lembrei do pobre Scar. Seu discurso sobre a constante vigilância e cuidado, ao mesmo tempo da impossibilidade disto (“It´s life”) é muito bom.

E é por isso que conhecemos Avon e seu modo de pensar e agir no mesmo episódio que as coisas começam a piorar para seu lado, com informações chegando à polícia de todos os lados: a investigação da namorada morta leva ao Orlando´s; a clonagem do pager de D’Angelo produz resultados (e mais uma vez a série surpreende no tratamento de personagens, com Prez desvendando o código utilizado nos pagers); Freamon discute com Daniels a necessidade de uma escuta nos telefones públicos; Stringer diz a D’Angelo que talvez haja um traidor em seu grupo; Omar passa informações importantes a Greggs e McNulty sobre Bird (citado antes no episódio pelo próprio Avon, como alguém que junto com Wee-Bey cuidaria de Scar). O cerco começa a se fechar e tudo teria ficado muito mais complicado, caso as ligações, na brilhante e muito bem montada seqüência final, tivessem sido acompanhadas pela equipe de Daniels.

Por último, Omar começa a se mostrar bastante interessante e Michael K. Williams tem uma presença em cena incrível. Apenas sua aparição faz com que vendedores de drogas saiam correndo, assustados (grande momento com assovio de Omar amplificado). Não gosta que Brandon diga palavrões, não gosta de delatores, está dois passos à frente de Greggs e McNulty (sabendo, inclusive, sobre Bubbles) e sabe contornar a situação até mesmo quando McNulty o informa sobre a morte de Bailey. Já deixa uma grande curiosidade sobre como será sua reação quando souber da encrenca que o namorado se meteu.


1x06 - The Wire

"... and all the pieces matter." - Freamon


Desta vez, conhecemos um pouco mais sobre Wallace. O autores não esquecem que, apesar de tudo, trata-se de uma criança (dois episódios atrás, vimos Wallace distraído com um brinquedo, durante o trabalho) tentando lidar com o meio em que foi inserido precocemente. Mora com Poot e mais seis crianças menores, e tem a responsabilidade de fazê-los ir à escola. Ainda não tem interesse sexual e se incomoda com a morte de Brandon (mais com a morte em si e não com a forma violenta que fizeram), afetado pelos argumentos que D’Angelo usou em outro episódio sobre a possibilidade de estar neste negócio sem a violência praticada. A gente sabe que está diante de uma série especial, quando dedica tempo para fazer um retrato delicado assim de um personagem periférico. Afinal, “todas as peças importam”.

Nessa abordagem de “todas as peças”, o menos interessante foi o roubo de Bubbles e Johnny, por mais que a relação entre os dois tenha gerado um bom momento no episódio anterior. Bubbles é curioso, drogando-se e passando a perna em Wallace no piloto, e depois mostrando-se responsável, sensato e esperto nos episódios seguintes, para agora nem hesitar em largar o “trabalho honesto” para participar do golpe de Johnny. Mas se é pra acreditar na frase dita por Freamon, resta aguardar pra ver se isso dá em alguma coisa.

O ponto principal do episódio foi a tentativa de Rawls em indiciar D’Angelo pelo homicídio da ex-namorada de Avon, o que acabaria com toda a operação de Daniels, exatamente quando começa a dar resultados com a escuta nos telefones públicos, com Freamon e Prez já conseguindo os números de Stringer e Stinkum, enquanto Omar se oferece como testemunha para o caso William Gant, em resposta à morte de Brandon.

Daniels arrisca seu prestígio político com os melhores argumentos, embora o que talvez tenha feito a diferença foi a descoberta de que, se já houvessem grampeado os telefones na noite anterior, poderiam ter impedido a morte de Brandon – e mais uma vez um bom tempo é utilizado para os policiais descobrirem algo que o espectador já sabe, sem que isso faça perder o interesse da cena (e ainda há coisas que sabemos e que provavelmente eles nunca saberão, como o fato de Santangelo ter perdido a visita de Avon à D’Angelo).

No mais, Bodie volta às ruas para revolta de Carver e Herc (mas que não deixam de dar uma carona para o garoto), com a ajuda do ótimo advogado de Avon; e D’Angelo mostra que, apesar de seu código moral, está pronto para rebater os argumentos de Wallace sobre a morte de Brandon (ainda que sejam seus próprios argumentos) e para lidar com quem tem roubado dele, na maldosa cena com os ovos jogados na calçada, embora lhe sobre alguma bondade ao não denunciar Cass e Sterling para Avon. Afinal, ambos só roubaram por conta dos cortes sugeridos por Stringer para achar o traidor do bando (e aqui é o melhor exemplo de como a série segue o ritmo dos personagens e não da conveniência de roteiro: num filme/série policial, quando há suspeita de um traidor, é porque realmente existe um traidor e cabe a cada filme/série resolver como se dará a descoberta; nesta situação, NÃO houve um traidor, sabemos que Omar agiu sozinho, mas pelas circunstâncias é bastante natural que Stringer tenha suspeitado de alguém de dentro).

Mais um grande episódio, curioso também por amplificar a sensação de vigilância com os movimentos de câmera, desde o início com planos mais longos (a abertura acompanha um fio até a janela quebrada de Wallace, e depois a câmera acompanha sua rotina matinal até acordar as outras crianças) e em várias ocasiões assumindo o ponto de vista dos personagens em momentos de constante atenção.

Hélio Flores
twitter.com/helioflores

Nenhum comentário: