“Do you really
wanna live in a world without Coca Cola?” – Walt
“- How many
more people are gonna die 'cause of us?” – Jesse
“-
No one. None.” – Walt
Há
um incômodo com a quinta temporada de Breaking Bad que ficou mais evidente com
este “Say My Name” e a morte de Mike. Um dos meus maiores prazeres com a série
sempre foi o desenvolvimento da trama, fluindo com incrível naturalidade, mesmo
que os acontecimentos fossem surpreendentes e bombásticos. Algo ocorre como
consequência de uma série de eventos anteriores, todos devidamente
justificáveis, seja pela lógica interna da narrativa, seja pelo desenvolvimento
que se pretende dar aos personagens. Até situações que podíamos acusar de um
providencial “Deus Ex Machina” (a morte de Jane, o desastre aéreo, a bala que
salva Hank no último segundo) tornam-se aceitáveis pelo próprio componente
quase místico que a série desenvolveu em que carma, destino e sorte parecem
rondar os personagens (não à toa o próprio Vince Gilligan chamou o explosivo
final da segunda temporada de “Lucifer Ex Machina”).
No
entanto, a nova temporada parece ter perdido um pouco desta capacidade de mover
a trama sem que percebamos os dedos dos roteiristas. Até defendi, no texto
anterior, a pressa com que o episódio “Buyout” passa da morte do garoto para a
negociação da metilamina, porque, apesar de tudo, nada parecia forçado. Mas
agora, para chegar onde queriam, os roteiristas abusaram um pouco.
Pra
falar da morte de Mike, é preciso lembrar um pouco da morte de Gus Fring: uma
das grandes sacadas da quarta temporada foi conduzir a trama a uma situação
cada vez menos possível de manter Gus na série (a não ser que o protagonista
fosse sacrificado), ao mesmo tempo em que mostrava ser impossível para Walt matá-lo.
Isso só ocorre graças a um erro de Gus (talvez o único?), que foi levar Jesse a
Hector Salamanca, perfeitamente justificado como toque final de uma vingança
bem executada. Já o erro de Mike? Subestimar Walt. Várias vezes.
Hank
disse no episódio anterior que até profissionais como Mike cometem erros. O
problema é que houve uma grosseria nesses erros que não é congruente com o
personagem. Ele não só aceita que Walt seja a pessoa que vá buscar seu dinheiro
(que não queira Jesse é compreensível, mas por que ligar para Saul, se é a
primeira pessoa que a polícia ficará de olho? Certamente que ele tem pessoas de
confiança e que não estejam presas), como deixa para conferir a mala dentro do
carro. Isto sem falar na coincidência de Walt visitar Hank no exato momento em
que Gomez chega com novidades (e que Hank convenientemente diz o sobrenome de
Mike para não ficarem dúvidas), novidades, aliás, que existem apenas por outra
série de erros, desde o uso do mesmo advogado dos nove presos, como a guarda do
dinheiro em cofres no mesmo banco. E nem vamos acrescentar a esta extensa lista
a forma como algemou Walt no episódio anterior...
Há
algo mais que me incomoda também neste final: por que chegar a este ponto?
Gustavo Fring e os gêmeos primos de Tuco foram mortos porque chegaram a um
momento em que suas presenças na série eram insustentáveis, e foram eliminados
de maneira satisfatória e crível. Mike morre por nada. Um dos melhores
personagens da série é também, se não me engano, o único que morre pelas mãos
de Walt sem uma necessidade aparente. Pode parecer birra de quem não queria a
morte de um personagem querido, mas não é isso. Acredito, inclusive, que Mike não
caberia no que Gilligan e seus roteiristas planejaram para a reta final da
série e que talvez este seja até um dos acontecimentos que levará a tragédias
maiores. O problema é que me passa a impressão de que Mike morre covardemente
pelas mãos de Walt apenas como parte do projeto “chegará-o-momento-em-que-ninguém-torcerá-pelo-protagonista”,
como se Walt já não fosse detestável o suficiente.
Não
que eu acredite que Walt fosse incapaz do que fez. Mas tudo acontece de forma estranha:
parece impulsivo por conta da discussão, mas ele já tinha intenção por ter
retirado a arma; como ele volta para o carro, dá a impressão de que não estava
com a arma escondida no corpo (e se Mike conferisse a sacola ali mesmo? É esse
tipo de questionamento que a série nunca nos deixou); nem mesmo a discussão se
sustenta como uma verdade que lhe é jogada na cara. O argumento de Mike é
furado. “Nós tínhamos uma coisa boa, Gus, o laboratório...” é mentira porque
Gus sempre quis substituir Walt – por Gale na terceira temporada, por Jesse na
temporada seguinte. Se há algo que não se pode contestar em Walt, é que ele
tinha mesmo que matar Gus. Fica então uma motivação frágil para um assassinato
que só ocorre por uma construção frouxa de elementos fáceis.
E
a que se deve isto? Certamente os roteiristas e a direção continuam de alta
qualidade. A escrita na abertura do episódio, com enquadramentos que vão se
fechando sobre os personagens, é ótima, tornando verossímil e divertida uma
situação duvidosa clássica (a de alguém que tem que convencer um outro de
opinião fortemente contrária). Além do mais, com todos os problemas que vejo no
final, é perfeito o contraste que mostra Heisenberg ainda como uma aparência de
Walt que não se sustenta no particular, já que não sabe como reagir ao impulso
que o leva a atirar em Mike – este, por sua vez, tem uma saída não apenas
marcante pela bela composição de cena, mas também por colocar seu algoz no
devido lugar: “Cale a maldita boca e me deixe morrer em paz”. Os roteiristas
também continuam afiados na relação entre Walt e Skyler (e o segundo encontro dela
com Jesse reforça a suspeita de que ambos de alguma forma irão se juntar contra
Walt no futuro), na crueldade de Walt em mais um conflito com Jesse, e no
desenvolvimento de Todd como soldado-aprendiz-psicótico.
O
motivo, então, para que as coisas tenham saído dos trilhos só pode ser a
divisão da temporada em duas partes. Eu consigo imaginar a série trilhando este
mesmo caminho, chegando ao mesmo destino, mas de uma forma mais satisfatória,
em que a morte de Mike aconteceria lá pelo nono ou décimo episódio de uma
temporada normal com treze. Mas parece que Gilligan sucumbiu à necessidade de
estruturar duas mini-temporadas, em que um arco completo se fechará no oitavo e
último episódio deste ano, de modo que foi necessário apressar as coisas, nem
que para isso precisasse sacrificar um pouco do que faz Breaking Bad ser uma
aula de condução narrativa para as demais séries do gênero. É como se o autor,
na verdade, tivesse preparado material para mais duas temporadas, e não uma com
três episódios a mais. Não é uma tragédia, mas espero que o próximo episódio
traga as coisas de volta aos eixos e nos deixe com novos e excitantes rumos
para uma longa e amarga espera para seu retorno daqui a um ano.
Observação: um close e o último plano de despedida de Jonathan Banks para ilustrarem o post. Vamos torcer para que ele substitua Giancarlo Esposito no Emmy do próximo ano.
Hélio Flores

