quinta-feira, 29 de março de 2012

[Mad Men] 5x01-02 A Little Kiss

"Un, deux, trois, quatre!"

É na contagem de Megan que iniciamos esta nova temporada de Mad Men, após longos meses longe do ar, como sempre repleta de promissoras mudanças. Depois de quase um ano e meio, se ainda não me satisfaz por completo a ideia deste novo casamento de Don Draper, ao menos aceito como uma possibilidade interessante, que ficou bastante evidente neste primeiro episódio duplo. Antes de cada temporada ficamos sempre tentando adivinhar quanto tempo teria se passado na vida desses personagens e não esperava que desta vez fosse um longo período. Afinal, seria difícil ignorar esse frescor do casal recém-casado e sua nova adaptação com o ambiente de trabalho. Então voltamos agora ao final de maio de 1966, quando a SCDP continua atravessando uma fase turbulenta e, para piorar, com Joan longe da agência cuidando de seu bebê de poucos meses. Além disso, a agência acaba forçada a contratar uma funcionária negra após um anúncio mal entendido no jornal, mergulhando a série de vez no movimento pelos Direitos Civis dos negros.

Era um tema que os produtores sempre evitaram abordar diretamente, embora alguns personagens coadjuvantes tivessem fomentado uma ou outra discussão a respeito. Mas nenhum deles havia sido centro das atenções até hoje, e como as duas partes do episódio parecem amarradas para esse propósito, confesso que encontro motivos para me preocupar. A primeira amostra disso me pareceu desastrosa: quase um sketch com um bando de figurantes reconstituindo um incidente real ocorrido no prédio da Y&R. Não bastasse a confusão que gerou logo de início (a SCDP mudou? quem são esses novos rapazes?), ainda me pareceu desnecessário, já que Roger poderia simplesmente reportar o ocorrido na manhã seguinte antes de lançar a ideia do anúncio falso no jornal. Entretanto, esse fato leva a desdobramentos bem interessantes já que ele e Don não esperavam que isso fosse levado a sério -- talvez subestimando a própria capacidade de leitura dos negros -- e que a SCDP tivesse de lidar com uma recepção cheia de negros buscando por uma oportunidade. Já é um assunto bastante polêmica para se tratar de forma isenta, por isso meu receio é que adotem um tom de julgamento, como na retrospectiva da primeira cena. Por conta também deste anúncio, Joan teve de encarar a realidade mais cedo do que esperava e visitou a SCDP desconfiada de que estaria perdendo sua posição, gerando a cena mais brilhante do episódio, Mad Men em sua melhor forma, quando um simples bebê vira batata quente na mão dos funcionários e acaba chamando atenção para algumas das várias relações ocultas através daquelas divisórias. Pete e Peggy brigando para saber quem cuidaria do bebê, Don cadencioso ao falar de um novo filho e com todo seu charme recebendo Joan sob o olhar fulminante de Megan, Roger aparecendo de surpresa e chamando Joan de "my baby". Acho improvável sacrificarem Greg no Vietnã porque sobrariam alguma pontas soltas, mas espero que consigam driblar o melodrama caso o caminho a seguir seja de duvidar da paternidade da criança.
Lane Pryce explica a situação delicada que a empresa está passando sem Joan, reforçando sua importância no controle das finanças, mas meu palpite é que existem problemas mais graves que ele ainda não quis revelar. Lane também tem relativo destaque na segunda parte do episódio, quando acha uma carteira cheia de dinheiro no banco de trás de um táxi e por cautela, e certo preconceito, resolve carregá-la para entregar ao dono. Chega a me surpreender que seja ele a tomar essa atitude depois de seu relacionamento com a "chocolate bunny" do Playboy Club na temporada passada, mas talvez sua origem inglesa explique toda essa desconfiança. Ao menos Lane parece ter conseguido resolver os problemas em casa e trouxe de volta sua mulher para morar junto em NY. Mas ele ainda se deixa levar facilmente pelas fantasias da foto de uma bela mulher encontrada na carteira perdida. Já Pete Campbell ainda não dá sinais de ter amadurecido, mas com o nascimento do filho precisou mudar-se com a família para o subúrbio de Connecticut. A rotina diária e o estilo de sua residência lembram tanto a vida de Don Draper há alguns anos atrás que ele mesmo parece incomodado. Além disso, Pete não se mostra nem um pouco satisfeito pelas transformações que Trudy passou durante este período. Em um ato de rebeldia, ele convoca uma reunião improvisada em sua sala para tentar convencer os sócios de que precisa receber seus clientes em uma sala mais ampla, sugerindo no caso a de Roger. Roger Sterling ainda não chega a ser um fóssil como Bert Cooper, mas sua participação -- e creio que sua vontade de trabalhar -- diminuíram bastante depois da saída da Lucky Strike. Por mais que esteja desesperado, invadindo toda e qualquer reunião com algum cliente em potencial, sem nem mesmo hesitar, Roger ainda detém aquilo que faz toda diferença nos negócios: dinheiro. Com um pequeno agrado ele convence Harry a trocar de sala com Pete e tudo acaba resolvido, ao menos por enquanto. Como Trudy chega a dizer ao marido, essa insatisfação pode ser boa, desde que seja sinal de ambição para os negócios, e Pete parece ser o único capaz de salvar a agência dessa possível crise que se anuncia.

Porém, ninguém mostrou maiores ambições neste episódio do que Megan Draper. Certamente não haveria maneira melhor de apresentá-la do que numa festa surpresa para Don em seu novo apartamento, com direito a uma performance toda especial como presente de aniversário. A forma desinibida como a garota dançava e cantava deixou o elenco inteiro atônito, assim como os próprios espectadores, numa das maiores extravagâncias que a série já se permitiu. Mas pra dizer a verdade, Megan nem precisava ter se esforçado tanto para sacudir as estruturas da série, porque todos já se mostravam incomodados o suficiente com sua nova posição. Até Sally, que agora alterna entre o "castelo" de sua mãe e o quarto em reforma no apartamento de seu pai, precisa se acostumar com a ideia de ter uma mulher nua na cama de seu pai, enquanto ele prepara o café da manhã para os filhos. Aliás, Megan já se mostra bem diferente daquela moça recatada e prestativa do final da temporada. Sua determinação e o fato de ganhar seu próprio dinheiro dão uma liberdade sem precedentes diante de Don. Ela não se envergonha pela forma que obteve sua promoção, quer ainda assim participar do processo criativo e exige que seja tratada com respeito pelos colegas. Peggy obviamente não parece confortável com a rápida ascensão de Megan e faz pouco casos de suas ideias, enquanto Harry, como sempre, acaba tendo de morder a língua na frente da mulher de seu chefe. Tanto desgosto que ela termina com sua confiança abalada e volta para casa cogitando desistir. Mas basta o marido chegar para então, Megan resolver facilmente esse conflito através de um jogo peculiar, aliando provocação e sedução. Don Draper é um homem deslumbrado, fazendo pouco caso do trabalho, satisfazendo os desejos da mulher. Megan é capaz de controlá-lo com o simples desabotoar da blusa, dentro ou fora do ambiente de trabalho. Quem é o chefe, afinal?

Don aparentemente jogou limpo com ela, revelando sobre sua dupla identidade logo de cara, talvez consciente que quando resolveu finalmente contar todo seu segredo a Betty já era tarde demais. Mas este fato nem soa surpreendente perto do modo como ela encara essa revelação, fazendo até piada. Don Draper está manso e Peggy tem toda razão de estar preocupada quando ele baixa a cabeça diante das exigências dos representantes da Heinz. Se a sensação que esse primeiro episódio nos deixa é de que teremos uma temporada leve e bem humorada, completamente oposta à sombria quarta temporada, essa me parece ser apenas passageira, ao menos até que as falsas ilusões de esperança (o anúncio no jornal, bebês, novo casamento) sejam dissipadas. Ou ao menos até que "Zou Bisou Bisou" saia de dentro de nossas cabeças.

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
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