sábado, 16 de junho de 2012

[Mad Men] 5x13 The Phantom

"And that his life with his family was some temporary bandage on a permanent wound."

E assim chegamos ao episódio final de mais uma temporada de Mad Men, que pode não ter sido surpreendente como tantos outros anteriores, mas que não deixa de ter seus méritos por conseguir valorizar essa excelente temporada, pontuando parte de seus temas recorrentes e oferecendo conclusão a maioria de suas tramas. Certamente seria impossível superar o impacto do suicídio de Lane Pryce na semana passada, ou proporcionar um clímax mais efetivo para uma temporada que começou com ares leves e agradáveis até atingir esse clima fúnebre no final. Para os personagens também não parece nada fácil evitar essa ausência, ou melhor, uma presença quase que espectral de Lane. Em uma insuportável reunião entre os sócios, com uma das cadeiras ainda desocupada, Joan tem de controlar sozinha a falta de paciência dos outros homens à mesa. Don sofre novamente com alucinações de sua cabeça, devido a fortes dores de dente. Dessa vez são visitas de seu próprio irmão, apresentando até as marcas de enforcamento ainda no pescoço, prova de que Don também sente uma parte da culpa pelo suicídio de Lane. E assim como essas dores que só aliviam quando decide finalmente extrair o dente, sua visita à viúva Pryce ocorre muito mais para diminuir esse peso do que como ato de generosidade, até por "ressarci-la" com a quantia exata que o marido havia investido na empresa.

Porém, o termo "fantasma" que aparece no título não se aplica apenas de um modo literal, se é que podemos chamar assim, mas simboliza também as ilusões e fantasias que esses personagens tem perseguido ao longo de toda a temporada. Megan é censurada pela mãe por buscar um sonho impossível, pela primeira vez admitindo a possibilidade de desistir, assumindo assim seu fracasso. Beth volta neste episódio para dar a chance de um último encontro a Pete, antes de ter suas memórias apagadas por uma terapia de eletrochoques. Na visita ao hospital no dia seguinte, Pete já é tratado como um estranho, e percebe suas fantasias sendo dissipadas dentro da única pessoa que se vê capaz de revelar seus sentimentos, ponderar sobre sua própria depressão. Muita gente reclamava durante a temporada de uma falta de sutileza na série, e das inúmeras vezes que personagens faziam verdadeiros discursos entregando o tema do episódio. Defendi por tantas vezes dizendo que, a medida que mergulhamos década adentro, tudo parece ficar mais evidente, tornando-se impossível até para esses personagens deixarem de notar tais transformações. Matthew Weiner, em uma entrevista essa semana para o Sepinwall, revela que a intenção dos roteiristas era justamente essa, diminuir a ironia, derrubar os disfarces. Weiner sempre declarou não acreditar que as pessoas fossem capazes de mudar, apenas de se adaptar a uma nova situação. Por isso essa temporada me parece crucial porque revela tudo isso diante dos personagens, e eles se mostram impotentes, incapazes de reagir. Outros se sentem impulsionados a tomar decisões que vão carregar pelo resto de suas vidas. Há uma certa preocupação em mostrar também aqueles que saem derrotados diante do triunfo dos outros, como pelas vítimas de adultério, dos crimes e atentados, das concorrências da SCDP. Neste episódio, Megan utiliza o pedido de sua colega a seu favor para conseguir o papel no comercial através de Don. A vitória de Lane sobre Pete, naquele épico combate dentro da sala de reuniões, fica marcado como um dos breves momentos de satisfação ao alcance de Lane nos últimos meses -- outro seria uma noite com Joan que, para surpresa de muitos, ela chega até a cogitar caso evitasse essa fatalidade. Pete virou saco de pancadas nesta temporada porque ninguém mais tem paciência com suas atitudes presunçosas. E depois desta última surra no trem, Trudy enfim concede a Pete o direito de procurar por um apartamento na cidade, para morar durante a semana, e assim tentar resolver seu problema permanente com outra solução temporária.



"You wanna be somebody's discovery, not somebody's wife."

Depois de um longo hiato, a volta de Mad Men esteve cercada de expectativas, principalmente em relação ao inesperado pedido de casamento de Don Draper. O casal parecia viver uma eterna lua-de-mel, até que começam a surgir os primeiros desacordos e Megan decide abandonar tudo para se dedicar novamente à carreira de atriz. Acho que esse dilema imposto por Don, de ser descoberta por alguém ou apenas a mulher de alguém, traduz grande parte da dinâmica do casal nesta temporada. Porque mesmo enquanto trabalhava na SCDP, Megan era tratada com desdém pelos outros funcionários, aquela que tinha oportunidades apenas por ser esposa do chefe. Mas a medida que ela começa a fazer a diferença no ramo criativo, utilizando entre outros artifícios sua aptidão para interpretar, Megan começa a servir também como satisfação profissional para Don, que percebia cada vez mais estar diante de alguém especial, de uma descoberta. Com a desistência dela, a situação pareceu se inverter e é ela quem precisa constantemente da presença de Don, pedindo pelo seu apoio e sua compreensão. Quando Megan pede para o marido influenciar nos testes para o comercial da Butler, provavelmente sabendo que nem precisaria passar por teste nenhum, é um dilema que não afeta apenas seu casamento, mas que vai contra a própria postura profissional de Don. A cena em que ele assiste à exibição de Megan diante das câmeras (uma referência ao carrossel da primeira temporada) permanece sendo um mistério para mim, porque não acredito que a interpretação dela tenha lhe impressionado de fato. Naquele momento, talvez ele tenha considerado a perseverança (que tomou lugar da versatilidade no início da temporada) da mulher que ama. Mas com certeza sua decisão de ajudá-la no teste e assim recuperá-la de um princípio de melancolia deve-se também ao encontro casual com Peggy no cinema, quando ele admite que esse é o processo natural de suas pupilas, ser ajudada até conseguir seguir seu próprio caminho. As consequências disso podem ser vistas já no primeiro dia de gravação do comercial dos sapatos Butler: Don deixando Megan sob a luz dos holofotes enquanto vira as costas e se distancia em direção à escuridão.



"Are you alone?"

Poucos personagens seriam capazes de responder a essa questão com uma negativa. Enquanto a SCDP alcança sucesso a ponto de considerar expandir para um andar superior, os sócios se mostram cada vez mais isolados, cada um enxergando pontos de vista em janelas diferentes. Pete termina ouvindo seu aparelho de som, tentando silenciar o restante do mundo. Joan falhou como esposa, recusou a ajuda de Roger e cedeu à imagem de amante para garantir seu futuro na empresa. Roger acaba divorciado pela segunda vez e experimentando outra dose de LSD sozinho, encarando assim o mundo nú e de braços abertos. Embora a ausência de Peggy já esteja sendo sentida na SCDP e ela tenha finalmente conquistado o respeito que merece na CGC, sua primeira viagem de negócios está longe de ser encantadora. E temos por fim Don, sentado no balcão do bar prestes a se entregar aos velhos costumes. Sua resposta à garota pode ter ficado em aberto, mas até para manter coerente com esse desgaste no casamento, tudo leva a crer que Don está disposto a trair novamente. A montagem final acaba sendo brilhante tanto atenuando a decisão de Don, ao estabelecer esse paralelo com os demais personagens, quanto servindo de conclusão para uma temporada em que a maioria experimentou o amargor da desilusão. É como se todos estivessem enfim acordando para encarar a dura realidade após um longo e coletivo sonho, mas que deve continuar a atormentá-los pelo resto de suas vidas.

Assim chegamos ao final de mais uma temporada. Queria agradecer a todos pelo apoio e elogio nesses últimos meses. Até a próxima temporada! Abraços.

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
twitter.com/efuzii

sexta-feira, 8 de junho de 2012

[Mad Men] 5x12 Commissions and Fees

"What is happiness? It's a moment before you need more happiness."

Em seu discurso inflamado para os executivos da Dow Chemical, Don Draper declara que o sucesso é apenas temporário, que essa busca pela felicidade é como a fome que não pode ser saciada. Certamente é impossível ouví-lo e não relacionar com sua própria trajetória ao longo de cinco temporadas. Ou antes, durante toda sua vida. Porque esse espírito inquieto de Don é o que impulsiona novas conquistas, cada hora focado em aspectos diferentes de sua vida. Neste momento, o objetivo principal é ampliar os negócios, porque apesar do reconhecimento com a Jaguar, a SCDP ainda é considerada uma pequena agência brigando contra a concorrência. Seu casamento, que era até pouco tempo atrás sua única prioridade, deixou de ser seu motivo de felicidade e passou a ser uma preocupação. Chegar em casa é um cansativo exercício de reconhecimento, de colocar a mulher a par de sua vida. Pela segunda vez Megan reclama que ele não dá notícias durante o dia inteiro. Não parece ser a toa que ele prefira uma longa viagem imprevista, uma fuga como tantas outras, a ter que encarar sua nova rotina. Ficar confinado em seu apartamento passou a ser razão de aflição para Don Draper.

Esse conceito de felicidade não deixa de ser aplicado também à publicidade, que nesta década propõe uma verdadeira revolução nos costumes das pessoas, que passam a ser adotadas como consumidoras. A própria série retrata essa busca incessante por prazeres passageiros, que sempre terminam em revés, conforme resumiu Glen de uma forma um tanto quanto óbvia no elevador. Mas é curioso como na cena seguinte Don pode facilmente satisfazer a vontade do garoto e fazê-lo esquecer de qualquer outro problema. A trama de Sally e Glen se aventurando pela cidade pode ficar esquecida diante dos outros acontecimentos do episódio, mas não deixa de reforçar o tema quando ambos exploram a fascinante vida selvagem no Museu de História Natural. A visita de Sally, depois de rebelar-se contra os planos de viagem de Betty, lembra uma fábula infantil em que ela se sente crescida acompanhando as conversas com Megan e a amiga, desafia ordens (usando até as botas que seu pai proibiu), se achando auto-suficiente até se deparar com as responsabilidades de um adulto, com a chance de humilhação, e volta correndo para debaixo da saia da mãe. Betty ainda tem chance de mostrar um lado pouco visto na temporada, agindo com maturidade ao assumir o papel de mãe e, claro, aproveitar para se vangloriar frente a Megan.

Mas enfim, acho que já evitei demais tratar da morte mais impactante da série até aqui. E não foi por falta de aviso. Durante toda a temporada, em meio a vídeos de acidente de carro, menções a apólices de seguro de vida e elevadores que se tornam armadilhas do destino, dava para prever que algum personagem talvez pudesse sucumbir a esse mau presságio. Mesmo quando parecia óbvio que Lane Pryce optaria pelo suicídio, o roteiro ainda joga com nossas expectativas e aproveita o fato do Jaguar ser tratado como um carro indomável pelos americanos para falhar ironicamente com a primeira tentativa dele. Depois disso, são mais de dez minutos até que Joan finalmente encontre a porta de sua sala obstruída. Não vejo necessidade do roteiro explicar uma decisão dessas (na vida já é algo tantas vezes inexplicável) mas é bastante triste pensar que Lane foi derrotado pelo próprio orgulho, por se negar a pedir ajuda. Ao contrário do suicídio de seu irmão -- e é interessante como o corpo é mostrado de modo explícito dessa vez --, não vejo a culpa caindo sobre os ombros de Don. Quando ele sugere que Lane faça uma saída elegante, me parece a melhor forma de lidar com a situação, evitando um escândalo tanto para a empresa quanto para o sócio. Afinal, quem poderia confiar novamente as finanças de sua empresa a alguém que forja uma assinatura em benefício próprio? É uma cena magnífica, que Jared Harris merecia para deixar a série com louvor, mostrando mais uma vez toda sua versatilidade. Aquele descontrole que parecia crescer pouco a pouco no personagem ao longo da temporada, atinge o limite e vemos sentimentos conflitantes de revolta, vergonha, medo, resignação, tomando conta de cada gesto, cada expressão facial. O que Don nem suspeitava ao encorajá-lo a recomeçar a vida na Inglaterra é que Lane veio disposto a abandonar seus costumes britânicos para se dedicar até as última consequências ao sonho americano. Essa já era sua última chance e a possibilidade de perder seu visto chega a ser desperador. Lane volta a sua sala, suspira, e enxerga ao seu redor todos aqueles objetos que adotou em terra estrangeira: a flâmula dos Mets na parede, a estátua da liberdade, o Empire State Building em miniatura. O céu caindo do lado de fora como se estivesse preso em um grande globo de neve. Revendo o episódio, já sabendo como tudo isso irá terminar, quando Lane diz sentir a cabeça mais leve, não é um sinal de alívio ou mesmo de angústia, mas uma sensação de plenitude, de que tentou viver o sonho até o final. Fazendo uma retrospectiva da temporada, em A Little Kiss, Lane se entrega às fantasias quando encontra a foto de uma bela moça, e garante a ela que sempre poderá ser encontrado em sua sala. Acho que um paralelo óbvio a se fazer é com a condição de Pete, até porque muitos apostavam que seria ele a morrer nessa temporada. Certamente o fato de ter sido o primeiro a ver o corpo pendurado deve afetá-lo a ponto de reconsiderar algumas de suas atitudes. Mas isso já parece ser assunto para o finale, que pelo rumo das coisas, promete altas emoções.

Resta prestar uma última homenagem a Lane, resgatando um vídeo que havia colocado há algum tempo no youtube. No final do ano de 1964, sozinho na América, Lane Pryce tem um singelo encontro com Don Draper em sua sala. Sem ele a SCDP não passaria de um sonho distante. Então, proponho um brinde a esse magnífico personagem: chin-chin!

P.S.: Em uma entrevista essa semana, Jared Harris deixou escapar que Elisabeth Moss teria se despedido da produção no episódio anterior. Acontece que ela já havia se comprometido com as filmagens de Top of the Lake, minissérie para TV da Jane Campion, por isso teve sua participação reduzida na temporada. Claro que isso não significa que ela estará ausente do finale (ela pode ter gravado uma ou outra cena antes) e acho praticamente impossível que aquela tenha sido sua última participação na série.

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
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sexta-feira, 1 de junho de 2012

[Mad Men] 5x10 Christmas Waltz | 5x11 The Other Woman

"Money solves today, not tomorrow."

Antes de começar o texto, acho que preciso me desculpar pela ausência na última semana. Até imaginava que conseguiria dar meu parecer sobre o episódio (nem que fosse de forma resumida), mas infelizmente, em meio a correria de uma viagem, não tive tempo. Por outro lado, estes dois últimos episódios parecem estar intimamente ligados, o da semana passada servindo como preparação para o marcante episódio dessa semana. Por isso, vou aproveitar a "valsa natalina" para servir de introdução ao texto, com seus principais destaques, para depois me concentrar em "The Other Woman". Qualquer observação, favor usar os comentários do texto, para podermos assim nos aprofundar em um ou outro ponto que deixei passar.

Há alguns episódios, quando Megan decidiu abandonar a carreira promissora na criação publicitária para perseguir seu sonho de se tornar atriz, destaquei o quanto essa também era uma decisão corajosa dos roteiristas, já que tirava a personagem da zona de conforto que é a SCDP. Muitos outros personagens simplesmente desapareceram assim que foram demitidos ou deixados para trás em meio às mudanças da agência. Paul Kinsey, que retorna em "Christmas Waltz", foi um desses casos. Sempre levado a tomar decisões motivado muito mais pela emoção -- basta lembrar seu envolvimento com os Direitos Civis por conta de sua namorada negra --, sua incursão no movimento Hare Krishna não foi exceção. E após tantas atitudes desagradáveis nos últimos episódios, chega a surpreender a discrição de Harry em relação ao amigo, estendo ainda a mão para lhe oferecer ajuda. Paul percebe que não existe estado de espírito capaz de livrá-lo de uma verdadeira crise financeira e acaba rendendo-se a essa chance de tentar recomeçar a vida do outro lado do país. É interessante como essas ofertas de dinheiro ligam os dois episódios, assim como é um tema recorrente ao longo de toda a temporada, já virando piada pelas inúmeras vezes que Roger é extorquido, ou quando Lane Pryce sempre aparece para evitar alguma crise na SCDP. Mas dessa vez são os próprios problemas financeiros de Lane que lhe obrigam a cometer graves delitos para conseguir se livrar das dívidas pessoais, colocando o futuro da empresa em risco. A dificuldade sempre esteve em encontrar um ponto de equilíbrio entre os assuntos pessoais e os profissionais, sem que um interferisse no outro. Joan também sofre quando é desafiada por Greg, mandando os papéis do divórcio para dentro da SCDP, lugar onde até então ela se sentia intocável. Esse breve momento de fraqueza permite um passeio com Don Draper fora da agência, fingindo ser até um casal para testar o carro da Jaguar (test-drive "comprado" por Don), e uma animada conversa sobre as alegrias e decepções no casamento. Mas obviamente Don preferia estar acompanhado de Megan.

Don não é apenas o centro da série, no qual todos os outros personagens são obrigados a circular, como também seus valores pessoais e profissionais moldam seu status quo. Mad Men é acima de tudo a televisão como publicidade (assim como Breaking Bad é a televisão como droga). Por isso, a partir da saída de Megan os conflitos passaram a ser cada vez mais frequentes. Don não sente apenas que ela rejeitou uma carreira, mas sim uma parte importante de sua identidade. E isso culmina no seu discurso final, motivando os funcionários a vencer a qualquer custo a concorrência da Jaguar, se comprometendo a passar até mesmo os finais de semana e feriados na agência. Don mostra que está de volta aos negócios, e isso significa uma tendência cada vez maior do casal viver em mundos separados. Em "The Other Woman", essa crise chega a agravar-se quando Don descobre que um dos papéis de Megan exigiria que ela ficasse três meses em Boston, colocando distância literalmente nesta relação. O casal consegue eventualmente chegar a um acordo, mas pela persistência que Megan demonstra, superando até uma audição em que é tratada como um mero pedaço de carne, será questão de tempo para que ela consiga enfim sua primeira chance. Mas essa trama passa até despercebida perto das outras duas grandes mulheres que dominam o episódio: Joan e Peggy. Ambas enfrentaram tantos desafios dentro da agência para chegar onde chegaram, para serem principalmente respeitadas pelos colegas, e tiveram de quebrar tantas regras de conduta pregadas pela sociedade, que não pode ser considerado menos do que memorável um episódio em que as duas tem de encarar os maiores dilemas de suas vidas.
Joan é a mais afetada desde o começo do episódio, quando um dos membros do conselho na campanha da Jaguar sugere uma proposta indecente a Ken e Pete para assim não desfavorecer a agência na concorrência. Justamente quando Joan parecia enfim ter se livrado do fantasma do estupro que lhe perseguia por tanto tempo, aparece outro tema polêmico para aborrecê-la. Muitos parecem ter caído num dogmatismo para criticar a decisão de Joan, outros devem achar sua decisão incoerente por ela ter categorizado esse tipo de serviço como prostituição logo de início. Mas não quero propor esse tipo de discussão, até porque isso só tende a diminuir o valor do episódio e da própria série em si. O que realmente merece ser analisado é a forma como ela chegou a essa conclusão, como Pete teve papel fundamental (e Vincent Kartheiser teve uma de suas mais brilhantes performances) não apenas para convencê-la, como também "envenenando" aos poucos os outros sócios. Repare como ele distorce as palavras dela quando se reúne com os chefes, omitindo que ela teria ficado chocada, que apenas não esperava que eles fossem capazes de chegar a um valor condinzente. O resultado de tudo isso é uma corrente de mal entendidos, até Lane aconselhando que ela deveria reconsiderar uma proposta (e assim livrá-lo de pedir outra extensão de crédito), deixando Joan acossada a ponto de ceder. Claro que essa aparente decisão unânime dos sócios seria difícil de ser mudada, tanto se ela aceitasse ou não, e reflete uma opinião pública da própria sociedade. Salvatore foi demitido (e desapareceu da série) justamente por não ter cedido a uma proposta parecida. Além disso, era uma proposta capaz de solucionar todos os seus problemas financeiros e garantir ainda um futuro estável para seu filho. A postura passiva de Roger também me parece bastante coerente, tanto por ele oferecer apenas uma ajuda financeira para criar o filho, quanto por não se irritar com um possível admirador secreto de Joan. Roger não é capaz de amar ninguém. A montagem final, da apresentação aos executivos enquanto Joan se submete a um deles, parece extremamente óbvia ao tratar a mulher como o carro que está sendo anunciado, mas não vejo possibilidade de ocultar uma cena tão trágica como essa. Até porque ela ainda aparece usando o casaco que ganhou de Roger em "Waldorf Stories" para proteger seu corpo. O que mais me incomoda é a repetição do encontro com Don para enfatizar que ele chegou tarde demais, porque me parece um excesso de complacência com o protagonista, mesmo que sua origem desse motivos suficientes para condenar tal conduta. Além do mais, deixa em aberto se Joan poderia ter desistido por isso. Mas é brilhante a conclusão, a troca de olhares quando Don percebe que ela havia cedido mesmo, e que vão dando lugar a uma decepção pela campanha assinada por ele não ter sido aprovada por si só.
Do outro lado da moeda está Peggy, claramente insatisfeita por ter sido colocada em segundo plano na agência e não ter seus esforços reconhecidos. Ainda acho interessante que em nenhum momento ela tenha disputado com Ginsberg pela preferência do chefe, ela apenas não quer ser considerada inferior a ele, o que é bastante compreensível. Já que Don está ocupado demais para sequer perceber o nível de desgaste que se encontra essa relação -- a ponto de jogar dinheiro em seu rosto --, cabe a Peggy encontrar seu próprio caminho e enfim se libertar de seu mentor. Ela aceita a oportunidade na CGC depois dos conselhos de Freddy, outro antigo personagem que volta a aparecer nesses episódios. Não que essa despedida fosse inesperada, a série preparou terreno durante toda a temporada para isso, mas até pela importância da trama de Joan, não imaginava que seria também neste episódio. Porque sua demissão é um fato tão marcante na série, até pelo piloto mostrar o primeiro dia de trabalho de Peggy e seu primeiro encontro com Don, que achei que seria guardado para o finale. Mas claro, como previsto, é uma cena magnífica mostrando Don passar por todas as fases antes da aceitação, dando um beijo na mão (onde mais?) de sua pupila até enfim soltá-la livre. Se os dois haviam atingido um estado de admiração mútua em "The Suitcase", agora chegou a vez de Don demonstrar um profundo sentimento de respeito pela decisão de Peggy. E acho que essa relação chegou em um nível que merecia passar por tal provação. Antes de sair ela ainda troca olhares com Joan, e embora ambas não façam ideia do que acabou de ocorrer, suas escolhas não poderiam ser mais opostas. Enquanto uma praticamente sacrificou seus valores morais para garantir o futuro na agência, a outra sai pela porta da frente, de cabeça erguida e um sorriso triunfal. E ao contrário de tantos outros personagens que passaram por Mad Men, Peggy é a única profissional com a certeza de que acumulou valores suficientes para "sobreviver" na série mesmo que longe de Don Draper e da SCDP.

Confira também o texto do Hélio Flores sobre "The Other Woman".

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
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