“Just because
you shot Jesse James, don't make you Jesse James” – Mike
“What are you
waiting for?” – Walt
“For the
cancer to come back” - Skyler
Uma
das coisas mais fascinantes em Breaking Bad, e que a diferencia de toda e
qualquer série atual que tem o suspense como gênero, é como os roteiristas se
preocupam mais em dar uma continuidade natural e realista à trama do que gerar
o suspense propriamente dito. Não há elementos novos (como uma nova ameaça a
cada temporada de Dexter) que não sejam consequência dos atos dos personagens,
não há mistérios que precisam ser mantidos por um tempo (como em The Killing),
não há ambiguidade de personagens (Homeland), e mesmo um recurso como o
flashforward não é desculpa para gerar interesse na série, fazendo dele um fim
em si mesmo (como a esquizofrenia porca de Damages). Na verdade, em relação à
cena que abriu a temporada, é incrível que metade desta primeira parte já se
foi e nada parece nos levar a ela, e apenas somos lembrados pela tradição do
bacon no aniversário de Walt e o relógio com seu tenso tic tac anunciando dias
piores.
Não,
o grande trabalho da equipe de Vince Gilligan é priorizar uma certa ordem “natural”
das coisas e pensando como essa verossimilhança pode ter uma boa dose de tensão
e suspense. E, claro, com bastante imaginação. Se Walt e Jesse precisam voltar
aos negócios, não dá pra simplesmente escolher um novo local de trabalho. É
mais “realista” mostrar a dificuldade de se achar um lugar ideal (não sem humor,
com Saul tentando empurrar o laser tag abandonado que já havia tentado antes e
que serviu de abrigo pra Jesse no fim da 3ª temporada) e terminar na brilhante
ideia do “laboratório intinerante”. Da mesma forma que manter um negócio desses
passa por uma série de dificuldades e pagamentos, algo inesperado para o
arrogante Walt, o que acaba servindo de conflito entre ele e Mike.
E
assim a série segue a passos lentos, dando importância aos detalhes, mas
fazendo de cada cena um momento dramático intenso, sempre focando nas
exigências da trama, sem sentir a necessidade de dar destaque a um ou outro
personagem: se Skyler é o centro das atenções agora, é porque o momento exige;
assim como Mike protagonizou um episódio quando era necessário mostrar as
investigações que levaram a Madrigal, e Jesse pouco tem a fazer, mesmo sendo um
protagonista da temporada anterior.
Tudo
isso, claro, com Walter White como centro gravitacional. O que importa é sua
derrocada e como ele leva a todos para o inferno. Nisto, “Hazard Pay” e “Fifty-One”
são exemplares. Nos atos maiores, fingindo se importar com Jesse, mas
envenenando seu relacionamento com Andrea (ele nem se importa quando o “amigo”
diz que terminou com ela) ao menor dos atos (observem como ele abre a gaveta e
joga as roupas de Skyler pra um canto, pra colocar as suas próprias), Walt
acua, manipula e aterroriza seus próximos, simplesmente porque pode, já
engolido por seu ego e orgulho. “Nada vai parar este trem”, ele diz. Sua
família ainda importa, óbvio, mas tem que ser nos seus termos. A emblemática
sequência em que ele recorda todo o ano vivido, enquanto está de costas para
Skyler (e ela para ele) é a metáfora perfeita para seu relacionamento, que
chega aqui no momento mais insustentável: a esposa que vê como única saída a
espera pelo câncer (e fumar excessivamente não atrapalha seus planos) e o
marido que quer uma aproximação distorcendo verdades de acordo com sua
conveniência (a história sobre Ted para Marie ou dizer a Skyler como Jesse
supostamente mudou de opinião sobre ele).
Os
episódios não se resumiram a Skyler e Walt, mas é como ficarão marcados, dado a
excelência do texto e dos atores. É como uma versão hardcore do início da terceira
temporada, quando Walt força sua presença em casa, fazendo da esposa a vilã da
situação. Mas tivemos também:
-
Mike lidando com seus homens que tiveram o dinheiro confiscado. Engraçado
quando Walt diz a Saul que ameaçar é o que ele faz, e provavelmente já ameaçou
alguém antes do café da manhã, quando realmente Mike esteve cedo negociando o
silêncio de quem estava preso;
-
Novos personagens da empresa “Vamonos Pest”, responsáveis pela dedetização das
casas que serão usadas como laboratório. Certamente terão impacto na trama, já
que um deles é vivido por Jesse Plemons, o eterno Landry de Friday Night
Lights. No papel de Todd, já mostrou esperteza (e desobediência) ao avisar Walt
de uma câmera que ele desligou;
-
Um episódio tão coeso e bem executado como “Hazard Pay”, é inacreditável que
tenha sido tão povoado: teve não só Mike e os novos personagens, mas Marie,
Andrea e Brock, Skinny Pete e Badger. E como sempre tem um jeito de toda cena ter
uma informação nova, descobrimos que Skinny Pete tem uma grande habilidade
musical, provavelmente destruída pelas drogas;
-
Como já dito, Jesse terminando com Andrea. Acho uma pena que tenha sido fora da
tela, já que esse relacionamento teve enorme importância na série (catalizador
do clímax, tanto do final da terceira quanto da quarta temporada), mas com
tantos eventos, é um pecado que estou disposto a perdoar. Outra elipse estranha
é a de Skyler (já no episódio seguinte) saber que está sendo vista pela irmã e
cunhado como infiel. Em que momento se deu isso?
-
Falando em momentos fora da tela, ficamos sem saber qual a opinião do Walt
sobre o que Mike deveria fazer com Lydia, exceto que Jesse acha a ideia ótima.
Provavelmente é o que moverá o próximo episódio. Lydia, aliás, é assustadora de
uma maneira bem peculiar. Atrapalhada, assustada, capaz de fazer uma loucura no
desespero. Mike está certo em querer matá-la, mas parece que não é o que vai
acontecer;
-
Walter Junior sempre comendo. Já virou piada entre os fãs, especialmente no que
diz respeito ao café da manhã. E acredito que os próprios realizadores adotaram
como humor. Basta ver que mesmo na cena em que Skyler e Marie comem no
lava-a-jato, lá está uma foto do rapaz fazendo parte da cena;
-
Hank promovido. Não parece ser o que ele quer, e é uma forma breve e eficaz de
mostrar que sua obsessão por Heisenberg continua, e desenvolver o personagem,
colocando-o em outra posição;
No
mais, grande momento de Anna Gunn na série. Do explosivo “Shut up!” ao
confronto com Walt, não duvido que isto tenha lhe conseguido alguns votos no
Emmy, mesmo que não seja por esta temporada que ela concorre. Será uma favorita
para o ano que vem. No que diz respeito à direção, “Hazard Pay” parece bem mais
comportado e sutil, enquanto “Fifty-One”, dirigido pelo cineasta Rian Johnson (que
também dirigiu “Fly”), pode facilmente ser chamado de “metido a besta”, mas gostei
bastante, especialmente das composições de Skyler no fundo da piscina (com
resgate que corta no momento em que Walt aparece no quadro, dando a impressão
de ser um agressor) e Skyler fumando ao final usando a caneca de aniversário
como cinzeiro.
Chama a atenção também as duas aberturas (Mike na prisão; Walt e
filho com novos carros) que, ao contrário da especialidade da série, não impressionam
ou são pomposas, mostrando que Gilligan não sente a necessidade de causar
impacto o tempo todo. Às vezes menos é mais, principalmente quando o que se
conta é tão bom.
Hélio Flores