domingo, 28 de abril de 2013

[Mad Men] 6x04 To Have and to Hold

"I pray for you. For you to find peace."

Com o passar de várias temporadas, uma consequência natural para uma série como Mad Men que lida com tantos aspectos da sociedade de seu tempo, expandindo e explorando diversos núcleos, é a necessidade de episódios como o dessa semana. Acompanhamos o avanço de diversas tramas principais, seja dentro da SCDP, na concorrência pela Heinz ou no casamento dos Drapers, assim como outras históricas mais periféricas, como Joan e Dawn encontrando-se com suas respectivas amigas. No entanto, em muitos casos senti que uma atenção maior seria necessária, principalmente em relação à decisão de Peggy, traindo a confiança de Stan, que passou uma sensação de frieza extrema e poderia ser amenizada com um tempo maior de reflexão. No entanto, é curioso notar que todas as tramas se relacionam com essa concorrência entre as duas agências, gerando peças tão ligadas à época (sejam bem-vindos, espaços em branco!) mas ao mesmo tempo tão opostas. No caso do trabalho da SCDP, refletindo os encontros furtivos no esconderijo de Pete e a sala secreta na própria agência, Don tenta abstrair mais uma vez o produto -- assim como já havia feito com o hotel do Havaí -- e explorar a imaginação de seu público. Mas quem se enquadra melhor na proposta do cliente é Peggy, que repetindo as palavras de seu mentor durante a apresentação, propõe uma exposição maciça do produto na Times Square. Nenhuma das duas agências pode comemorar, porque quem venceu a concorrência foi a Thompson, mas o encontro depois no bar também não me agradou. Todos lamentando a derrota, de repente Ken entra furioso porque Raymond descobriu sobre o "Projeto K" e Stan sai de cena mostrando o dedo do meio para Peggy. Ficou parecendo um sketch sobre traição.

Mas talvez seja outro indício de que a traição de Don Draper esteja próximo de ser descoberta. Resta saber se isso acontecerá antes ou depois de se separar de Megan, afinal sabemos que quando ele compara sua mulher a uma vagabunda, é porque estamos acompanhando o início do fim deste relacionamento. "To have and to hold", além do nome da novela que Megan participa, é também um trecho dos votos feitos pelos noivos nas igrejas católicas americanas. Pela primeira vez Don parece incomodado com a cruz pendurada no pescoço de Sylvia, e ela não esconde que reza depois de cada encontro para que seu amante encontre paz de espírito. Porque, convenhamos, Don é um homem perturbado a ponto de não apenas correr para trair sua mulher logo depois de vê-la em cena com outro ator, mas por ainda reproduzir a cena com sua amante. A série já mostrou claramente que esses padrões se repetem na vida de Don, e deixava claro o distanciamento dos dois no final da temporada anterior, mas esperava que dessa vez seria Megan a tomar iniciativa e propor uma separação, cansada das velhas manias do marido. Enquanto ele se incomoda por Megan supostamente lhe trair sob a luz dos holofotes, ele age de maneira muito pior nos bastidores. Resta esperar que essa situação finalmente se inverta.

Já dentro da agência, as disputas continuam bastante tensas, dessa vez com Joan e Harry medindo forças para ver quem tem mais autoridade. É uma situação delicada de analisar, porque apesar da secretária de Harry ter burlado as regras, a dinâmica de horário numa agência como a SCDP sempre foi retratada como bem flexível. Basta lembrar da voltinha de Jaguar durante o expediente na temporada passada, por exemplo. Sem entrar muito nesses méritos, a situação serviu para mostrar que mesmo prestigiada por sua mãe e amiga pelo cargo executivo na SCDP, a razão obscura que permitiu Joan atingir esse cargo gera ainda muitas especulações dos colegas de trabalho. Não que faltasse méritos para isso, a SCDP provavelmente nunca sairia do papel se não fosse pela contribuição de Joan, mas sua decisão na temporada passada certamente nem permitiu que ela conquistasse mais respeito entre os colegas. Harry também está em busca desse respeito, só que por outro lado, invadindo a reunião de sócio, exigindo seu lugar, bradando sua importância na agência. E ele tem razão, ainda que fosse um babaca na maior parte do tempo, Harry foi um dos poucos a acreditar no potencial da televisão desde o início, mesmo que sem outra opção, e como sabemos sua presença na publicidade tende a ser cada vez maior (irônico também que Don Draper seja ameaçado em sua vida pessoal justamente pela televisão neste episódio). O que faltava a Harry era alguma iniciativa, como Peter por exemplo, e isso ele mostrou após receber seu bônus no encontro com Roger e Cooper. Como bem descreveu Dawn para sua amiga, a SCDP é um ambiente dominado pelo medo, e quem vence é aquele que consegue se impor neste sistema. Muito interessante esse olhar "estrangeiro" da secretária de Don, que se destaca na agência pelas diferenças e ao mesmo tempo não é respeitada pelo mesmo motivo. Só espero que em meio a tantas outras tramas, Dawn tenha mais sorte de se destacar do que Ginsberg, por exemplo, que levantou algumas questões interessantes sobre as famílias de judeus da época, para depois nunca mais ser lembrado.

Foto: Divulgação/AMC.


e.fuzii
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quinta-feira, 18 de abril de 2013

[Mad Men] 6x03 The Collaborators

"This is how wars are won."

Colaboradores nos tempos de guerra são aqueles que oferecem sua cooperação às forças inimigas, principalmente nos casos de ocupação, por isso tantas vezes são tratados como traidores. Poderia ter ligação a este período, um dos mais tensos da guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos lançam sua ofensiva do Tet, situando assim o episódio no final de janeiro de 1968. Porém, esse conflito ético é apresentado em outras situações ao longo desse episódio: Peggy sendo coagida por Ted a usar uma conversa informal com Stan para ir em busca da Heinz, Pete ficando ao lado do cliente da Jaguar que prefere uma linha publicitária focada no varejo, ou até o próprio executivo da Heinz que tenta sabotar seu jovem colega de trabalho atrás de uma oportunidade igual na SCDP. E claro, os dois casos de infidelidade mostrados no episódio, principalmente pela cara de pau dos envolvidos.

Apesar da vontade expressa de interromper esse relacionamento no início do ano, Don ainda continua com seus encontros com Sylvia, sua vizinha do andar de baixo. A amizade entre os dois casais gera vários momentos de risco, a ponto de Don chegar em seu apartamento e encontrar sua mulher sendo consolada pela amante. Uma pena que para o espectador não existe praticamente qualquer suspense, já que acompanhamos todo desenrolar da conversa antes de Don aparecer. Apesar de algumas ressalvas ao esforço de Jon Hamm na direção, sua atuação foi um dos destaques do episódio, nos momentos de tensão, mas principalmente quando tenta (não) convencer os executivos da Jaguar a mudar de estratégia. Esta trama também possibilitou revelar outros detalhes do passado de Don através de flashback, mostrando a época em que se mudou com sua mãe de criação para um bordel. Porém, é um recurso que me parece desnecessário por mostrar um cenário que já vinha sendo montado em nossas cabeças desde as temporadas anteriores, além de bastante questionável como justificativa para seu comportamento em relação às mulheres, como dá a entender por Don deixar seu "pagamento" pela companhia de Sylvia. Até um jantar arranjado entre os casais acaba se tornando um encontro particular quando Megan não se sente bem e o Dr Rosen é chamado para outra emergência. Embora Sylvia tente resistir (sua culpa religiosa também parece ser importante), há todo um jogo de poder e sedução na mesa, duas armas que Don Draper domina, e portanto acaba prevalecendo. Poderia ser apenas mais um passatempo para ele, mas essa proximidade dos casais e a outra trama sobre infidelidade levam a crer que isso pode gerar uma enorme crise no casamento dos Draper, que também já não parece se garantir por si só.

Pete também leva uma de suas vizinhas para seu apartamento na cidade (oferecendo ingressos para assistir Hair!), mas não conta com a mesma sorte de Don, e acaba descoberto por Trudy depois da vizinha aparecer toda ensanguentada batendo em sua porta. Para quem acreditava que Pete estava manipulando sua mulher, criando todos aqueles motivos para pegar o trem todos os dias, era justamente o contrário, Trudy sabia muito bem o que estava fazendo. Certamente no melhor momento episódio, ela não parece tão incomodada com traição, mas porque Pete não cumpriu a parte dele neste acordo, em manter ao menos certa discrição para preservá-la na vizinhança. Ela coloca o marido para correr de casa, estabelece limites para suas visitas e ainda ameaça destruí-lo. Mas não sei também se seria avançado demais pra época uma reação assim, até se levar em conta que a violência contra a vizinha passa totalmente despercebida, impune. Quem também enfrenta conflitos de gênero é Peggy, que ao invés de ser respeitada pelos outros funcionários da agência, como dava a entender no episódio anterior, é na verdade temida por sua inflexibilidade. Por isso, ela acaba sendo vítima até de brincadeiras, o que se fosse um homem no cargo de liderança certamente não aconteceria. As conversas com Stan após o expediente são um dos poucos momentos que vemos Peggy relaxar, ser ela mesma, ser tratada de igual pra igual. Mas talvez fosse ingenuidade sua achar que entregando a informação para Ted de que um cliente em potencial estava saindo ao mercado não acarretaria esse dilema ético. Já na SCDP, Herb aparece na porta da sala de Joan para acabar com seu dia. Talvez o maior problema de ceder a um cliente assim da agência fosse que ele sempre voltaria a bater em sua porta. Claramente irritada, ela vai procurar refúgio na sala de Don, que também parece contrariado durante todas as reuniões da Jaguar. Não só porque parecia absurdo para ele mudar para uma estratégia daquelas, mas sinto que ele se sentiu vingado mesmo em um nível pessoal. Regras de conduta funcionam mesmo de forma curiosa na cabeça de Don. É curioso também notar como está sendo introduzido o novato Bob Benson (James Wolk da abreviada série Lone Star), como uma ameaça para os mais experientes, como uma versão mais nova do charme de Don Draper, como uma figura onipresente nos contatos da agência. Ele ainda parece oculto em muitas destas situações, mas assim que for revelado seu potencial é capaz de causar alguma agitação na SCDP. O que, convenhamos, está mais do que na hora.

Foto: Divulgação.


e.fuzii
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sexta-feira, 12 de abril de 2013

[Mad Men] 6x01-02 The Doorway

"I'm just acknowledging that life, unlike this analysis, will eventually end and somebody else will get the bill."

E a morte continua rondando a vida destes personagens. Passados pouco mais de 6 meses em suas vidas, períodos que parecem estar encurtando a cada nova temporada, Mad Men retorna para seu penúltimo ano na televisão, ainda marcado por essa fatalidade latente. Não haveria situação melhor para revelar a profunda mudança da sociedade em um intervalo tão curto de tempo quanto nos eventos sociais de final de ano. O que antes se traduziam em festas inesquecíveis, agora parecem suprimidas diante de tantos outros acontecimento, ou até simplesmente esquecidas, como na celebração de ano novo particular no apartamento dos Drapers. Se comparada à festa neste mesmo apartamento na premiere anterior então, parece até que estamos diante de um outro casal. Mas se considerarmos a dinâmica entre eles, de fato estamos. É interessante também estabelecer um paralelo com o piloto da série, quando nos é revelado apenas nos últimos minutos que Don Draper tem uma família no subúrbio. Dessa vez, pelo contrário, é guardado para o final que Don está realmente traindo Megan com a mulher do Dr. Rosen, em resposta ao cliffhanger que encerrava a temporada passada, a garota no bar perguntando se Don estava sozinho. No entanto, pela primeira vez, essa situação parece estar incomodando Don Draper. "Quero parar de fazer isso" é uma de suas únicas resoluções para o novo ano. Mas ele sabe que não seria capaz de parar, e pela reação de sua amante (a maravilhosa Linda Cardellini), ela também sabe disso. Durante o episódio, o que me incomodou foi essa camaradagem excessiva de Don com o médico, que não me parecia apenas mera curiosidade pela sua profissão ou por lidar frequentemente com a vida e a morte, mas uma relação próxima a ponto de dar até presentes fora de época. Com essa revelação final, tudo parece mais claro, Don tenta compensar um homem que consegue ser mais digno do que ele em todos os aspectos da vida.

O episódio começa sob o ponto de vista de alguém sofrendo um ataque cardíaco, para depois embarcar na jornada de Don pelo "paraíso", no clima e nas cores quente do Havaí, enquanto lê um trecho do Inferno de Dante Alighieri na praia. Sua atitude diante deste cenário é de completo torpor, como se não estivesse presente ali, passando quase dez minutos em silêncio. A palavra a quebrar esse silêncio é "army" diante de um jovem militar, bêbado no balcão do bar, que passa a relatar as atrocidades vividas no Vietnã, enquanto Don relembra seus velhos tempos de guerra na Coreia. Ele retorna à fria Nova York dizendo que viveu uma verdadeira experiência, impossível de colocar em palavras. Na agência, percebemos que apesar disso, apenas Don Draper continua exatamente o mesmo; barbas, bigodes e costeletas crescem em profusão no rosto desses personagens. Como se ainda estivessem aproveitando a brisa de mudança trazida pelo verão do amor, enquanto Don continua rejeitando a mera utilização do termo em uma de suas campanhas publicitárias. Então, quando sua viagem pelo Havaí também precisa virar propaganda, Don é o único incapaz de perceber a interpretação mórbida de sua experiência -- Stan chega inclusive a pensar que essa era justamente a "graça" do anúncio. Estaria Don também querendo se suicidar?

Provavelmente não, mas é muito forte sua curiosidade em saber o que este momento lhe reserva, abandonar sua existência física, com certeza ainda influenciado pelo suicídio de seu sócio, Lane Pryce, que continua in memoriam batizando a agência. Roger também se mostra perturbado neste sentido em suas sessões de terapia, cansado de buscar algum sentido para a vida. Sua análise que inclusive dá título ao episódio, diz que a vida é uma sucessão de portas, pontes e janelas que abrem e fecham todas da mesma maneira e levam fatalmente sempre a um mesmo caminho definido. Claro que não se deve levar a sério um personagem que conta piadas para si mesmo na terapia. Mas não à toa, posteriormente é revelado que a vítima do ataque cardíaco na primeira cena é Jonesy, o porteiro do prédio de Don, que ocupa esse piso térreo onde abre e fecha a porta para os moradores, convida-os a subir ou descer de elevador. Além disso, Roger enfrenta outros dois anúncios de morte no episódio: sua mãe, a única pessoa ainda capaz de lhe amar, e seu engraxate, que não é lembrado por nenhum outro de seus clientes. Talvez esse fosse um dos maiores receios de Roger, razão para ele finalmente desabar a chorar em sua sala. Assim como acompanhamos desde a temporada anterior, a sociedade vive o ápice do consumismo, os prazeres momentâneos nunca estiveram ao alcance de tanta gente, os relatos de guerra e violência na cidade chegam com uma facilidade incrível e o uso deliberado de alucinógenos faz com que esses personagens procurem sempre por uma nova experiência, inédita, transcendental. Roger não contenta-se com a chegada de um novo ano porque a promessa de um novo ciclo é na verdade apenas mais uma repetição.

Embora com uma atuação ainda discreta neste primeiro episódio, Peggy já mostra um pouco do progresso que teve nos últimos meses trabalhando na CGC. Superando a adversidade em uma campanha também prejudicada pela brutalidade do Vietnã e pelo sarcasmo da época, Peggy consegue impressionar seu chefe com uma ideia ainda mais brilhante para a propaganda de fones de ouvido. Porém, seu relacionamento com Abe ainda me parece um pouco turbulento, como se vivessem em mundos diferentes, e certamente teremos desenvolvimento durante a temporada. Mas o que me pareceu mais marcante foi a presença de Peggy na agência, sua autoridade diante dos outros funcionários, lembrando muito a confiança de Don Draper em seus tempos áureos. Ainda tivemos uma trama envolvendo Betty, que aparece com peso reduzido e tentando mantê-lo sob controle. Sua "descida" a um Village congelante (lembrando que o Inferno descrito por Dante é gelado) não deixa de ser também uma experiência inusitada, visitando um cortiço e entrando em contato com alguns jovens adeptos da contracultura. Obviamente sua tenacidade para resgatar a garota daquele lugar, como se fosse protagonista de um conto de fadas, deve-se principalmente pela história ser muito similar à dela. Porém, por mais que ela tentasse se apegar ao violino, a "identidade" da garota destinada a estudar em Juilliard, sua decisão de largá-lo naquele lugar mostra algum progresso. Betty pode não ser um ser humano exemplar (longe disso, aliás), mas já é recorrente desde a temporada anterior Betty ter alguns lampejos de maturidade e para representar isso nada melhor do que uma mudança na cor dos cabelos. Sally também apareceu pouco, mas já deu mostras de estar mais independente e menos reprimida na mansão dos Francis. Seu conflito com Betty, com os dois personagens em desenvolvimento paralelo, tem tudo para ser um dos destaques dessa temporada. É cedo ainda para dizer o que esperar do ano de 1968 na série, a única certeza é que esse estado de emergência e preocupação dos personagens está longe de chegar ao fim.

Foto: Divulgação.


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