terça-feira, 24 de agosto de 2010

[The Wire] 1x07 - One Arrest; 1x08 - Lessons

Demorou, mas a maratona "The Wire" está de volta. Por conta do atraso, seguem comentários (com spoilers) de mais dois episódios. Depois, tentarei manter a média de um episódio a cada dois ou três dias. Quem sabe até o final do ano a gente consiga comentar as cinco temporadas da série...

1x07 - One Arrest

"A man must have a code." - Bunk

Passando da metade da temporada, The Wire já tem uma riquíssima coleção de personagens, bem definidos mas, como todo ser humano, sempre capazes de nos surpreender. A esta altura, já dá pra acompanhar com um prazer enorme qualquer coisa que eles façam, embora a trama seja tão bem estruturada e amarrada, que na maioria das vezes é reação à cadeia de eventos que liga todos e tal reação gera novos e imprevistos caminhos.

Aqui, vê-se com muito gosto todo o trabalho de Lester e Prez decifrando os códigos do grupo de Barksdale, toda a discussão e o trabalho de antes e depois da apreensão da mercadoria transportada, em especial com a dupla “Batman & Robin” formada por Herc e Carver; Jay sacaneando Santangelo com a dica da vidente; a reação de Bubbles ao ouvir o depoimento de um dependente químico, enquanto Johnny não leva a sério; o fato de que quem estava com Stinkum era o jovem que perdeu um olho para Prez, não deixando para trás a violência do personagem que tem se tornado cada vez mais simpático; e, principalmente, a única cena de Wallace, se drogando: vem logo depois de Poot dizer para Bodie que após a morte de Brandon, Wallace não saía de casa, e talvez seja o momento mais forte e triste do episódio. E é uma cena que dura poucos segundos. Se diz tanto, é só graças ao cuidadoso trabalho construído desde o início da série.

O mesmo, inclusive, pode ser dito da cena final, com McNulty batendo na casa de Rhonda. Há uma simpatia enorme pelo detetive quando diz “Adoro este maldito trabalho e eles vão acabar comigo”, porque sabemos o quão sincero ele está sendo.

McNulty sabe dos planos de Rawls, graças à Santangelo que, apesar de incompetente, não sacaneia colegas de trabalho. Todo homem deve ter um código, como diz Bunk. O de Omar é não matar pessoas que não façam parte do jogo, como fez Bird ao matar William Gant. O de Bird certamente é o de não dedurar o chefe, sendo tão desagradável durante o interrogatório que fica até difícil condenar a surra que ele leva (e vejam que são os superiores quem batem!).

Os principais avanços da trama ficaram por conta da apreensão da mercadoria, especialmente porque se Lester é inteligente ao decidir que Stinkum não pode ser preso, Avon e Stringer também são, percebendo que há algo errado, levando Stringer a destruir os telefones públicos grampeados. A comparação que D’Angelo fez (“The Buys”) com o jogo de xadrez não se resume apenas à posição e modo de se movimentar das peças. O que temos aqui é uma verdadeira disputa entre o destacamento comandado por Daniels e a gangue de Avon, em que cada jogada brilhante é percebida pelo adversário que, conseqüentemente, retribuirá com outro movimento inesperado.

E quem ganha nesse jogo estratégico somos nós.


1x08 - Lessons

"Come at the king, you best no miss." - Omar

Acontece tantas coisas em “The Wire”, que acabo esquecendo de comentar algumas, que tiveram maior desenvolvimento aqui: primeiro, como McNulty nem percebe o que faz com os filhos, trazendo-os para seu trabalho, levando-os com Omar para um necrotério e agora fazendo-os seguir ninguém menos que Stringer Bell, na abertura do episódio que se encerra com a cruel constatação de um Bunk mega bêbado de que McNulty não faz bem às pessoas (e aqui ele prejudica a investigação de um colega, além de acusar Daniels de “rabo preso” com Burrell, embora neste caso tenha motivos para suspeitar disso). Interessante como esta natureza de McNulty fica evidente logo após o episódio anterior se encerrar de uma forma que desperta simpatia pelo personagem.

Outro ponto que eu não havia comentado foi sobre a proposta que Orlando faz a D’Angelo que acaba mal para o primeiro, quando isso chega aos ouvidos de Avon (que curiosamente não parece se irritar com o fato de uma suposta concorrência nas drogas, mas sim a possibilidade de ter o nome de Orlando manchado). E isso graças a uma tremenda ingenuidade de D, que se sente cada vez mais deslocado deste meio, assumindo isto para Shardene momentos antes de saber sobre a morte de Stinkum. Sempre interessante ficar imaginando como os personagens vão reagir.

Também não havia comentado no episódio anterior a ida de Daniels a um importante evento, cheio de políticos, onde ele conhece um motorista, que agora acaba sendo detido com dinheiro vindo de Barksdale. Como sempre, a seqüência serve para falar um pouco mais sobre os personagens (Daniels se sente melhor discutindo sobre um jogo na cozinha, com motoristas do que com os patrões destes), mas que mais adiante tem função dramática maior.

A grande sacada aqui se resume no que Daniels sintetiza da mensagem enviada por Burrell: quando se segue drogas, tem um caso de drogas; quando se segue dinheiro, não se sabe aonde vai parar. A maior ambição de The Wire está em fazer um painel mais completo possível, com todas as ramificações do mundo das drogas. Toda a trama envolvendo a prisão do motorista não chega a lugar algum (ele é solto e a decisão de encerrar o destacamento é cancelada), mas enriquece o universo da série, mostrando algumas das dificuldades do trabalho de Daniels, McNulty e Cia., quando interesses e pessoas maiores podem estar envolvidas das mais variadas formas.

Como se já não fosse suficiente para um episódio, este chama-se “Lessons” e temos alguns personagens envolvidos com estudos: Wallace (ainda deprimido) tenta ajudar uma das crianças com problemas de matemática e percebe como a dureza e pressão da realidade forçam um aprendizado que a escola não dá conta; Herc e Carver, mais uma vez como alívio cômico, fazem exame para Sargento; e McNulty descobre que Stringer Bell toma aulas em um colégio comunitário para melhor administrar seus negócios (raro momento em que personagem e espectador descobrem juntos alguma coisa).

As frases que abrem o episódio normalmente estão relacionadas com o “tema maior” (por assim dizer) em questão, mas desta vez se refere quase que exclusivamente ao tiroteio (também raro para uma série policial) em que Omar se vinga de Stinkum e Wee-Bey, mostrando porque se deve temer este homem, que aproveita suas visitas ao destacamento para pegar informações do mural de investigação (e o que é aquela cena em que Omar segura uma criança no colo e observa o que os rapazes de Avon fazem com sua van? Não sei se é pra sentir pena dele, temer pela criança ou pelos próprios criminosos que sentirão sua fúria).



Hélio Flores
twitter.com/helioflores

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