“- So he has
never hurt anybody?” – Skyler
“- No.” – Walt
“There is no
problem, no matter how difficult, or painful or seemingly unsolvable… that
violence won't make worse.” – Dave
“Rabid
Dog” é o segundo episódio de “Breaking Bad” que faz no título referência a um
metafórico cachorro. Na quarta temporada, “Problem Dog” se referia a Gale, modo
que Jesse encontrou pra desabafar nos Narcóticos Anônimos. O cão que ele
precisou abater não estava sofrendo nem tinha mordido alguém, era apenas “problemático”.
Agora o próprio Jesse se torna o problema, um cachorro doente, com raiva,
segundo Saul. A grande sacada é que todos querem, ou não se importam, que o cão
raivoso seja abatido. Sem meias medidas. Exceto por Walt.
Este
é um típico episódio de transição. Aquele momento em que as peças precisam se
mover para que coisas maiores aconteçam. O que é interessante, porque vai
contra a estrutura “pé no acelerador” que temos visto nesta temporada e nos
deixa com apenas quatro episódios para o fim. Haja adrenalina.
É
o tipo de coisa que mais uma vez mostra a preocupação que Gilligan tem em se
manter fiel à coerência e evolução dos seus personagens. Não faria sentido
Jesse colaborar com Hank naquele momento do interrogatório no episódio
anterior, assim como Walt nunca teria cogitado matar seu pupilo – mais uma vez
Saul faz uma insinuação divertida sobre o que Heisenberg tem que fazer, e sua
reação é tão enfática quanto na possibilidade de matar Hank.
Ou
seja, os eventos a partir do próximo episódio poderiam ter surgido já com o que
aconteceu no episódio passado, mas cá está “Rabid Dog” pra dar consistência,
verossimilhança e, de quebra, comentar e representar a mudança trágica desses
personagens, causada por Walter White. Mudança que é retratada com alguma
ironia: se é Walt a quem acompanhamos tomar as decisões mais terríveis na série, aqui ele
é o personagem mais simpático (exceto pelos periféricos Walter Jr. e Gomez), ao
presenciarmos o lado nada agradável de sua família.
Começo
por Marie, que nunca teve muito o que fazer na série, mas que vem com grandes
momentos nos últimos episódios. Se antes de começar a temporada me dissessem
que na reta final teríamos cenas da personagem fazendo terapia, ia achar uma
grande perda de tempo. Mas lá está Marie falando sobre os melhores venenos
pesquisados na internet (ela teria lido sobre a ricina?), e logo depois indo
esquentar a lasanha quando soube que o marginal drogado no quarto de hóspedes
vai ajudar a acabar com seu cunhado. Se todas as peças importam em “Breaking
Bad”, eu não sei se até o final dessa história Marie estará certa sobre não machucar
ninguém (e ela definitivamente trocou o roxo pelo preto).
Já
Hank mostra seu lado mais desprezível ao sugerir que não se importa que Jesse
morra, caso isso permita a prisão de Walt. Mas é algo tão desprezível mesmo?
Desde a primeira temporada que conhecemos a atitude de Hank em relação a
viciados e traficantes. Um marginal morrer pelo bem maior não seria nada
demais. É verdade que Gomez, também policial, mostra alguma preocupação. Mas não
é ele quem está com o orgulho ferido. Jesse enganou, roubou, matou, fabricou e
vendeu drogas com a ajuda do cunhado de Hank. Por que ele se importaria?
O
mesmo vale para Skyler. Ela, que não viu outra escolha a não ser ficar ao lado
do marido, talvez tenha vendido a alma ao diabo em definitivo quando participou
da confissão gravada de Walt, como mostra sua perturbação no episódio anterior.
Sugerir que Jesse deva ser morto soa lamentavelmente até previsível. Afinal,
depois de tudo, o que é mais um? Será curioso acompanhar o que fãs e detratores
da personagem têm a dizer sobre isto, porque no fim das contas trata-se de mais
uma reação de Skyler pelo seu ponto de vista que é bem diferente do nosso:
sabemos tanto sobre Jesse, tudo que ele fez e sofreu, que talvez alguns
esqueçam que pra ela trata-se apenas de um viciado em drogas que arrombou sua
casa e quase a incendiou, colocando a vida de seus filhos em risco – e considerar
a possibilidade de Jesse voltar atrás e continuar com o plano soa absolutamente
natural.
A sugestão de Skyler certamente faz mais
efeito do que quando feita por Saul, mas Walt só toma a decisão após a ameaça
final de Jesse. Aqui está o momento mais questionável do episódio, quando Jesse,
no local de encontro, se assusta com a presença de um homem que, no fim, é
apenas alguém esperando pela filha pequena. Aparentemente, maquinação das mais
vagabundas, que serve também para reforçar que Walt realmente estava sozinho. Mas
é possível ver algum propósito: a sequência poderia ser facilmente resolvida de
outra forma (como Jesse se drogar minutos antes e sua paranoia ser o suficiente
pra espantá-lo), mas os roteiristas gostam de situações que flertam com o
acaso. Não à toa o comentário anterior de Jesse sobre Walt ter, além de inteligência, sorte, ou que o homem que o assusta seja parecido com Mike, e que esteja
esperando uma garotinha parecida com sua neta. Certamente incomoda muitos fãs
quando o “absurdo” está presente numa trama tão calcada na verossimilhança. No
meu caso, só não gosto por não ser mais criativo.
O
que importa é que isso leva a uma polarização total, em que os oponentes têm
planos bem definidos que só trarão ainda mais desgraça para todos os
envolvidos. A diferença é que não sabemos qual o próximo passo de Jesse e sua insinuação
é um desses golpes de gênio dos roteiristas, pra nos deixar especulando pelo
resto da semana. O que significa atacar Walt onde ele realmente vive? Podemos
descartar a família (pois assim não teria a ajuda de Hank), o dinheiro (pois
Jesse não sabe onde está escondido) e o império da metanfetamina (pois Walt se
aposentou). Sobrou o ego de Walter White, e aí me pergunto: e se Hank vem a
público dizer que prendeu Jesse Pinkman, também conhecido como o perigoso e
brilhante Heisenberg? Ok, viajei demais, há muitos furos nessa ideia, mas
imaginem como Walt reagiria...
Fato
é que dá pra se referir à série como Jesse se refere a Walt: qualquer coisa que
a gente pensa que vai acontecer, acontecerá exatamente o contrário.
Outros
comentários:
-
Sam Catlin, que faz parte do time de roteiristas da série, não só escreve como
estreia na direção neste episódio. É um trabalho discreto, usando alguns dos
padrões já bem conhecidos, mas eficientes (ressalto menos a câmera no gelo e no
carpete, mais a bela cena na piscina com Walt Jr.);
-
Puxando da memória, acho que é a primeira vez que mudam a ordem cronológica de
um episódio, o que felizmente não é uma coisa acessória e chamativa, mas sim
para uma melhor narrativa: não só injeta suspense na chegada de Walt em casa
(numa mistura de humor, com seu jeito assustado que nada lembra Heisenberg),
como nos coloca ao seu lado na crença de que Jesse teria mudado de ideia (ou,
no mínimo, ficar com este estranhamento por algum tempo, e até condenar os
roteiristas por não ir adiante com a promessa que encerrou o episódio anterior);
-
Como imaginado, Jesse nada tem a ver, ao menos por enquanto, com o que haverá
com a casa de Walt no futuro próximo. Porta e batente devidamente reformados;
-
Incrível a falta de pressa deste episódio. Outras séries não “perderiam” tanto
tempo com a preocupação de Walt com a gasolina. Sua tentativa de mentir pra
esposa e filho é interessante, porque sabemos o quanto ele mente bem, e fico na
dúvida se toda sua atrapalhada história é pela incapacidade de improvisar no
momento de tensão, ou se era proposital para que percebessem a mentira
apenas pra admitir depois que tinha a ver com mal estar causado pelo câncer e
gerar alguma simpatia;
-
“O garoto não vai estar no clima pra uma discussão sobre as virtudes do
envenenamento infantil”. Better Love Saul;
-
Aliás, o humor é sempre extraordinário. A tensão e o drama se acumulam, mas os
momentos engraçados estão presentes, nunca diluem a seriedade do momento e às
vezes dizem muito sobre os personagens. O desdém de Walt quando Kuby corrige o
nome de Badger (e não Beaver) é impagável;
-
Gomez agora sabe sobre Heisenberg. É a ajuda lógica que Hank poderia pedir, e
acho que acaba com as preocupações de quem pensa não fazer sentido ele não informar
à polícia o que sabe. É um meio-termo justo;
-
Pelo fato de Hank chama-lo de assassino, imagino que Jesse não deixou nada de
fora de sua confissão, inclusive falando sobre o que houve com Gale. O corte no
momento em que Jesse diz que Walt foi seu professor é muito bom, mas ficou um
desejo enorme de ver as reações de Hank e Gomez com muitas das histórias que
ouviram ali;
-
Confesso que cheguei a pensar que Hank estava estragando tudo pro seu lado, ao
deixar bem evidente pra Jesse que não se tratava apenas de manipulação, mas que
Walt realmente se preocupava com ele. O que também nos deu mais uma ótima
frase: “Yeah, Mr. White is gay for me”.
Hélio Flores
2 comentários:
Pra mim a frase do episódio é: Whats one more?
Sensacional!
Apesar do Jesse nao estar sob efeito de meta, com certeza ele ainda é muito neurótico, acho justo ele dar uma travada naquele momento.
De resto, só amores por BB. Nao tem nada melhor na TV.
Achei muito boa a cena da piscina, com Walter Jr. Não sei se foi de propósito ou por acaso, mas a cachoeira da piscina faz um efeito idêntico ao de quando a metanfetamina está sendo fabricada, no processo de endurecimento. No mais, gosto bastante do blog. Abraços!
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