Completando o top 10 de novas séries do ano (sem spoilers):
5º - Les Revenants
(Canal+)
Com
a popularização cada vez maior das séries americanas na última década, é
questão de tempo para que haja um fenômeno mundial vindo de outro país. E a
série francesa “Les Revenants” é uma ótima candidata a isto. Baseada em um
filme de 2004 com mesmo título, nela temos o retorno de mortos a uma pequena
cidade. Não são fantasmas ou zumbis: voltam com a mesma aparência de quando
morreram (que pode ter sido recentemente ou anos ou décadas atrás), sem a
lembrança da morte. Algo parecido com “Incidente em Antares” de Érico
Veríssimo, que se tornou minissérie da Globo no início dos anos 90. Talvez por
ser francesa, a estética é diferente do que estamos habituados mesmo na
diversidade de estilos e formas da tv americana: os planos são mais abertos,
duram por mais tempo e não há muito blábláblá. Personagens parecem falar apenas
quando necessário e seu silêncio é preenchido por uma trilha sonora perfeita
para o clima mórbido e de mistério que se instala naquela cidade. Não há pressa
na narração, usando uma estrutura que parece herdada de “Lost”, com as
informações que nos chegam aos poucos e cada episódio centrado em um personagem
(recebendo o nome dele como título), de quem saberemos um pouco mais a respeito.
O elenco é ótimo, com alguns já
conhecidos nomes do cinema francês (a bela Anne Consigny, Frédéric Pierrot e
Clotilde Hesme), não só bem dirigido como muito bem filmado, sendo uma série
que valoriza o rosto de seus personagens (o menino Victor é particularmente
assustador). Sem apostar em sustos, escatologia ou acontecimentos
espetaculares, “Les Revenants” consegue prender a atenção calmamente nos
guiando pelo mistério e fantástico da sua história até atingir um clímax
dramático, mas menos empolgante do que deveria ser – talvez aí fosse necessária
uma boa dose de adrenalina que nos foi recusada durante seus oito episódios. Ao
menos deixa pontas soltas para uma nova temporada que, espero, não demore a
chegar.
Chances no Emmy: Apesar de lançada no período (final
de 2012), “Les Revenants” ainda não foi exibida por um canal da tv americana, o
que a torna inelegível para o Emmy.
4º - Orphan Black (BBC America)
Uma
pequena produção canadense com elenco quase que totalmente desconhecido
tornou-se uma das melhores surpresas da temporada. A grande diversão de “Orphan
Black” está em como vamos descobrindo o que está acontecendo junto com sua
protagonista, e como os roteiristas são capazes de criar situações que a
colocam em enrascadas gradativamente maiores. E não é porque trata-se de uma
ficção barata de conceitos simples (e às vezes absurdos), que não se pode ter
respeito à nossa inteligência: alguns segredos são mantidos, com personagens
sendo enganados até onde é possível; ninguém é convenientemente burro, e isso
faz com que a trama se mova constantemente. O prazer em se ver a série me
lembrou dos bons tempos de “Alias”, uma aventura divertida e empolgante que me
fazia querer ver logo o episódio seguinte. E como a série de JJ Abrams tinha
Jennifer Garner, “Orphan Black” tem Tatiana Maslany, uma jovem e desconhecida
atriz canadense que se tornou a maior estrela do ano. Como Garner, Maslany tem
carisma, energia e consegue alternar força e fragilidade (além de linda e
gostosa, como algumas cenas calientes podem deixar claro). Mas com um importante
diferencial: a série permite que Maslany interprete várias personagens, todas bem
diferentes entre si em comportamento, personalidade, jeito de andar e até
sotaque. Como se não bastasse, há situações em que uma personagem se passa por
outra, o que resulta em uma performance totalmente nova: se Alison precisa fingir
ser Sarah, conseguimos sentir que é Alison (a dona de casa comportada) se
esforçando pra parecer Sarah (a “boca-suja” britânica). Essa perfeita aliança
entre trama bem escrita/dirigida (cômica, boas cenas de ação e tensão) e uma
verdadeira estrela supera e muito a pretensão de grandes temas e refinamento
técnico que marca muitas produções ambiciosas de grandes emissoras.
Chances no Emmy: Não é uma série com perfil da
premiação, mas não tenho dúvidas: críticos e especialistas assistirão às
indicações com a maior expectativa na categoria de Melhor Atriz, aguardando
ansiosos para ouvir o nome de Tatiana Maslany. Há alguns meses, a indicação era
impossível. Mas “Orphan Black” começou a ser comentada nas redes sociais e
todas as atenções se voltaram a Maslany. A atriz ganhou recentemente o Critic’s
Choice Awards, disputando com Claire Danes e Julianna Margulies, e está
indicada a Melhor Performance do ano, masculina ou feminina, pelo prêmio da Associação
dos Críticos de TV, e é considerada favorita (onde concorre com Bryan
Cranston). Prêmios da crítica não costumam influenciar a preferência do Emmy,
mas o boca-a-boca acabou gerando elogios mais do que entusiasmados de gente
como Damon Lindelof, Shaw Ryan e Patton Oswalt. O quanto de membros do Emmy
acompanham as redes sociais, tiveram tempo para ver uma desconhecida série e
estão preparados para sacrificar uma atriz queridinha pra votar em Maslany?
Logo vamos saber.
3º - Hannibal (NBC)
Quando
soube que fariam uma série sobre Hannibal Lecter, tinha certeza que não daria
certo. Felizmente, não poderia estar mais errado. Não conheço os trabalhos
anteriores de Bryan Fuller (os dois primeiros episódios de “Pushing Daisies” não
me empolgaram), mas está claro que certos temas e conceitos visuais são seus
motivadores (seria ele um “autor” no sentido que autoria tem na crítica de
cinema inaugurada pela Cahiers du Cinema?), já que “Hannibal” tem uma
identidade muito própria, na forma como representa o dom de Will Graham, na
encenação que constantemente enquadra seus protagonistas de perfil confrontando
uns aos outros, no clima de morbidez construído pela presença de uma trilha
sonora instigante, na beleza plástica e sempre impressionante com que filma as refeições
de Hannibal e os assassinatos de serial killers que são verdadeiros artistas.
Tudo isso para mergulhar fundo na nossa obsessão pela morte e pelo macabro, e não
numa necessidade de reverenciar, homenagear e copiar as obras anteriores que
trataram do personagem que mudou o modo do cinema lidar com a sociopatia – um episódio
como “Entrée“ impressiona por ser o máximo de inspiração e homenagem que se
pretende fazer a “O Silêncio dos Inocentes”: há cenas e situações que evocam o
filme, mas nunca deixa de ser um episódio da série que continua avançando sua
trama e personagens. Este avanço, aliás, significa não suavizar ou retroceder a
deterioração da saúde mental de Will; tornar crível a relação de todos com
Hannibal, a ponto de que ninguém suspeite de sua verdadeira natureza; manter
uma unidade da história principal (a que envolve Abigail) ao mesmo tempo em que
precisa cumprir uma necessidade em ser serializada (com “casos da semana”). De
modo geral, a série alcança esses objetivos, não sendo eficaz apenas em
momentos isolados, seja por uma investigação apressada ou por algumas
artimanhas de roteiro que salvam a pele de Hannibal. Pequenos pecados diante de
um todo estimulante, com personagens inteligentes e bem construídos, que vão
desde os investigadores de Jack Crawford a terapeuta vivida por Gillian
Anderson (a ideia de que Hannibal faça terapia parece péssima e só funciona
porque a escrita é muito boa).
Chances no Emmy: Apesar dos elogios da crítica, a
série foi um fracasso de audiência, sendo possível sua renovação para a segunda
temporada apenas porque há investimento estrangeiro, o que reduz os custos da
emissora. Fracassos assim não costumam receber atenção no Emmy. Ainda falam de
que seria “pesada” demais para os votantes. Com este argumento não concordo, já
que nunca tiveram problema em indicar séries como “Dexter” e “Breaking Bad”. “Hannibal”
seria tão diferente, nesse sentido? A categoria principal parece uma
impossibilidade, mas Hugh Dancy como Melhor Ator e Mads Mikkelsen como Ator
Coadjuvante seriam mais do que justos (Laurence Fishburne tem momentos
excelentes atuando com sua esposa – na vida real e na série -, mas não se
submeteu). Mikkelsen em especial, pela dificuldade que é dar vida e tornar fascinante
um personagem imortalizado por Anthony Hopkins, e de forma tão distinta.
Votantes do Emmy tem uma queda por vencedores do Oscar, teriam também por
vencedores de Cannes?
2º - The Americans
(FX)
O
que mais me impressiona nesta primeira temporada de “The Americans” talvez seja
a sensação que passa de controle absoluto que os criadores da série têm sobre o
material. É verdade que algumas arestas mereciam maior polimento: há mais idas
e vindas no casamento dos protagonistas do que deveria, e os filhos nunca se
tornam personagens interessantes. Mas ao final do último episódio, temos a
certeza que conhecemos bem esses espiões da KGB que se passam por americanos de
classe média, de como eles mudaram ao longo da temporada, de como a trajetória
até chegar àquele final – tensa, com ação, reviravoltas e surpresas – estava,
no fundo, contando uma história de amor, das mais inusitadas. Nada de “duas
pessoas se conhecem, se apaixonam, se casam”, e sim duas pessoas que se casam, não
se conhecem e... convivem por 15 anos até se apaixonarem. E, como toda grande
série, não deixa de ter bons coadjuvantes que, como os protagonistas, também só
crescem a cada episódio: Stan tem sua vida completamente mudada graças ao
trabalho, Nina passa pelo mesmo graças a Stan, e Claudia, que pouco sabemos
durante todo o tempo, tem um momento fantástico no season finale que lhe dá
mais vida. Todos os excitantes acontecimentos de “The Americans” (que têm um
charme especial por serem de uma trama de espionagem dos anos 80) nunca perdem
de vista essa atenção e necessidade de afetar profundamente os envolvidos na
história. E a segurança com que fazem isto numa trama tão bem amarrada e
redonda, me conquistou.
Chances no Emmy: O consenso geral é de que “House of
Cards” é a novidade com mais cara do prêmio, e que “The Americans” seria a
segunda escolha. Gosto de acreditar que a ordem é inversa, com a série da FX causando
uma empolgação muito parecida com a que “Homeland” teve ano passado – ambas tem
espionagem, suspense, um casal protagonista intenso, um coadjuvante forte,
surpreenderam na recepção crítica e de audiência. Se houver mesmo este
entusiasmo, e a série da Netflix fracassar, é possível vê-la presente em quase
todas as categorias: Série, Ator, Atriz, Ator Coadjuvante (Noah Emmerich) e em
Direção e Roteiro. Emmy gosta de indicar pilotos nessas categorias e, apesar da
estreia de “The Americans” ser mesmo muito boa, o season finale me parece mais
impactante, que é basicamente o final de “Argo” estendido por 45 minutos de
episódio.
1º - Rectify
(Sundance Channel)
A
primeira série produzida pelo Sundance Channel tinha todas as probabilidades de
cair em algum dos cacoetes vistos em boa parte dos filmes que saem do Festival
do mesmo nome do canal: obsessão pelo excêntrico na vida ordinária, sarcasmo,
ironia ou até mesmo superioridade ao retratar pessoas comuns, visão
excessivamente (ou pretensamente) poética ou exploração de sofrimento dos
personagens. Mas não é o que acontece com “Rectify”, embora a série pareça
correr este risco o tempo todo. A história do jovem condenado por assassinato e
que passa 19 anos no corredor da morte até que novas evidências o colocam em
liberdade poderia cair em armadilhas nos dois aspectos que fazem a série ser
excelente. O primeiro, o próprio retorno de Daniel Holden para casa e sua readaptação:
de coisas básicas como descobrir as mudanças nesses quase 20 anos (na sua cidade,
e as tecnologias, filmes, videogames, etc.), passando por coisas mais complexas
(relação com a família, sexo), a transformações fisiológicas (19 anos preso em
uma cela causa problemas na visão pela falta de uso para distâncias maiores), Daniel
reage a tudo em silêncio, isolado e experimentando as coisas a seu modo. Talvez
seja tentador (e o próprio espectador pode querer que algo nesse sentido aconteça)
colocar o personagem em alguns conflitos dramáticos, e lidar mais diretamente
com o caso de assassinato (que continua em aberto, sua culpa ainda é
considerada e pessoas farão de tudo para conseguir colocá-lo de volta na
prisão), mas há uma surpreendente sensibilidade na decisão de transformá-lo
quase num autista. Daniel é um total estranho no mundo e o risco de “poetizar” demais
suas tentativas de se encontrar e conhecer este mundo são diminuídas por
direção e fotografia precisas, e por um excepcional ator como Aden Young. São
apenas seis episódios, e por mais que queiramos saber mais sobre o mistério principal
(o piloto nos provoca neste sentido e o restante da série nos frustra), não é o
momento para isto. A segunda armadilha que “Rectify” foge é a de uma visão superior
ou julgadora dos habitantes daquele local. Pessoas religiosas, conservadoras e
caipiras, nunca são retratadas com desdém, nem mesmo aquelas que podem ser
vistas como vilãs. Isso permite desenvolver personagens e relações mais fortes,
e é muito bonito o que se constrói a partir do encontro entre Daniel e Tawney
na segunda metade da temporada. A conclusão é corajosa, pois não havia garantia
ainda de que a série fosse renovada e não seria um final gratificante.
Felizmente, veremos muito mais no ano que vem.
Chances no Emmy: Uma série pouco vista em um canal
pequeno que não investe em divulgação. Poderia dizer nenhuma, exceto que
consigo enxergar material perfeito para prêmios e que há precedentes: “Rectify”
é anunciada como “dos produtores de ‘Breaking Bad’”, série que também quase
ninguém conhecia e foi descoberta justamente no Emmy. É verdade que Bryan
Cranston já era uma pessoa conhecida e querida, então acho que já posso dizer
que a ausência de Aden Young da categoria de Melhor Ator será das maiores
injustiças do ano.
Hélio Flores
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