Desde sua estreia, um dos passatempos favoritos da produção de Mad Men é encontrar formas de tentar nos chocar com os hábitos mais banais daquela época. Lembro que já no piloto as pessoas discutiam exaustivamente toda aquela fumaça no restaurante logo nas primeiras cenas. Outro dia mesmo estava mostrando a um amigo algumas sequências e a primeira coisa que ele notou foi o tanto que os publicitários da Sterling Cooper bebem durante o trabalho. Nesse episódio, já começamos com uma sequência de Gene levando as crianças pra passear no seu Lincoln, mas colocando Sally ao volante. Por mais que isso pudesse ser comum nos anos 60 (e talvez antes disso mais ainda), não seria surpresa que terminasse num desastre, ainda mais na condição instável que encontra-se o pai de Betty. Mas apesar disso, essa é forma que ele encontra pra demonstrar um mínimo de preocupação com essas crianças, ao contrário do comportamento omisso de Betty na temporada passada, principalmente após a separação de Don. Na semana passada mesmo, Gene foi o único a fazer questão de corresponder à provocação de Sally, que esperava chamar a atenção dos adultos quando roubou seus 5 dólares. Some-se a isso o fato de Betty já saber os males que o cigarro traz a sua saúde mas mesmo assim sujeitar o pobre filho que ainda nem veio a nascer, pra perceber que algo está muito errado no lar dos Draper.
É tudo uma questão de diferentes criações, ou até gerações, como fica claro quando Gene encara o capacete do soldado morto como um triunfo de guerra e Don repudia por respeito a quem um dia morreu vestindo-o. Ainda parece ser revoltante para uma criança entender como os adultos tentam lidar com a morte, na base de suas ironias para evitar os reais fatos. Mesmo Betty, com toda sua ingenuidade, não quer enfrentar o inevitável até que o policial bate à sua porta. Nesse caso, Gene lamenta por tanto ter protegido sua filha durante a vida e nos seus últimos dias esforça-se pra que isso não se reflita nos próprios netos. Mas ainda assim, Betty mostra-se seriamente afetada pela morte do pai, a ponto de prestar um último tributo comendo o pêssego que restou no seu carro, aquele que seria na verdade a única herança deixada a Sally. Por isso, ver a pequena Sally deitada lamentando-se sozinha no chão, diante das primeiras imagens do que viria a ser o confronto no Vietnã, talvez seja uma das cenas mais tristes em toda a série.
Porém, a relação entre pais e filhos não parou por aí, e até Don Draper aproveitou pra na calada da noite relembrar a figura severa de seu pai. Além disso, ele é o único a tentar inserir um pouco de perspectiva a Hoho, o filho de um multi-milionário que pretende investir toda sua fortuna para popularizar o Jai Alai na América. Mas o pai está decidido a deixar seu filho seguir em frente com seu sonho, para ter seu primeiro tropeço e aprender com a vida. Uma pena que Hoho deixa bem claro que Don será o responsável por qualquer fracasso nessa campanha. Pra um esporte que não se estabeleceu nem na Olimpíada até hoje, já podemos prever um grande conflito vindo daí. Também acompanhamos Peggy finalmente decidida a mudar-se para Manhattan. Diante de suas tentativas frustradas de encontrar uma companheira de quarto, Peggy aceita a ajuda de Joan pra reescrever seu anúncio. É mais um indício de que embora Peggy tenha todo o esforço e coragem para atingir seus objetivos, Joan ainda continua tendo todo seu talento mal aproveitado. A própria forma como ela agrada a mãe com uma nova televisão pra logo depois anunciar sua mudança já demonstra uma baita falta de "tato" pra lidar com a situação. Mas ainda assim, Peggy mostra que tinha razão sobre o fracasso da campanha da Patio, saindo de cena com seu sorriso triunfal, após os clientes terem reprovado a ideia.
Nem eles entendem exatamente o que há de errado, quando tudo na verdade parece ser desastroso: a ausência do carisma de Ann-Margret, a falta de originalidade e até de apelo ao público feminino. E apesar de essa ser a única parte do episódio que não se relacione com o tema principal -- a não ser que algum publicitário esforce-se em considerar uma de suas criações como seu filho --, parece ser determinante para o futuro de Sal. Mesmo que sua peça tenha sido reprovada, ele ganha um alívio pra sua carreira ao ser promovido a diretor de comerciais. No entanto, a situação com sua esposa está cada vez mais insuportável, já sem conseguir mais esconder sua homossexualidade. O rosto de horror de Kitty enquanto presenciava a transformação do marido imitando todos os trejeitos e olhares do comercial, mostra novamente a qualidade da produção de Mad Men, que sabe o quanto o silêncio pode incomodar bem mais do que tortas palavras.
e.fuzii
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009
[Mad Men] 3x04 The Arrangements
às 11:45 AM
Marcadores: [Série], Série - Mad Men
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2 comentários:
Senti muita pena da esposa do Salvatore, perceber uma coisa dessas depois de se casar com a pessoa que você ama deve ser muito doloroso... Estou curiosa pra ver os episódios seguintes, espero que não larguem o Salvatore agora no meio da história para resgatarem mais na frente, quando for conveniente para preencher outros capítulos.
"Mad Men (...) sabe o quanto o silêncio pode incomodar bem mais do que tortas palavras."
Por isso que Mad Men me conquistou logo na abertura.
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