quinta-feira, 22 de outubro de 2009

[EXTRA] Entrevista com Gustavo Miller

Por Danielle M.
(com colaboração de Eric Fuzii)

Gustavo Miller é um cara bacana! Jornalista do Estadão desde 2006, é gente como a gente. Baixa séries, opina, corre para blogs e fóruns para comentar e paga de fã. E nós aqui do blog, que gostamos de gente que gosta de séries, começamos um especial com "o povo das séries". Gustavo foi a primeira vítima, atencioso, ele respondeu várias perguntas, nos explicou sua matéria sobre "A Geração Lost" e ainda nos trouxe muita informação nova. Ah, ele também é motivo de invejinha, porque viaja pelo mundo entrevistando atores de nossos programas favoritos. Só curtir:
BlogCeS: E aí? Quando você começou a escrever sobre televisão?

Gustavo Miller: Comecei como estagiário do Link no Estadão em 2006, caderno de tecnologia. Desde a metade do ano passado, faço parte do TV&Lazer e também escrevia para o Estadinho, que é o caderno infantil.

Por ser meio nerd e passar o dia conectado, comecei a cobrir a área de televisão e novas mídias. Tenho há mais de 2 anos uma coluna chamada "TV sem TV", onde faço uma seleção dos melhores vídeos da internet. Não é apenas pegar os mais vistos, mas dar uma peneirada, e ir atrás de curtas e de novas produtoras do audiovisual.

Entrei nessa de escrever sobre séries porque gosto de ir atrás das boas histórias. Hoje leio mais quadrinhos e HQs do que livros, por exemplo. Da mesma forma que assisto mais seriados do que filmes. Por quê? Porque a qualidade da televisão americana de hoje é um absurdo depois do chamado "Efeito Sopranos".

Acho que assisto mais de 20 séries, não passa de 30. Claro que eu baixo, por que não o faria? Hoje não tenho mais paciência para aguentar a televisão controlando a minha vida, dizendo que tenho que estar em casa às 21h30 para ver Two and a Half Men. Baixo e assisto quando quero. Isso inclusive, com redes de tv nacionais. Tenho senha na globo.com e vejo programas da mtv no youtube ou no site da emissora. Brinco que sou o único jornalista que cobre TV sem ver TV (risos).


BlogCeS: Mas afinal, quais são suas séries preferidas?

Gustavo: Lost (claro!), Mad Men, The Office, 30 Rock, Dexter, Two and a Half Men, Breaking Bad, Californication, Flashfoward , Entourage, The Big Bang Theory, Chuck, Fringe, Nurse Jackie, Hung... bom, não consigo lembrar de tudo (risos).


BlogCeS: E no jornal fazer download é tranquilo? Não tem nenhum tipo de patrulha não?

Gustavo: Aqui no jornal a gente não pode fazer downloads. Eles colocam um filtro que impede o acesso ao rapidshare e megaupload, por exemplo, mas a gente dá um jeito. Mas eu pergunto: como trabalhar com cultura pop hoje e não baixar? Um crítico musical vai esperar um mês p ara um CD chegar aqui, enquanto na Inglaterra todo mundo fala dele desde AGORA? Não, ele tem de baixar, senão ele não vai estar atualizado.

O mesmo aplica-se às séries. A jornalista que cobre aqui para o caderno TV&Lazer, não tinha o costume de baixar. Ela via pela televisão e se perdia algo, pedia para as assessorias mandarem o dvd do episódio. Aos poucos fui trazendo a inclusão digital para o povo aqui (risos). Agora, quase todo mundo já baixa e estou viciando as meninas em Glee. Ensinei o que é RMVB, como pôr a legenda SRT. Jornalista tem de saber o que está acontcendo, até para poder transformar isso em pauta. Isso é uma cultura que está mudando toda a indústria do entretenimento seja filmes, televisão, música ou até livros.

Cada pessoa aqui da equipe agora tem twitter e tem de saber lidar com essas novas ferramentas. Acho que jornalista hoje tem de ser um hub, sabe? Se vou para Los Angeles entrevistar o elenco de True Blood, por exemplo -- algo que eu mesmo fiz recentemente --, tenho de publicar no twitter, soltar informações no blog, subir fotos para o flickr, gravar vídeos para o youtube e depois escrever a matéria para o jornal.


BlogCeS: Mas essa parece ser sua visão particular, porque não vejo esse movimento todo entre os jornalistas. Parece até que eles ainda tem medo.

Gustavo: Claro que não é todo mundo que pode fazer isso. Acho que o jornalista que sair assim da faculdade (ou não, já que hoje não precisa de diploma), sai com um diferencial enorme. Os blogueiros de séries não são assim hoje? Por que jornalista não pode ser também?

Eu sei que não, mas toda equipe precisa ter alguém assim hoje. A relação do jornal/leitor, do telespectador/tv, é outra. A mídia tem de estar atenta a este novo consumidor. Tenho certeza que vou atrair alguns leitores fazendo a cobertura do VMB pelo twitter, por exemplo. A pessoa vai ler alguns comentários pessoais ali, que não estariam no jornal, e vão se sentir atraídos. As pessoas gostam deste tipo de relação mais próxima e é por isso que todo produto televisivo hoje tem ARG, podcast, blog. Ou até mesmo pede para que o público participe de sua criação, como esta nova série Norma, da Globo.


BlogCeS: Você acha que o jornalismo mais conservador teme vocês? Jovens dessa geração super incluída em tudo?

Gustavo: Não sei se teme, mas eu realmente acho que tem espaço para todo mundo. Continua sendo muito necessário no jornalismo aquele repórter especial, que fica numa pauta durante um mês e solta aqueles calhamaços de 10 páginas, mas também é necessário ter um jornalista que saiba ser multimídia e trabalhar com essas plataformas, sabe? Todo jornal, revista, emissora está com projetos neste sentido. Outro dia me peguei assistindo ao programa do Otávio Mesquita, só porque eu o sigo no twitter e vejo que a relação que ele constrói com seus seguidores é ótima.
BlogCeS: Então, fale de seu blog também!

Gustavo: Sim, tenho desde 2003 -- daquiprala.blogspot.com. No começo era um espaço para eu escrever crônicas, tinha aquele ideal do blogueiro moleque, que joga com dois pontas avançados, de ser a minha visão do mundo. Hoje é mais um espaço para publicar o que estou lendo, o que estou linkando, o que estou ouvindo e escrevendo por aí. É mais uma forma de conectar tudo o que eu faço hoje na rede. Meus amigos do facebook sabem toda minha vida 2.0, ele tem tudo integrado por lá.


BlogCeS: Gostei dessa parte que você fala sobre o contato próximo que o twitter constrói. Dá para fazer uma relação com a Geração Lost, quer dizer, todo mundo hoje quer falar, não apenas ler teorias, quer fazer parte e ser ouvido e essas novas mídias favorecem essa participação. É o que você falou no Dharma Day, o povo vê Lost e já quer comentar com alguém, corre para a internet. A televisão começa a caminhar nessa direção, principalmente a americana, mas no Brasil dá passos de bebê ainda, não?

Gustavo: Sim, o caso da Geração Lost não se restringe à tv, sabe? Pega o caso da Xuxa: para mim é uma ótima metáfora de tudo isso. Durante toda a nossa vida, aquela mulher esteve na tv nos ensinando. Hoje são os baixinh os que ensinam ela -- a escrever, no caso (risos). Geração Lost é um termo que criei para poder falar dessa nova relaçao. O Alexandre Matias, que é editor do Link, falou que queria fazer uma matéria sobre essa tal convergência de mídias na televisão, do impacto da internet dentro dela. Daí, como jornalista tem sempre de achar um gancho para esquentar uma matéria, lembrei que fazia 5 anos que Friends tinha acabado. Eu era um grande fã da série. Junto de Seinfeld, foi o grande motivo que me fez realmente curtir seriados. Lembrei como foi esperar por aquele último capítulo. Via Friends toda semana e morria de ódio da Sony, e depois da Warner, quando rolava alguma reprise.


BlogCeS: Como era sua relação com a televisão naquela época?

Gustavo: Era todo condicionado à televisão, quase um escravo dela. Foram 10 anos assim, daí quando acabou lá nos EUA, tive de me blindar por meses para saber qual era o final. Hoje isso seria impossível!

Sei que Lost não é pioneiro. Sempre teve aquele fã de Arquivo X que tinha algum contato nos EUA e recebia o VHS de um episódio antes de passar aqui. A internet só massificou e potencializou esse troca-troca, da mesma forma com a música. Pra mim, passar para um amigo um link de um cd no rapidshare é o mesmo que gravar uma fita cassete, sabe?

Fiquei um bom tempo depois disso sem ver séries. Via uma ali, outra acolá, mas não tinha uma que me prendia, sabe? Comecei a ver Lost observando os fãs. Quando soube que a história continuava na internet, que o pessoal via um episódio e depois ia comentá-lo no orkut ou em blogs, que pessoas legendavam um negócio de madrugada -- e de graça -- só para que outros espectadores pudessem assistí-lo, eu falei "uou".


BlogCeS: Foi aí que você percebeu que a relação com o público mudou?

Gustavo: Pois é, as séries hoje têm isso, criam essa relação. São os cliffhangers que fazem você roer as unhas. Quando faz aquele "poun" com o símbolo de Lost no final de um episódio, já é automático você abrir seu notebook, entrar num Teorias Lost da vida e ler os comentários do blogueiro ou ler os comentários das pessoas no orkut. Melhor é que você não lê apenas. Você se sente estimulado a mostrar sua visão também, esse é o barato. Na internet, o lance de compartilhar é muito forte. É o que faço no blog, twitter, flickr. Você sente que precisa dividir sua informação com o mundo.

Pelo menos para mim, Lost foi o que deu start em tudo isso. Não vejo How I Met Your Mother e corro para a internet, por exemplo. Mas baixo um dia depois de passar nos EUA e vejo uns dois dias depois. Daí vou num blog de séries para ler um review. O processo é o mesmo, Lost só é mais frenético. Hoje faço isso com TUDO o que assisto. Vídeo no youtube, matéria de site... isso para mim é a tal geração lost e todo canal de televisão que se preze quer ter um público assim.

Estive na Comic-Con, né. Lá para mim foi o grande momento dessa visão. Vi que o cinema, a indústria de games, todos querem ter esse tipo de público fiel, que assiste uma série pela internet, na televisão, no DVD, que compra merchandising e etc.
BlogCeS: Queria saber qual sua opinião sobre product placement, como terá agora em Chuck, com o Subway.

Gustavo: Comecei a ver Chuck depois de toda ação que rolou na internet para que tivesse uma terceira temporada. O lance deles conseguirem um patrocinador foi incrível. Vejo que a tv aberta americana percebeu que as grandes séries hoje, aquelas que ganham prêmios e atingem um nicho, estão na tv a cabo, como é o caso do Showtime, HBO e AMC.

Por isso que a NBC só põe talk show à noite. Estive nos EUA recentemente e de segunda a sexta-feira são três na sequência! Por quê? Porque dá mais audiência! Além de ser mais barato produzir. A Tina Fey fez até piada disso no último Emmy. Não vejo nenhum problema em ver o Chuck dando uma mordida num sanduíche da Subway e, do nada, aparecer um zoom lá, entendeu? Isso não me agride.

The Office trabalha brilhantemente com product placement. Eles fazem da publicidade um assunto, conseguem inserir o produto dentro do roteiro. É o caso daquele resort Sandals, por exemplo. Já 30 Rock usa o produto para a piada. Lembro de uma vez que a Liz lemon (Tina Fey) até vira para a câmera e diz: "ok, cadê a nossa grana agora?".


BlogCeS: Quando você acha que as emissoras vão parar de tomar somente os números de audiência como "termômetro" para cancelar séries?

Gustavo: Gosto muito dessa campanha que alguns fãs americanos estão fazendo, de estimular a audiência da tv online, de fazer com que o espectador assista Chuck pela internet, sabe? A internet é a melhor maneira de você saber realmente o que é um buzz ou não. Audiência de TV é uma piada: são algumas casas selecionadas que, em prática, falam por um país. The Office dá mais dinheiro no iTunes e a NBC percebeu isso.


BlogCeS: Mas até quando os fãs terão de fazer toda essa mobilização pela internet, ou seja, sem chamar atenção as séries acabarem canceladas apenas pelos números de audiência.

Gustavo: Hum, difícil essa hein? A minha televisão imaginária seria global, como as pessoas fazem no live streaming ou nos justin.tv da vida, onde a distribuição cultural não tem toda essa burocracia. Sempre falo: se um fã de Lost faz uma legenda de um episódio quatro horas depois de ir ao ar nos EUA e com uma qualidade até melhor daquela que sai na TV a cabo, por que isso não pode virar "oficial"?

Começar com o episódio de uma série passando nos EUA e dois dias depois no Brasil. Eu esperaria, na boa. Os fãs vão continuar a se mobilizar enquanto a distribuição por aqui continuar d esta forma. Uma ideia ótima seria assim: a ABC passa Lost, por exemplo, e no dia seguinte, o site da AXN exibiria esse conteúdo. Nem precisaria ter legenda, mas você assistiria de forma oficial. Se quisesse ver com legenda na televisão, esperaria um dia ou dois. É claro que aí estamos entrando no mercado de tv a cabo, que está sendo destruído pela internet.

Resumindo: isso vai continuar acontecendo enquanto os produtores e os responsáveis pelo marketing, não perceberem que um produto de tv não pode se restringir a um só meio, mas deve explorar vários, criando um universo em torno de si. Uma série hoje pode ser sustentada apenas por publicidade e pela audiência da internet. O que falta aí é o mercado televisivo e publicitário se tocar disso. No Reino Unido, a internet já fatura mais dinheiro com a publicidade do que a tv.


BlogCeS: Muito obrigada mesmo! Tem muita informação legal e que nem a metade dos nossos leitores sabe, aliás, nem nós. Obrigada mesmo!!!

Gustavo: Fico feliz de ter ajudado vocês, então. Ficam aí meus contatos:
daquiprala.blogspot.com
twitter.com/gustavomiller

3 comentários:

Anônimo disse...

Este Gustavo Muller é interessante, porém não concordo de ele ficar estimulando os outros a fazerem download de séries de tv. Afinal, o DVD serve para isso! Isso pega mal para sua imagem.

Celia Kfouri disse...

Vou recomendar a leitura dessa entrevista a todos que me amolam dizendo que sou exagerada com essa mania de adolescente de ver séries de TV. Papo rançoso mas muita gente me enche com isso. O Gustavo parece que deixa essa minha preferência mais abalizada. :))
Muito legal.
E parabéns para Dani e Fuzii. Clap, clap, clap!

e.fuzii disse...

Caro Anônimo,
não sejamos hipócritas. Todo mundo faz e ninguém precisa esconder. O importante mesmo é pensar nos meios disso deixar de ser 'ilegal'.

Acho bacana ter alguém interessado em discutir essa ideia num veículo de comunicação. E tenho acompanhado o Estadnao fazendo várias reportagens nesse sentido. Quem sabe realmente resolvemos de alguma forma, nem que seja através de downloads numa itunes store nacional.

Mas mudando de assunto, às vezes o que tenho visto de reclamação em relação a product placement é como acontece em FNL, por exemplo, em que todo mundo janta no Applebee's. Como se não existisse outra opção, ou seja, um "monopólio"...