"Un, deux, trois, quatre!"
É na contagem de Megan que iniciamos esta nova temporada de Mad Men, após longos meses longe do ar, como sempre repleta de promissoras mudanças. Depois de quase um ano e meio, se ainda não me satisfaz por completo a ideia deste novo casamento de Don Draper, ao menos aceito como uma possibilidade interessante, que ficou bastante evidente neste primeiro episódio duplo. Antes de cada temporada ficamos sempre tentando adivinhar quanto tempo teria se passado na vida desses personagens e não esperava que desta vez fosse um longo período. Afinal, seria difícil ignorar esse frescor do casal recém-casado e sua nova adaptação com o ambiente de trabalho. Então voltamos agora ao final de maio de 1966, quando a SCDP continua atravessando uma fase turbulenta e, para piorar, com Joan longe da agência cuidando de seu bebê de poucos meses. Além disso, a agência acaba forçada a contratar uma funcionária negra após um anúncio mal entendido no jornal, mergulhando a série de vez no movimento pelos Direitos Civis dos negros.
Era um tema que os produtores sempre evitaram abordar diretamente, embora alguns personagens coadjuvantes tivessem fomentado uma ou outra discussão a respeito. Mas nenhum deles havia sido centro das atenções até hoje, e como as duas partes do episódio parecem amarradas para esse propósito, confesso que encontro motivos para me preocupar. A primeira amostra disso me pareceu desastrosa: quase um sketch com um bando de figurantes reconstituindo um incidente real ocorrido no prédio da Y&R. Não bastasse a confusão que gerou logo de início (a SCDP mudou? quem são esses novos rapazes?), ainda me pareceu desnecessário, já que Roger poderia simplesmente reportar o ocorrido na manhã seguinte antes de lançar a ideia do anúncio falso no jornal. Entretanto, esse fato leva a desdobramentos bem interessantes já que ele e Don não esperavam que isso fosse levado a sério -- talvez subestimando a própria capacidade de leitura dos negros -- e que a SCDP tivesse de lidar com uma recepção cheia de negros buscando por uma oportunidade. Já é um assunto bastante polêmica para se tratar de forma isenta, por isso meu receio é que adotem um tom de julgamento, como na retrospectiva da primeira cena. Por conta também deste anúncio, Joan teve de encarar a realidade mais cedo do que esperava e visitou a SCDP desconfiada de que estaria perdendo sua posição, gerando a cena mais brilhante do episódio, Mad Men em sua melhor forma, quando um simples bebê vira batata quente na mão dos funcionários e acaba chamando atenção para algumas das várias relações ocultas através daquelas divisórias. Pete e Peggy brigando para saber quem cuidaria do bebê, Don cadencioso ao falar de um novo filho e com todo seu charme recebendo Joan sob o olhar fulminante de Megan, Roger aparecendo de surpresa e chamando Joan de "my baby". Acho improvável sacrificarem Greg no Vietnã porque sobrariam alguma pontas soltas, mas espero que consigam driblar o melodrama caso o caminho a seguir seja de duvidar da paternidade da criança.
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Porém, ninguém mostrou maiores ambições neste episódio do que Megan Draper. Certamente não haveria maneira melhor de apresentá-la do que numa festa surpresa para Don em seu novo apartamento, com direito a uma performance toda especial como presente de aniversário. A forma desinibida como a garota dançava e cantava deixou o elenco inteiro atônito, assim como os próprios espectadores, numa das maiores extravagâncias que a série já se permitiu. Mas pra dizer a verdade, Megan nem precisava ter se esforçado tanto para sacudir as estruturas da série, porque todos já se mostravam incomodados o suficiente com sua nova posição. Até Sally, que agora alterna entre o "castelo" de sua mãe e o quarto em reforma no apartamento de seu pai, precisa se acostumar com a ideia de ter uma mulher nua na cama de seu pai, enquanto ele prepara o café da manhã para os filhos. Aliás, Megan já se mostra bem diferente daquela moça recatada e prestativa do final da temporada. Sua determinação e o fato de ganhar seu próprio dinheiro dão uma liberdade sem precedentes diante de Don. Ela não se envergonha pela forma que obteve sua promoção, quer ainda assim participar do processo criativo e exige que seja tratada com respeito pelos colegas. Peggy obviamente não parece confortável com a rápida ascensão de Megan e faz pouco casos de suas ideias, enquanto Harry, como sempre, acaba tendo de morder a língua na frente da mulher de seu chefe. Tanto desgosto que ela termina com sua confiança abalada e volta para casa cogitando desistir. Mas basta o marido chegar para então, Megan resolver facilmente esse conflito através de um jogo peculiar, aliando provocação e sedução. Don Draper é um homem deslumbrado, fazendo pouco caso do trabalho, satisfazendo os desejos da mulher. Megan é capaz de controlá-lo com o simples desabotoar da blusa, dentro ou fora do ambiente de trabalho. Quem é o chefe, afinal?
Don aparentemente jogou limpo com ela, revelando sobre sua dupla identidade logo de cara, talvez consciente que quando resolveu finalmente contar todo seu segredo a Betty já era tarde demais. Mas este fato nem soa surpreendente perto do modo como ela encara essa revelação, fazendo até piada. Don Draper está manso e Peggy tem toda razão de estar preocupada quando ele baixa a cabeça diante das exigências dos representantes da Heinz. Se a sensação que esse primeiro episódio nos deixa é de que teremos uma temporada leve e bem humorada, completamente oposta à sombria quarta temporada, essa me parece ser apenas passageira, ao menos até que as falsas ilusões de esperança (o anúncio no jornal, bebês, novo casamento) sejam dissipadas. Ou ao menos até que "Zou Bisou Bisou" saia de dentro de nossas cabeças.
Fotos: Reprodução.
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