domingo, 27 de abril de 2014

[Mad Men] 7x02 A Day's Work

"Just tell the truth."

Na cena final da temporada passada, quando Don decide aproveitar o ímpeto de sinceridade que havia lhe tomado conta e enfim mostrar a seus filhos o local onde de fato passou a infância, era de se esperar que a relação entre eles, e principalmente com Sally, iria melhorar. Mas não é exatamente o que vemos ao longo deste episódio, após Sally perder sua carteira na cidade e precisar da ajuda de seu pai. Claro que, até pelo curto intervalo de tempo entre as temporadas, uma demonstração de afeto como aquela no final, que parece servir como ponto de virada nesta relação, precisaria vir acompanhada de um desenvolvimento também marcante, como no jantar improvisado em um posto de gasolina à beira da estrada. O mundo de Don continua ainda imerso em tantas mentiras que é difícil até para ele imaginar que bastaria ser sincero para justificar o atraso de sua filha no colégio. Sally mantém seu jogo duro também, ainda chocada por ter flagrado Don e Sylvia há alguns meses, e agora por se deparar com outro homem substituindo seu pai na agência. Não parece simples que Sally volte a confiar no pai, a não ser que ele mesmo tome essa atitude de desfazer os mal entendidos. Quando Don conta que estava sendo punido justamente por dizer a verdade na hora errada, até mostrando certa fragilidade por não saber ao certo o que fazer para consertar a situação, ela começa então a simpatizar novamente. Sally até se motiva a pedir algo para comer, provavelmente ainda agindo sob influência de Betty, tentando controlar seu peso. Quando Don vai então deixá-la na porta do colégio e ela se despede dizendo que lhe ama, ele é tomado pela certeza de ter passado um Valentine's Day mais feliz do que poderia imaginar. Afinal, observando sua rotina atual, nada impediria que ele passasse esse dia com Megan.

É de tamanha ironia acompanhar logo de início esse dia-a-dia de Don, antecedendo o dia dos namorados, em um episódio justamente com esse título. Apesar de programar o relógio para despertar logo cedo, ele só levanta de fato depois do meio-dia e passa o restante da tarde comendo biscoitos direto da caixa enquanto assiste televisão, provavelmente sob o pretexto de pesquisa de mercado. À noite tem de enfim se arrumar para parecer menos patético e receber Dawn, que traz as atualizações da agência, suas correspondências e recados. Sua decisão de permanecer em Nova York portanto, e arranjar um encontro de negócios no mesmo dia, significa muito sobre qual tipo de amor Don busca reconquistar no momento: seu prestígio profissional. Fica muito claro durante esse almoço que ele não deixou de ser valorizado pelo mercado, mas é interessante notar que a história naquela reunião com a Hershey's já começa a se espalhar e que se ele não tomar logo uma atitude em relação às limitações de seu contrato, pode ser tarde demais. Desde o final da temporada passada já imaginava que um dos caminhos mais "trágicos" que a série poderia tomar (que não seria a morte do protagonista com certeza) seria Don virando as costas para seu trabalho no final. Pelo tema desse episódio, principalmente na relação entre pai e filho, seu maior vício de fato são essas mentiras, que a publicidade se apropria de uma maneira tão sutil e elegante. Talvez sua verdadeira salvação esteja em manter controle de sua vida numa forma mais abstrata do que marcando suas garrafas de whisky.

Já na SC&P, acompanhamos desta vez literalmente uma dança das cadeiras entre as secretárias, até chegar numa configuração que atendesse a exigência da maioria. Muito se falou durante toda a semana sobre o racismo no local de trabalho, mas pouco vejo representado nos conflitos entre Lou e Dawn ou Peggy e Shirley. Aquele encontro pela manhã na área de café, ambas trocando seus nomes numa alusão à forma como são confundidas pelos outros, me parece dizer bem mais sobre as dificuldades que enfrentam. Mas para não deixar qualquer dúvida quanto ao preconceito, Cooper é bastante taxativo (ainda que discreto) ao mandar Joan retirar a secretária "de cor" da recepção da agência. Apesar de Lou ser apresentado como antagonista logo nestes dois primeiros episódios, principalmente por sua rispidez com todos que cruzam seu caminho, acho que ele tem certa razão quando não se sente obrigado a lidar com os problemas de Don, ou exige uma secretária que não faça um papel de agente dupla. Já Peggy mostra tantas dificuldades para se relacionar com os outros colegas de trabalho, que não seria inesperado que ela agisse dessa forma arrogante com sua secretária. É mais um episódio terrível para Peggy, e cada vez me parece mais preocupante seu despreparo ao assumir um cargo de responsabilidade. Em Los Angeles, Pete também sofre pela falta de perspectivas para sua carreira, e pela falta de qualquer autonomia na filial da costa oeste. Sua maneira de abstrair dos problemas é procurar por Bonnie a qualquer hora do dia, mas ela não parece ser tão dependente e frágil quanto suas antigas amantes. Bonnie sabe a importância de manter sua independência e conquistar seu próprio caminho, como tantas outras mulheres retratadas neste episódio. Para concluir, é extremamente satisfatório que Joan finalmente seja recompensada com o cargo de gerente de contas, enquanto Dawn assume suas obrigações em relação aos outros funcionários. Mesmo que isso seja motivado por mais uma manobra de Cutler na agência, que se mostra um adversário cada vez mais duro para Roger.

Foto: Divulgação/AMC.


e.fuzii
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sábado, 19 de abril de 2014

[Mad Men] 7x01 Time Zones

"He was thirsty. He died of thirst."

E então, todos preparados para o começo do fim de uma era? Certo, pode ser apenas o final da década de 60, mas coincide com a última temporada de nossa adorada série Mad Men. Para tirar proveito de seu prestígio por mais um ano, a AMC tomou a decisão de também dividí-la em duas partes, assim como já havia feito com Breaking Bad. É uma decisão um tanto quanto questionável, mas compreensível, já que o canal ainda enfrenta dificuldades para encontrar uma substituta com tamanho apelo na indústria de entretenimento. Mas não devemos sofrer por antecipação, e sim aproveitarmos agora essa primeira metade de 7 episódios, para então nos despedirmos de vez em 2015.

A sétima temporada começa depois do intervalo mais curto desde o início da série, passados apenas dois meses desde o último episódio, mas mostrando a diferença profunda que as distâncias continentais americanas causaram em grande parte desses personagens. Don Draper leva mais de 5 minutos para aparecer na tela, dentro de um apertado banheiro de avião, se barbeando para encontrar com Megan assim que aterrissasse em Los Angeles. Mas o que vemos depois de desembarcar é um homem com o olhar vazio enquanto desliza pelas esteiras rolantes do LAX, ultrapassado por muitos dos outros passageiros, lembrando não apenas Benjamin Braddock no início de 'A Primeira Noite de um Homem', mas também Jackie Brown, a aeromoça protagonista do filme de Tarantino. Sua estadia na cidade não deixa de enfatizar essa sensação de estranhamento, desde seu primeiro encontro com Megan, em um esvoaçante vestido azul e fazendo questão de assumir o banco do motorista em seu carro conversível. Não apenas ela, mas Pete também parece surpreendentemente adaptado aos ares da Califórnia, recepcionando seu colega com um caloroso abraço. Quem diria que Pete seria um dos únicos a se mostrar realmente feliz neste episódio. O restante dos dias mostram o quanto o casal continua fora de qualquer sintonia, Don se esforçando novamente para agradá-la com presentes caros, e Megan simplesmente rejeitando por estes não se enquadrarem mais no seu novo estilo de vida. Depois do jantar com o agente de Megan, poucas vezes o casal compartilha uma conversa verdadeira, além de evitar qualquer tipo de discussão. Quando finalmente celebram um momento de maior intimidade, Don provoca em sua mulher o nervosismo de uma primeira vez. No retorno a Nova York, Don senta-se ao lado de uma mulher dotada da maturidade e da independência -- com um leve toque de vulnerabilidade -- capazes de atraí-lo como tantas outras de suas amantes anteriores. Com ela a conversa começa a fluir de uma maneira tão surreal, dando sinais claros que parecem servir para fazê-lo refletir sobre sua vida, que desconfiei que tudo pudesse estar ocorrendo dentro da sua própria cabeça. E provavelmente motivado por essas lembranças, ele termina rejeitando sua companheira de vôo. Ainda assim, Don parece tentar finalmente se manter sob controle, sem beber em excesso (afinal é Megan quem volta bêbada após o jantar de comemoração) e sequer acendendo um cigarro ao longo de todo o episódio.

Apesar dessa ausência física nos primeiros minutos, Don tem presença de espírito desde o início através de Freddie Rumsen, que apresenta uma propaganda de relógios diretamente para a câmera como se tentasse não apenas convencer Peggy, mas também o espectador, da veracidade daquele texto. Pela eloquência, pelas pausas e frases curtas, já era possível reconhecer que tratava-se do estilo de Don Draper, tornando-se até desnecessário revelar ao final do episódio que Don conseguia se manter ativo através desses trabalhos freelance de Freddie. Mas a cena também me pareceu importante para estabelecer que ele continuava recebendo seu salário normalmente, embora ninguém tivesse lhe procurado desde então. Essa brilhante ideia para a propaganda obviamente contagia Peggy, que faz de tudo para que seja aprovada por seu novo chefe, Lou Avery. Certamente aquela cena ao final da temporada passada, com Peggy sentada na cadeira de Don, não parece ter apenas nos enganado, mas a ela também, imaginando que agora teria mais liberdade e autonomia na agência. Mas muito pelo contrário, já que Lou se mostra bastante conservador, seguindo à risca a cartilha de sempre agradar o cliente em primeiro lugar. Peggy está desnorteada, sem Don, sem Abe, sem conseguir encarar Ted de volta tão cedo na agência, e termina abandonada em seu apartamento, de joelhos aos prantos. Não sei dizer por que esperava que Don tentaria fazer contato com Peggy até o final do episódio, mas isso não ocorre e ele também termina atormentado, sentando-se sozinho na sacada de seu apartamento, castigado pela congelante noite da costa oeste americana.

Não fica muito claro ainda neste primeiro episódio a situação atual da SC&P, mas pelo inesperado desespero de Ken com a demanda dos clientes -- alguém que até pouco tempo atrás era imune a essas pressões profissionais -- dá para projetar que não é das mais favoráveis. Joan continua sofrendo por não ter seu título de sócia reconhecido pelos colegas, e dessa vez tem de atender a um cliente novato porque Ken se julga experiente demais para lidar com ele. Joan consegue dobrá-lo no final contando com as dicas de um professor universitário, e mostra-se cada vez mais preparada para se tornar uma competente gerente de contas, sabendo agir e procurar pela ajuda das pessoas certas. Já Roger aparece como sempre mais fora do que dentro da agência. No almoço com sua filha, ele parece chegar preparado para mais uma vez salvar o dia assinando um de seus cheques, mas se vê desarmado quando ela revela ter se encontrado na verdade para lhe conceder seu perdão. Com certeza isso trará dúvidas a Roger sobre suas novas experiências, que devem continuar sendo abordadas mais adiante, como as orgias em sua casa e os votos de amor livre a sua companheira de cama. O que me parece realmente curioso é quanto esses personagens se mostram cada vez mais isolados em suas próprias tramas, o que nem sempre me parece ser a melhor opção tanto para ainda desenvolvê-los, como para o andamento da série. Mas enfim, estamos apenas no início, vamos esperar para ver o que nos reservam para essa temporada final.

Foto: Reprodução/AMC.


e.fuzii
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