quarta-feira, 31 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x07 - Problem Dog


“How close were you to him?” – Walt

“Close… closer than you and me right now.” - Jesse


- Nós temos Walter White. Que, como já vimos antes, vem tendo as atitudes mais imaturas e irresponsáveis, ao sentir a pressão em não saber o que Gus lhe reserva, em ter Skyler no seu pé controlando seus comportamentos, em ver Jesse se aproximar cada vez mais de seus inimigos. Nada mais típico, então, que vê-lo extravasando com o carro (talvez se tivesse feito isso antes no kart com Jesse as coisas estivessem um pouco diferentes), torrando dinheiro de forma que nem esposa e o filho saibam. Cena engraçada: imaginamos que o carro explodirá enquanto Walt dá as costas para ele (afinal, "cool guys don't look at explosions"); mas Heisenberg está longe de ser perigoso como os primos de Tuco, que tiveram cena semelhante na temporada passada, e o que vemos é um homem em atitude infantil, sentado, olhando seu brinquedo indesejável ser destruído. Puro capricho. Walt também insiste com seu plano em eliminar Gus e mais uma vez temos a ricina como meio. Fico curioso pra saber se alguém na série um dia morrerá envenenado desta forma, algo que Walt nunca conseguiu concretizar.


- Nós temos Jesse Pinkman. Que já teve que lidar com a morte de Jane, com a morte do irmão de Andrea e não consegue superar a morte de Gale por suas próprias mãos. Claro, as coisas estão melhores desde que Mike e Gus o fizeram se sentir útil. Antes disso o personagem estava à beira do QUIT, mas agora é possível clicar em RESTART. Mas isso não o impede de ainda se questionar e se julgar pelo que fez, principalmente depois que mais uma vez Walt lhe pede para matar. Sua lealdade está abalada (não a ponto de se virar contra Walt, isso ainda demoraria bastante; talvez apenas se soubesse sobre Jane) e se vê completamente perdido. A ordem do dia é "olhos abertos e boca fechada" e o que Jesse veste é uma camiseta em que o rosto não tem nem olhos nem boca. Questão de tempo, então, que voltasse ao grupo de ajuda, numa dessas sequências de monólogo em que Aaron Paul sempre impressiona, aqui presenteado por um roteiro de diálogo forte transformando a história de Gale na história de um cachorro que fora abatido. A perplexidade e a dor de Jesse são perfeitamente sentidas à medida em que as pessoas do grupo começam a questionar qual era o problema do cachorro, e não há resposta pra isso. A cena é intensa, comove pela atuação (Paul pode perfeitamente enviar este episódio para o Emmy) e impressiona na composição realista de como um grupo desses se comporta, dos questionamentos e comentários dos usuários, passando pela forma como age o coordenador.


- Nós temos Hank Schrader. Que começou a série quase como um bobo da corte e foi ganhando importância e nossa simpatia. Porque apesar de bobalhão, Hank sempre se mostrou capaz e perspicaz, a um passo de descobrir a verdade sobre Walt. E quando se pergunta o que um vegetariano como Gale faria num lugar como Los Pollos Hermanos no final de "Shotgun", lamentamos que ele não apareça no episódio seguinte. Só para nos surpreender aqui: aparentemente uma missão de reconhecimento com Walter Junior, até soa falso ele suspeitar tão rapidamente de Gus (e observem como Hank bebe seu refrigerante tendo o cuidado de segurar o copo apenas pela tampa), para no final o personagem nos jogar na cara que apesar de ausente no episódio passado, sua investigação não parou. É só mais um fator incrível deste excepcional time de roteiristas: estar ausente da trama não significa que um personagem está estagnado, esperando cumprir um papel quando for conveniente. É curioso também notar o paralelo com o episódio 7 da temporada anterior, o já clássico "One Minute", que também trouxe Jesse e Hank como protagonistas, o primeiro em outro grande monólogo, o segundo passando por seu pior momento e aqui dando a volta por cima, inclusive mais capaz de se locomover.


- Nós temos Gustavo Fring. Que nos foi apresentado como um modesto gerente de filial do Los Pollos Hermanos e que aos poucos se mostrou um poderoso, inteligente e implacável chefão do crime. Sempre admiramos - e comentei isto no texto anterior - a discrição de Gus, atendendo clientes do Los Pollos, um escritório simples, o lixo que ele mesmo retira. Doce ironia: não fosse tamanho disfarce, talvez Hank não conseguiria tão facilmente suas digitais. E a investigação se fecha sobre ele exatamente quando o Cartel recusa uma negociação (esnobando os 50 milhões de dólares oferecidos) e ainda com Walt e um vacilante Jesse em seu encalço. O Cartel quer apenas um "sim" ou "não" como resposta para algo que causa desconforto em Gus. Enquanto via o episódio, eu não tinha dúvidas que se tratava de Heisenberg morto, o que daria peso ainda maior à decisão de Jesse - se ele tivesse seguido a orientação de Walt (e Gus bebe o café), não haveria mais quem os protegessem do Cartel. Mas a verdade é que não fica claro e com uma série tão surpreendente como Breaking Bad, pode ser algo completamente diferente.


- Nós temos Skyler White. Que passa a temporada entrando aos poucos no mundo de Walt, e agora com o lava-a-jato já comprado, é hora de colocar a mão no dinheiro. Há quem critique o tempo que a série tem levado para desenvolver toda esta trama, mas é o cuidado necessário para que a transição da personagem seja o mais realista possível. E nada contra estas pequenas cenas, tão bem construídas - do beijo desajeitado em Walt na frente de Marie à sua preocupação coerente com o tanto que seu marido fatura, não duvido que ainda veremos minuciosamente todo o processo de lavagem de dinheiro.


- Nós temos Walter Junior. Que esperávamos alguma cena dramática envolvendo a devolução do carro, mas o que temos é apenas a sua aceitação a contragosto, conversando com Hank. E é uma conversa importante, pois graças a intervenção de Skyler, a história do carro comprado mas que teve que ser devolvido pois foi um capricho de pai que teve compaixão pelo filho, acaba sendo perfeitamente plausível para Hank, que se não afasta suspeitas de Walt, também não as acumula. Outro ponto interessante envolvendo Walter Jr. é o convite que Gus faz para que ele trabalhe no Los Pollos. Talvez rendesse algo, com um conflito entre pai e filho, mas com Hank na cola de Gus, somente uma incrível rebeldia de Jr. para que isso acontecesse. Mais um golpe esperto do "chicken man".


- Nós temos Mike. Que continua se aproximando de Jesse, confiando-o uma arma durante momento tão importante como o encontro com o Cartel e se disponibilizando para ensiná-lo a atirar. Ainda assim, é sempre com cuidado, sabendo o quanto Jesse é ligado a Walt, mas não resta dúvidas de que sua simpatia só aumenta e que isso terá um peso maior no futuro.


- Nós temos Saul Goodman. Que tem aparecido pouco, mas sempre de forma essencial e engraçada ("epic fail!"), servindo como conselheiro e suporte para Walt, tanto na resolução de seus caprichos quanto para desabafo. É através dele que Walt fica sabendo do encontro que seu parceiro teve com Gus e apenas porque Saul ainda sente medo de Mike e está sempre questionando Jesse. E é curioso termos uma visão do cofre dele, onde há mais gravações do que dinheiro. Qual trunfo Saul teria nas mangas?


- Nós temos Marie Schrader. Que depois de um maior destaque nos primeiros episódios da temporada, não tem aparecido com frequência. Mas aqui tivemos um breve momento com seu marido que mostra como anda a dinâmica entre os dois, não muito diferente, embora melhorando aos poucos: Hank sendo grosseiro pela milionésima vez e ela retribuindo com um beijo e desejo de boa sorte. O suficiente para deixá-lo desconcertado. Importante também notar sua cena com Skyler, quando por muito pouco Marie não comentou sobre o que mais tem deixado Hank animado (talvez se Walt não tivesse interrompido). Imagino que chegará o momento em que Skyler atrapalhará a investigação do cunhado.


Um episódio como este “Problem Dog” impressiona, dentre muitos outros motivos, por mostrar todos os personagens importantes da série (além do Cartel, também tivemos o retorno de Gomez e do chefe de Hank, que podem ou não ter envolvimento com Gus) e como as relações entre eles estão cada vez mais estreitas e problemáticas. Fascinante (e triste) pensar que da forma como as coisas estão se desenvolvendo, parece impossível que todos eles sobrevivam para a quinta temporada.


Porque não há dúvidas que a partir de agora tudo ficará muito, muito feio.



Hélio Flores
twitter.com/helioflores


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x06 - Cornered


“A boss has to be tough (…) Can you be tough, Walter?” - Bogdan


Já vem sendo bastante usada em textos sobre Breaking Bad a definição que o criador Vince Gilligan deu para o que seria a essência da série: a história de como Mr. Chips se tranforma em Scarface. Ao associar Walter White a dois personagens conhecidos da cultura americana tão díspares entre si - o dedicado, inofensivo professor e o criminoso que construiu um império do tráfico -, Gilligan já nos deixa de sobreaviso que, por mais imprevisível que seja o caminho, o destino de Walt está traçado (ainda que não necessariamente seja este o final da série). E o que vemos neste "Cornered" é a tentativa atrapalhada e imatura do protagonista em se mostrar Scarface quando todos em sua volta o veem como Mr. Chips.


A começar pelos conflitos que abrem e fecham o episódio, com Skyler. Como já era previsto, a conversa no jantar com Hank iria chamar sua atenção e imediatamente a mensagem eletrônica apaixonada do episódio anterior tem um novo (e real) sentido. Mas Skyler, ao contrário de nós, não faz ideia do que seu marido já foi capaz de fazer e naturalmente, não só pensa que ele está em perigo, como interpreta sua arrogância regada a vinho como um pedido de socorro. É um destes momentos que serão inesquecíveis quando lembrarmos da série no futuro: Skyler tendo finalmente uma visão de Heisenberg, com Cranston explodindo em duas frases que se tornarão clássicas, "I AM the danger; I am the one who KNOCKS!".


Deixar de perceber o marido como vítima, e vê-lo como assassino, faz Skyler repensar sua decisão sobre continuar os planos de manutenção da família, mas não por muito tempo. A sequência na fronteira com os 4 estados em que deixa a sorte decidir seu futuro é interessante por dois motivos: primeiro, porque no fim das contas Skyler quer mesmo correr o risco de permanecer ao lado do marido, deixando escapar a oportunidade de fugir desta vida, da mesma forma que Walt e Jesse já deixaram tantas vezes. Decisões erradas são tomadas constantemente pelos personagens. Segundo, porque até que ponto a moeda caindo no mesmo lugar sinaliza o futuro de Skyler? Embora os personagens sejam responsáveis pelas decisões que tomam, a série sempre teve este peso quase místico em que o destino (ou carma ou azar, ou como quisermos chamar) prega peças terríveis, a mais explícita delas o acidente aéreo, castigo direto do céu, que cai sobre Walt. Numa temporada em que mensagens estão sendo enviadas de forma violenta (Gus matando Victor; o Cartel na sequência que abre o episódio), estaria o destino enviando uma de forma sutil para Skyler? Não acredito que a personagem morra, já que é a contraparte necessária para manter alguns dos conflitos mais interessantes do protagonista - e alguém precisa proteger a família do homem que protege a família, outra frase já antológica e nos lembrando mais uma vez de como Skyler é odiada injustamente -, mas não há dúvidas de que ali foi a última chance de mudar as coisas, momento de virada para um futuro de consequências trágicas.


Mas não foi apenas Skyler quem teve o desprazer de ver Walt forçando um controle sobre sua vida que na verdade não tem completamente. Bogdan, Jesse, Walter Junior e Gus (via câmeras no laboratório) tiveram contato com o Mr. Chips querendo ser chefão, com resultados diversos. O mais cruel deles foi com Bogdan, que tentou dar lições para Walt e atribuiu a Skyler o lado "forte" do casal. Gilligan também já disse que aos poucos perderemos toda nossa simpatia por Walt e aqui há uma amostra disto, com o desprezível gesto de pegar a cédula tão importante e simbólica para Bogdan e comprar um refrigerante unicamente pelo prazer de apagar qualquer traço do romeno no lava-a-jato.


Tão terrível quanto é sua incapacidade em se relacionar com Jesse de uma forma que não seja egoísta e agressiva. Walt está tão desesperado e despreparado para lidar com o que acontece à sua volta (prever os próximos passos de Gus, lidar com o controle de Skyler, assumir uma postura de chefe e protetor) que pouco adianta sua inteligência em perceber as intenções de Gus e a armação do episódio anterior se não há o mínimo de sensibilidade no trato com seu parceiro - ao contrário de Gus que em uma única frase diz tudo o que Jesse quer ouvir e não deixa de ter algo de sincero. Walt chega a gritar "it's all about me!" sem se dar conta de quão horrível ele está sendo.


Gus também lhe dá outra lição ao mandar de volta para Honduras as mulheres que ele paga pra fazer a limpeza do laboratório - e quero acreditar que Tyrus não estava mentindo quando disse que elas pegariam um ônibus... -, em outra atitude arrogante, desafiadora e imatura. A cena é engraçada, especialmente porque Walt descansa seus pés e toma café, exatamente da forma como Bogdan alertou que não deve ser a postura de um chefe. E não custa lembrar que o próprio Gus continua em um modesto escritório numa filial do Los Pollos, onde ele mesmo retira o lixo...


Por fim, com Walter Junior, sua última demonstração de despreparo. Incomodado com a visão que o filho faz dele, de alguém doente não responsável pelos seus próprios atos, compra o carro dos sonhos em mais um luxo desnecessário (curiosamente vermelho, cor essencial na série, e a mesma do carro de Jesse que, por outro lado, é bem mais modesto). Walter Jr. finalmente começa a ganhar destaque nesta temporada e só aumentará, quando as coisas ficarem feias em casa, principalmente para o lado de Skyler, ao receber a notícia que o carro tem que ser devolvido.


Outras considerações:

- O episódio começa da mesma forma que "Bullet Points", com o ar gelado de alguém confinado num caminhão de sorvetes do Los Pollos. Fiquei curioso pra saber como Mike sairia daquela situação (porque óbvio que ele sairia), e imagino se não teremos mais aberturas como esta. Talvez Jesse seja o próximo a protagonizar uma cena dessas;


- Sempre gosto dos pequenos detalhes: da cicatriz da cirurgia de Walt (vista também no episódio anterior após o sexo com Skyler) à sua cabeça sendo raspada no banho (muitos se perguntam do porquê de quase todos os homens da série serem carecas e até explicações de que no caso de Walt seria o câncer), passando pela “lancheira” do Los Pollos para seus empregados, vista na abertura e no carro de Mike.


- O diretor do episódio foi Michael Slovis, o excelente diretor de fotografia da série, deixando sua função pelo segundo episódio consecutivo a cargo de Nelson Cragg. Há grandes momentos, como Skyler perdida no céu azul na fronteira, ou a enervante situação com os viciados ("Tucker!!"), mas de modo geral as cores e a luz não tem me causado o impacto que a série costuma causar. Também não gosto da câmera instalada na pá quando Jesse vai executar seu ótimo e inusitado plano: um "frufru" estiloso e deslocado pra chamar a atenção. Espero que Slovis retorne ao seu trabalho original logo.


- Duas coisas que comentei no post anterior desenvolvidas no episódio: a dependência de Jesse foi mencionada e aqui pudemos ver os tremores da abstinência; e sua relação com Mike só tende a crescer (reparem no sorriso deste ao ver Jesse conseguindo entrar na casa dos viciados), o que não é nada bom para Walt.


- Falando da relação entre Jesse e Walt, quando Skyler pergunta se quem atirou em Gale pode também matá-lo, Walt responde “Duvido muito”. Outra mensagem sutil para o futuro?




Hélio Flores
twitter.com/helioflores

terça-feira, 16 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x05 - Shotgun


Tim - "You see Pinkman as a shooter?"

Hank - "That would surprise me."

“I had a guy, but now I don’t. You are not the guy.” - Mike


Nada de execução, reabilitação, choque de realidade ou ameaça a seu irmão caçula. Mike leva Jesse simplesmente para um dia de trabalho fora do laboratório. Breaking Bad, como sempre, está a alguns passos à nossa frente e qualquer tentativa de imaginar o que vai acontecer (e como acontecerá) acaba sendo frustrada. E normalmente é uma solução mais interessante, coerente, que a nós, pobres mortais, só resta admirar.


No início, ainda a tensão do que aconteceria, elevada pela geografia do lugar (a fotografia, pra variar, é linda), deserto, cujo único som é de um moinho aparentemente abandonado. Nem mesmo Jesse foi capaz de se manter na indiferença e finalmente começou a temer por sua própria vida. Depois, quando revelado o que estão fazendo no meio do nada com uma pá, ficamos tão perdidos quanto Jesse, e mais adiante percebemos que o próprio Mike só está recebendo ordens sem saber exatamente o motivo de tudo.


Durante o episódio, é possível imaginar algumas razões para aquilo. Primeiro, é bom lembrar que sabemos o porquê de Jesse ter transformado sua casa em um inferno, mas não é algo que necessariamente os demais personagens saibam. Mas uma coisa Mike e Gus imaginam: Jesse está usando drogas. É uma questão curiosa, porque até agora vimos o personagem cheirando (cocaína, imagino) uma única vez, quando convence Badger e Pete a usarem, e nada mais é mostrado neste sentido. Mas seria óbvio que Gus pensasse na droga como um problema e imaginei que um dos motivos para colocar Jesse naquela viagem seria comprovar até que ponto estaria sua dependência (verdade que é apenas um dia de trabalho, mas no laboratório há os intervalos e com Mike a jornada durou até a noite). O outro motivo que vi seria aproveitar a situação para observar como Walt se sai sem um assistente, e até que ponto seria necessária a presença de Jesse, com Tyrus resolvendo o único "problema" aparente daquele dia.


Mas então temos aquela encenação, em que Jesse se sai muito bem, acreditando que salvou sua vida e a de Mike, e ainda retornando para buscar seu "parceiro" (aqui aproveito pra linkar uma breve entrevista do ator Jonathan Banks, onde diz que nesta temporada passará muito tempo com Aaron Paul; não mencionei no post anterior para não acabar com as expectativas de quem achou que Jesse morreria). Não sei até que ponto Mike está sendo irônico ao usar a palavra "heroi", mas com esta solução, Gus não apenas resgata a autoestima de Jesse, como é um primeiro passo para quebrar a aliança entre ele e Walt. Já que não pode se livrar desta dupla, separá-la parece ser uma jogada de mestre. E fica claro como Gus está certo, ao vermos a descrença de Walt quando Jesse diz o que fez. Walt é desprezível em muitos sentidos (mais sobre isso logo abaixo), mas não há dúvidas de como se importa com Jesse tanto quanto com sua família, preparado para morrer no início do episódio ao mesmo tempo em que se preocupa em deixar seu dinheiro para Skyler. O problema é que sua atitude paternal o impede de enxergar Jesse como um igual, apenas como alguém dependente dele. Seria possível surgir um conflito a partir disto.


A improvável parceria entre Jesse e Mike também é responsável pelo humor do episódio, com o primeiro morrendo de tédio e o último claramente insatisfeito com a companhia (hilário Jesse vendando seus próprios olhos e tirando sarro de Mike). Não sou fã de montagens aceleradas, mas Breaking Bad faz isso bem (aqui sob a direção de Michelle MacLaren, responsável também por "One Minute", última vez que vimos Hank falar de Jesse e que vimos uma ré sendo dada enquanto um homem armado se aproxima do carro), embalando a viagem dos novos parceiros e de Walt sozinho no laboratório, ambas, ao som de "1977", de Ana Tijoux (que viciados em games reconhecerão da trilha do FIFA 11 e pode ser baixada aqui).


Outro aspecto que não pode ser ignorado é o desabafo de Mike, claramente irritado ao Jesse sugerir que seria “o cara”, e que o faz lembrar de Victor. Mais uma vez a insatisfação dele manifestada sutilmente na série, também na cena com Gus, e já não tenho dúvidas que isso só crescerá e explodirá no futuro.



“We have to promise each other… no more secrets.” - Skyler

“Ah, this genius of yours… maybe he’s still out there.” - Walt

“Since when do vegans eat fried chicken?” - Hank


O outro grande evento do episódio é ainda mais surpreendente, ao mesmo tempo em que parece ser tão óbvio de acontecer. Hank não se interessa em investigar a morte de Gale, e com razão. Sua obsessão era prender Heisenberg e é compreensível sua frustração ao ver seu arqui-inimigo morto. Ele também descarta Jesse como o assassino pelos mesmos motivos que todos nós teríamos antes do personagem se ver obrigado a atirar em Gale (ajuda o fato de haver um retrato falado de Victor, eliminando de vez os nomes de Jesse e Badger da lista de suspeitos). Mas aí vem Walter White.


Sabemos do orgulho de Walt, que preferiu arriscar a vida cozinhando metanfetamina a receber dinheiro de seus antigos parceiros para o tratamento de câncer. Sabemos de sua arrogância, sempre disposto a mostrar seu conhecimento, de continuar nos negócios, simplesmente porque sua produção não pode parar. E sabemos também de sua fragilidade quando exposto a substâncias entorpecentes, como quando falou de seu segundo celular para Skyler na mesa de cirurgia ou como quase falou sobre Jane para Jesse em "The Fly".


Estas características mais o vinho tomado potencializam toda a frustração de Walt, que passou o episódio vendo perder o controle de tudo: ele não consegue se encontrar com Gus, encarando apenas câmeras de vigilância no lugar; Mike não lhe explica o que está acontecendo; compra o lava-a-jato e faz sexo com Skyler (aqui um momento genial, a mensagem de quem pensava que ia encarar a morte confundida com uma mensagem de afeto e declaração de amor) pensando no que pode ter acontecido a Jesse; ameaça parar a produção por estar sozinho, mas é intimidado por Tyrus; consegue voltar para casa, como há muito tempo queria, mas não como imposição dele, com Skyler até mesmo decidindo qual o dia para isso (e ver Walter Jr. tomando café numa caneca com BENEKE escrito não ajuda muito). Ao ouvir que seu trabalho é coisa de uma mente genial e rara, mas atribuído a Gale, não era algo que Walt poderia suportar calado.


Inicialmente, achei que a sequência serviria para Skyler descobrir sobre a morte de um fabricante de metanfetamina. Mas assim que Hank começa a falar sobre o caso, a câmera foca em Walt e se aproxima lentamente, sem cortes, até que ele começa a falar, enquanto eu esperava ansiosamente por um plano mostrando a reação de Skyler à história contada. Depois de pedir para que não haja mais segredos, não duvido que ela queira saber o envolvimento de Walt, que por sua vez talvez nem faça mais questão em esconder, não só pela nova relação com a esposa, mas seu orgulho e arrogância já não devem permitir que fique calado por mais tempo.


Falando em nova relação, as coisas também estão melhores entre Hank e Marie, como mostra a cena final, pouco antes da descoberta do papel com a marca do Los Pollos Hermanos. Walter White pode ter colocado Hank de novo em sua cola (e na de Gus), mas ao menos também ajudou a revigorar um casamento. Que lindo.




Hélio Flores
twitter.com/helioflores


domingo, 14 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x04 - Bullet Points


“Walter H. White... man of hidden talents” – Hank

“... if you really have to protect yourself, uh… disappear. Poof.” – Saul


Uma das coisas que mais admiro na 3ª temporada de Breaking Bad é a maneira como nos surpreende ao resolver situações que imaginamos que durarão por muito mais tempo: se após a premiere, acreditamos que os primos de Tuco passarão boa parte da temporada caçando Walt, no episódio seguinte eles já estão com um machado, sentados na cama do protagonista; se pensamos que a tentativa de Jesse vender a “blue meth” por fora ou seu plano para matar os traficantes de Gus vão causar problemas futuros, logo depois todos estão reunidos para uma solução “pacífica”. Não há enrolação na série, as coisas acontecem quando têm que acontecer, por uma coerência interna à narrativa e aos personagens, e não porque é preciso manter uma estrutura de 13 episódios por temporada. A grande sacada é que uma situação não se resolve sem gerar conseqüências ainda piores (os primos se contentam com um acordo que os leva a Hank – também resolvido no episódio seguinte; a morte do irmão de Andrea após o acordo de paz) e a trama não para de se movimentar.


O que nos leva a este incrível “Bullet Points”. Sabemos que um dia Hank descobrirá a história do “vício” de Walt, que o estilo de vida de Jesse não pode se sustentar sem preocupar Gus, que Walt ficará sabendo que Hank tem o caderno de Gale. O que não dava pra saber é que tudo isso viria agora, em um único episódio – e se as coisas acontecem quando têm que acontecer, não significa que tem que ser rápido e os dois últimos episódios me parecem um gradual e necessário desenvolvimento pra tudo explodir aqui. Outra qualidade ímpar da série é que sabemos que certas coisas acontecerão, mas como acontecem é que nos surpreendem: esperamos que Hank mostre a Walt o caderno e peça ajuda, mas faz muito mais sentido mostrar o vídeo que Gale fez de si (algo também coerente de existir, se lembrarmos das peculiaridades do personagem) para entreter Walt e Walter Junior. E aí temos aquela cena fantástica com as expressões faciais que só Bryan Cranston pode nos dar, em primeiro plano, enquanto Walter Junior e Hank riem ao fundo. O ridículo e o trágico, tão presentes na série, dividindo a cena.


Mais uma qualidade: os personagens agem como imaginamos que deveriam agir pessoas com aquele nível de inteligência, seus aspectos emocionais e psicológicos a partir do que vivenciaram ao longo da série. Não há situações em que nos pegamos pensando “por que (não) estão fazendo isso?”. No início do episódio me incomodei com Skyler e Walt treinando com as cartas, afinal ele estava até mesmo frequentando um grupo de apoio a dependentes. Mas logo Walt menciona isto, e Skyler se toca e concorda, mostrando que a necessidade em controlar tudo também tem suas falhas. A sequência toda é um primor de texto e atuação, com momentos hilários (o “yay” de Walt ao Skyler dizer que compraram um lava-a-jato), de discussão da relação e sentimentos externalizados (Skyler lembrando que nesta história toda ela acaba saindo de vilã, Walt simulando desculpas que apenas por um segundo parecem sinceras) e de ambos ao mesmo tempo (Walt mencionando Ted, o texto que Skyler criou pra ele o fazendo admitir que fez coisas estúpidas).


E é genial que toda esta preparação ganha contornos diferentes quando é chegado o momento da encenação. Walt acaba olhando para baixo, dizendo “terribly” (duas vezes!) e suas desculpas parecem bastante sinceras, tudo em novo contexto, após ver o vídeo de Gale. E como uma coisa sempre leva a outra nesta série, só assim para Walt descobrir o que se passa na casa de Jesse, já que ele precisa saber se não há nada na cena do crime que os incrimine. E aí, o homem que no início do episódio se incomoda com a obsessão de Skyler por detalhes, assume o papel da esposa e tenta forçar Jesse a lembrar de tudo que o personagem vem tentando se esquecer desde o início da temporada. Belíssimo roteiro.


Esta cena traz também mais uma grande atuação de Aaron Paul, com a câmera se aproximando lentamente de seu rosto, e seu estado chega ao extremo aqui, não se importando com o que acontece em sua casa, com o dinheiro roubado, nem mesmo com sua própria morte. Já era algo mais do que compreendido nos episódios anteriores, mas agora o vemos em interação com Walt, Mike e o momento em que sua situação será resolvida. Não vejo a série se livrando de Jesse, não só porque Paul é essencial a ela, mas o próprio personagem garantiu sua importância ao matar Gale. Matar Jesse é deixar Walt sem assistente e imprevisível em sua revolta, algo que Gus certamente não arriscaria. A solução será outra: reabilitação, choque de realidade (Mike o forçando a cometer um crime, talvez) ou mesmo ameaça a seu irmão caçula, provavelmente a única pessoa com quem Jesse se preocuparia a esta altura. Seja como for, a única certeza é que teremos uma solução surpreendente, talvez não exatamente no quê será feito, mas como se dará isso na tela, já que a série parece não cansar de nos deixar de queixo caído.


Outras considerações:

- Nao apenas Aaron Paul e Anna Gunn na já citada sequência inicial, mas grandes atuações por todos os lados: Dean Norris dá o tom exato de ambiguidade em cada frase e expressão facial, sendo a mais importante, claro, o momento em que associa “W.W.” a Walt. Até que ponto Hank desconfia de algo? Diria que não muito, por enquanto, mas um clique foi dado aqui, ainda que permaneça inconsciente. O confronto entre os dois é algo que a série prepara de forma interessante. Na temporada passada, a menção a um livro que faz justiça aos policiais que prenderam Pablo Escobar; aqui, de forma diferente, referência a “Operação França”, onde o policial acaba não prendendo o bandido.


- Bob Odenkirk também tem seu breve momento de brilho. Reclamei no post anterior sobre o uso de Saul para fins cômicos, às vezes exagerado, mas aqui não há só o advogado engraçado (preocupado em estar na lista de pessoas em perigo que Walt quer proteger), mas simpático a situação de Walt, oferecendo ajuda que seria, inclusive, uma forma de encerrar a série. Mais uma vez os roteiristas jogando situações e possibilidades que, nós como espectadores, certamente pensamos que deveria acontecer. Mas sabemos do orgulho de Walt (que preferiu matar Gale a servir de testemunha para a polícia, quando sugerido por Jesse – “the cook can’t stop”), e logo descartará essa possibilidade.


- Mas é mesmo Bryan Cranston de volta ao seu show particular o grande destaque. Cranston tem tantas facetas, sentimentos e situações conflitantes no episódio, que os votantes do Emmy que neste momento estão escolhendo o melhor ator do ano poderiam abrir um precedente e entregar o quarto prêmio seguido a ele, e provavelmente ninguém reclamaria. E é fascinante imaginar que este nem será o episódio de submissão de Cranston ano que vem, já que ainda temos nove episódios pela frente.


- Incrível como a série não deixa nem um personagem como Gale, já morto, sem ser enriquecido por detalhes. O karaokê com legendas em um idioma oriental, o poema de Walt Whitman (não tenho certeza, mas é possível que ele já tenha citado Whitman numa cena prévia com Walt) e o mais curioso, um adesivo de suporte a Ron Paul, candidato a presidência pelo partido republicano com ideais libertários condizentes com a visão de mundo de Gale (que na temporada passada explica a Walt o que pensa do trabalho deles) e parte do movimento político Tea Party (Tea? Gale? entendi). E não sei se foi proposital, mas bom lembrar que Gale acaba sendo morto por um (AA)Ron Paul...


- Gus retorna, ainda que brevemente. A cena começa com Mike observando atentamente um objeto na mesa dele, que parece ser uma navalha. O que Mike pensou ali? Nenhuma cena é subaproveitada, há sempre um detalhe enriquecedor.


- Falando em Mike, Breaking Bad volta a ter uma introdução sensacional, ao nos lembrar que os negócios de Gus vão além das preocupações com Walt e Jesse, numa sequência engraçada (Jonathan Banks impagável nas reações de Mike), bizarra (a orelha, o contraste da roupa de Mike com o clima mexicano) e que mostra todo o talento do personagem no que faz melhor, matar.




Hélio Flores
twitter.com/helioflores


domingo, 7 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x03 - Open House

“Marie, you want to go home?” – Tim

“Want to do something?” – Jesse


No post anterior, comentei sobre a oportunidade dada a Betsy Brandt brilhar, já que Marie nunca teve muito espaço na série e que felizmente os roteiristas ignoraram sua cleptomania, um dos poucos pontos baixos da 1ª temporada. Mas também já escrevi em várias ocasiões que nada é esquecido em Breaking Bad, com muitos detalhes sendo reaproveitados, sempre em benefício da narrativa.


E eis que a cleptomania de Marie volta. Mas se antes era um pretexto e tentativa de injetar interesse em personagens periféricos que nada tinham a ver com a trama central, agora faz parte da cadeia de eventos e tragédias causadas pelas escolhas de Walt. Não deixa de ser um episódio arriscado este “Open House”, que coloca Walter White como coadjuvante, dedicando-se quase que exclusivamente não só a Marie, mas também a Skyler, as duas únicas mulheres em uma série predominantemente masculina e que sempre teve nos homens os personagens mais interessantes e os momentos mais memoráveis.


É, portanto, uma prova de fé de Vince Gilligan no material que tem em mãos, esperando que os fãs da série também acreditem e se envolvam afetivamente com todos os personagens. É até natural que algumas pessoas se incomodem com este e o episódio anterior, depois da sequência inacreditável de episódios tensos e empolgantes que vimos, mas seria impossível manter aquele ritmo sem sacrificar a verossimilhança que Gilligan parece tanto prezar na trajetória de cada um dos envolvidos nesta história.


De minha parte, não há como não se importar e ficar comovido com Marie e sua fuga da realidade, criando histórias para esquecer a sua própria (e em pelos menos duas delas ela se separa do marido), furtando objetos de valor sentimental, visitando casas para ficar longe da sua. Brandt está excelente (Marie mente com uma naturalidade ainda maior que Skyler e me pergunto se toda essa dissimulação não terá imenso valor pra Walt no futuro), mas não podemos nos esquecer de Dean Norris: observem a intensidade de sua atuação ao receber a ligação de Marie dizendo que foi presa; da fúria ao arrependimento de gritar com ela, Hank desconta todas as suas frustrações na esposa, ao mesmo tempo em que sabe o mal que tem feito a ela (mais adiante falará a Tim que tudo aquilo é muito difícil pra Marie).


Num tom ainda mais trágico e perigoso, temos as consequências dos últimos eventos em Jesse. Da tentativa de fugir do silêncio e dos pensamentos sobre o que fez, no episódio anterior, agora vem a apatia e a desesperança, ilustrada de forma assustadora na visão que temos de sua casa. Da animada e interminável festa, sua sala agora é um antro infestado de almas perdidas, tão degradante quanto o local em que Walt o resgata no fim da 2ª temporada. É desolador, e da mesma forma que entendemos o desespero de Marie quando Tim pergunta se ela quer ir pra casa, compreendemos o de Jesse ao chamar Walt para o Kart (e torcemos para que ele aceite). A situação do personagem é ainda mais perigosa por ser vigiado por Tyrus, e Gus certamente fará algo em relação a isto.


Enquanto Marie e Jesse afundam cada vez mais, Skyler segue sua trajetória em direção ao mundo do crime, ainda de forma mais amena do que o início da trajetória de seu marido. Impagável a expressão de Walt quando ela diz que a violência sugerida por Saul não é o que eles fazem, e imagino que chegará o dia em que Skyler terá que tomar atitudes tão condenáveis quanto às do marido. Toda a sequência com Saul é muito boa, mas me incomoda o excesso de humor da persona do advogado, em especial com o funcionário que precisa usar o banheiro (e a descarga que encerra a cena). Também soa um pouco forçada a sequência em que Skyler e Walt esperam a ligação de Bogdan. A série tem um realismo muito bem encenado e escrito, mas aí a coisa toda pareceu exagerada. No entanto, gosto de como a personagem se preocupa com tudo (o olho roxo de Walt, o champanhe), como a filha está presente nos atos mais condenáveis, e é interessante ver os dois terminando este terceiro episódio celebrando na cozinha, exatamente o mesmo ambiente em que eles terminam o terceiro episódio da temporada anterior em situação bem diferente (o famigerado “I.F.T.” – I Fucked Ted).


Está aí mais um grande exemplo do incrível desenvolvimento dos eventos. Seria inimaginável àquela altura pensar nestes dois como um casal novamente, mas as coisas se sucedem de forma tão orgânica e coerente, que não parece absurdo. É também de se pensar que o drama de Marie, além de comovente, não acabou sendo o motivo para que o caderno de Gale chegasse às mãos de Hank, uma vez que Tim percebe através de Marie que nada vai bem em casa e usar Hank nesta investigação acaba sendo um gesto de “caridade”, ao mesmo tempo em que não passa o assassinato para a Narcóticos. Breaking Bad continua com cuidado apurado nos detalhes para que nenhum acontecimento pareça inverossímil (exceto a cena de Skyler já mencionada que realmente me incomoda), e gosto particularmente da cena inicial do episódio quando Walt chega ao laboratório e parece satisfeito com o andamento de tudo, até que seu olhar pára na máquina de café e sua expressão imediatamente muda, ao lembrar de Gale – que foi quem criou aquela máquina. Há quem reclame de como as coisas estão lentas, mas além da intensidade dos dramas vividos, são pequenos detalhes assim que mostram que não há com que se preocupar. Afinal, como diz Skyler no episódio, “o diabo está nos detalhes”.




(As imagens que abre e fecha este post falam por si: observem o contraste, personagens em lados opostos do quadro, luz ou trevas, espaço vazio ou cheio, o desespero é o mesmo)