quarta-feira, 29 de agosto de 2012

[Breaking Bad] 5x07 - Say My Name



“Do you really wanna live in a world without Coca Cola?” – Walt


“- How many more people are gonna die 'cause of us?” – Jesse
“- No one. None.” – Walt



Há um incômodo com a quinta temporada de Breaking Bad que ficou mais evidente com este “Say My Name” e a morte de Mike. Um dos meus maiores prazeres com a série sempre foi o desenvolvimento da trama, fluindo com incrível naturalidade, mesmo que os acontecimentos fossem surpreendentes e bombásticos. Algo ocorre como consequência de uma série de eventos anteriores, todos devidamente justificáveis, seja pela lógica interna da narrativa, seja pelo desenvolvimento que se pretende dar aos personagens. Até situações que podíamos acusar de um providencial “Deus Ex Machina” (a morte de Jane, o desastre aéreo, a bala que salva Hank no último segundo) tornam-se aceitáveis pelo próprio componente quase místico que a série desenvolveu em que carma, destino e sorte parecem rondar os personagens (não à toa o próprio Vince Gilligan chamou o explosivo final da segunda temporada de “Lucifer Ex Machina”).


No entanto, a nova temporada parece ter perdido um pouco desta capacidade de mover a trama sem que percebamos os dedos dos roteiristas. Até defendi, no texto anterior, a pressa com que o episódio “Buyout” passa da morte do garoto para a negociação da metilamina, porque, apesar de tudo, nada parecia forçado. Mas agora, para chegar onde queriam, os roteiristas abusaram um pouco.


Pra falar da morte de Mike, é preciso lembrar um pouco da morte de Gus Fring: uma das grandes sacadas da quarta temporada foi conduzir a trama a uma situação cada vez menos possível de manter Gus na série (a não ser que o protagonista fosse sacrificado), ao mesmo tempo em que mostrava ser impossível para Walt matá-lo. Isso só ocorre graças a um erro de Gus (talvez o único?), que foi levar Jesse a Hector Salamanca, perfeitamente justificado como toque final de uma vingança bem executada. Já o erro de Mike? Subestimar Walt. Várias vezes.


Hank disse no episódio anterior que até profissionais como Mike cometem erros. O problema é que houve uma grosseria nesses erros que não é congruente com o personagem. Ele não só aceita que Walt seja a pessoa que vá buscar seu dinheiro (que não queira Jesse é compreensível, mas por que ligar para Saul, se é a primeira pessoa que a polícia ficará de olho? Certamente que ele tem pessoas de confiança e que não estejam presas), como deixa para conferir a mala dentro do carro. Isto sem falar na coincidência de Walt visitar Hank no exato momento em que Gomez chega com novidades (e que Hank convenientemente diz o sobrenome de Mike para não ficarem dúvidas), novidades, aliás, que existem apenas por outra série de erros, desde o uso do mesmo advogado dos nove presos, como a guarda do dinheiro em cofres no mesmo banco. E nem vamos acrescentar a esta extensa lista a forma como algemou Walt no episódio anterior...


Há algo mais que me incomoda também neste final: por que chegar a este ponto? Gustavo Fring e os gêmeos primos de Tuco foram mortos porque chegaram a um momento em que suas presenças na série eram insustentáveis, e foram eliminados de maneira satisfatória e crível. Mike morre por nada. Um dos melhores personagens da série é também, se não me engano, o único que morre pelas mãos de Walt sem uma necessidade aparente. Pode parecer birra de quem não queria a morte de um personagem querido, mas não é isso. Acredito, inclusive, que Mike não caberia no que Gilligan e seus roteiristas planejaram para a reta final da série e que talvez este seja até um dos acontecimentos que levará a tragédias maiores. O problema é que me passa a impressão de que Mike morre covardemente pelas mãos de Walt apenas como parte do projeto “chegará-o-momento-em-que-ninguém-torcerá-pelo-protagonista”, como se Walt já não fosse detestável o suficiente.


Não que eu acredite que Walt fosse incapaz do que fez. Mas tudo acontece de forma estranha: parece impulsivo por conta da discussão, mas ele já tinha intenção por ter retirado a arma; como ele volta para o carro, dá a impressão de que não estava com a arma escondida no corpo (e se Mike conferisse a sacola ali mesmo? É esse tipo de questionamento que a série nunca nos deixou); nem mesmo a discussão se sustenta como uma verdade que lhe é jogada na cara. O argumento de Mike é furado. “Nós tínhamos uma coisa boa, Gus, o laboratório...” é mentira porque Gus sempre quis substituir Walt – por Gale na terceira temporada, por Jesse na temporada seguinte. Se há algo que não se pode contestar em Walt, é que ele tinha mesmo que matar Gus. Fica então uma motivação frágil para um assassinato que só ocorre por uma construção frouxa de elementos fáceis.


E a que se deve isto? Certamente os roteiristas e a direção continuam de alta qualidade. A escrita na abertura do episódio, com enquadramentos que vão se fechando sobre os personagens, é ótima, tornando verossímil e divertida uma situação duvidosa clássica (a de alguém que tem que convencer um outro de opinião fortemente contrária). Além do mais, com todos os problemas que vejo no final, é perfeito o contraste que mostra Heisenberg ainda como uma aparência de Walt que não se sustenta no particular, já que não sabe como reagir ao impulso que o leva a atirar em Mike – este, por sua vez, tem uma saída não apenas marcante pela bela composição de cena, mas também por colocar seu algoz no devido lugar: “Cale a maldita boca e me deixe morrer em paz”. Os roteiristas também continuam afiados na relação entre Walt e Skyler (e o segundo encontro dela com Jesse reforça a suspeita de que ambos de alguma forma irão se juntar contra Walt no futuro), na crueldade de Walt em mais um conflito com Jesse, e no desenvolvimento de Todd como soldado-aprendiz-psicótico.




O motivo, então, para que as coisas tenham saído dos trilhos só pode ser a divisão da temporada em duas partes. Eu consigo imaginar a série trilhando este mesmo caminho, chegando ao mesmo destino, mas de uma forma mais satisfatória, em que a morte de Mike aconteceria lá pelo nono ou décimo episódio de uma temporada normal com treze. Mas parece que Gilligan sucumbiu à necessidade de estruturar duas mini-temporadas, em que um arco completo se fechará no oitavo e último episódio deste ano, de modo que foi necessário apressar as coisas, nem que para isso precisasse sacrificar um pouco do que faz Breaking Bad ser uma aula de condução narrativa para as demais séries do gênero. É como se o autor, na verdade, tivesse preparado material para mais duas temporadas, e não uma com três episódios a mais. Não é uma tragédia, mas espero que o próximo episódio traga as coisas de volta aos eixos e nos deixe com novos e excitantes rumos para uma longa e amarga espera para seu retorno daqui a um ano.


Observação: um close e o último plano de despedida de Jonathan Banks para ilustrarem o post. Vamos torcer para que ele substitua Giancarlo Esposito no Emmy do próximo ano.




Hélio Flores

terça-feira, 28 de agosto de 2012

[fdp] 1x01 Juiz x Juiz


Estreou no domingo (fdp), a nova série brasileira da HBO, que pretende assim preencher sua programação com conteúdo nacional para se adequar à nova lei de cotas na TV paga. (fdp) conta a história de Juarez Gomes da Silva, um árbitro de futebol que tenta se manter incorruptível e atingir o sonho máximo de apitar uma final de Copa do Mundo. Desde que fora anunciada, o tema da série me atraiu por razões quase que pessoais -- mas não, não tenho nenhum árbitro na família -- e estava realmente ansioso para acompanhar o resultado na tela quando estreasse. Mas durante esse período, a medida que novas informações foram surgindo, percebi que (fdp) traria um drama leve, dando ênfase principalmente à vida pessoal de Juarez ao invés de investigar casos polêmicos nos gramados. Isso fica claro neste episódio piloto, que embora conte com uma sequência de quase 10 minutos envolvendo uma partida fictícia de futebol, serve como mero suporte à briga jurídica pela guarda do filho. E com certeza essa é a parte mais rasa da trama, com situações pouco inspiradas e apoiado em obstáculos morais apenas para fazer número, como a doença venérea transmitida à ex-esposa por Juarez. A tendência de aparar as arestas do roteiro com um estilo claramente publicitário, problema não só aqui mas na maioria das produções comerciais do cinema nacional, é o que mais irrita em (fdp), criando momentos até mesmo vergonhosos, como o quadro da família estilhaçado no chão. Já o "caso da semana" chega a ser interessante pelo juiz esperar que sua relação com o árbitro fosse suficiente para influenciar no resultado da partida, mas passa um ar até ingênuo, principalmente para quem acompanha os bastidores do futebol. Se a proposta da série é mostrar um árbitro honesto tentando sobreviver à pressão de sua "profissão", (fdp) tem poucas chances de ser relevante na televisão paga, até porque juiz nenhum é reconhecido pelos seus maiores acertos mas acaba sempre lembrado pelo menor de seus erros.

Foto: Divulgação.


e.fuzii
twitter.com/efuzii

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

[Breaking Bad] 5x05, 5x06 - Dead Freight, Buyout



“Out burying bodies?” – Skyler
“Robbing a train.” – Walt



E a Skyler só antecipou o que Walt terá que fazer: se livrar do corpo de uma criança. Que golpe violento o deste “Dead Freight”, uma montanha russa de emoções, pequenas tensões que vão se acumulando (quem é este menino na abertura? O que vai acontecer? E agora, o que Walt quer no escritório de Hank? Será que vão matar Lydia?) para culminar em clímax divertido, adrenalina bem executada que não deve em nada às melhores sequências de roubo do cinema. E quando nossos batimentos cardíacos estão voltando à normalidade, vem a paulada.


Não é que o episódio não nos tenha alertado sobre o que viria: mostrar o menino no início é estragar um pouco a surpresa, embora seja o mínimo (mas suficiente) necessário para dar “substância” (ou background) ao personagem; e a necessidade de não haver testemunhas foi bastante explicitada, tanto por Mike falando sobre sua experiência nesse tipo de serviço, quanto por Walt e Jesse deixando bem clara a ordem para Todd. Morte anunciada, mas não menos impactante. Principalmente porque sabíamos que Walt e Jesse não seriam capazes de algo assim (Walt, quem sabe, se não fosse de forma tão explícita), e talvez nem mesmo Mike. A própria questão de matar alguém já vinha sendo debatida, a ponto de Lydia criticar “Achei que vocês eram profissionais!”. Mas lá estava um profissional inesperado. Todd, que só conhecíamos por um par de cenas, mas suficientes pra tornar crível sua praticidade: soldado obediente, esperto, ávido por impressionar, sua expressão calma e sem emoções já dava mostras de tamanha insensibilidade.


“Dead Freight” é excelente do início ao fim. Há toda a habitual excelência na direção, nos aspectos técnicos, na escrita, atuações, etc. Mas é um destes episódios que acabam sendo lembrados e discutidos apenas pelos seus minutos finais, tamanho o choque e impressão que deixam em quem assiste. Não é sempre que um assalto desta magnitude é visto em uma série de TV, muito menos a morte de uma criança de forma tão brusca. Mas outras duas sequências me chamaram a atenção pelas possibilidades a que elas acenam: Hank e Marie cuidando de Holly, enquanto Skyler diz a Walt sobre a possibilidade do perigo bater em sua porta. Já sabemos que uma tragédia ocorrerá em breve (no máximo, em um ano) e penso se Skyler conseguirá sobreviver ao fim da série. De uma forma ainda mais trágica, a ironia seria o perigo bater na casa de Hank e dar de cara com Marie e Holly... O mais interessante é que cinco episódios se passaram e nada aponta para o que poderia ser este perigo e como daremos um salto de meses na série.


Por último, muito se falou sobre a referência que Hank faz ao filme “Fogo Contra Fogo”, que aborda um assalto e as coisas começam a dar errado quando um assaltante novato no grupo mata quem não deveria matar. Esta temporada de Breaking Bad tem sinalizado coisas em forma de referências cinematográficas que, francamente, não me parecem necessárias: Mike vê A Nave da Revolta em “Madrigal”, filme que mostra a tripulação de um navio ameaçada pela insanidade de seu capitão; Walt e Jesse veem Os Três Patetas, após o novo de trio de “empresários” decidirem pelo laboratório intinerante; e, claro, Walt e Jr. veem Scarface, filme referência da série desde seus primórdios (a fala de Walt “Todo mundo morre neste filme” poderia apontar para um possível desfecho da série, mas na verdade foi um improviso do próprio Bryan Cranston). O que acho desnecessário é que servem apenas para massagear o ego de quem vê, que pode se orgulhar de entender as referências – sobre o filme do Michael Mann, não sei se é proposital, mas há algo mais sutil e orgânico: há uma sequência em que o personagem de Al Pacino discute o relacionamento com a esposa e o plano/contraplano de seus rostos são preenchidos por escuridão; o mesmo ocorre com Walt na cena com Skyler, só há trevas a sua volta; também não dá pra ignorar Lydia enquadrada com as luzes da cidade ao fundo, algo recorrente nos filmes de Mann.




“I'm in the empire business.” – Walt



E então chegamos ao “Buyout”, que enfim coloca elementos que esclarecem o que está por vir. Primeiro, há uma crítica que Alan Sepinwall faz que é pertinente: o episódio trata de ir direto ao ponto que os roteiristas pretendiam com a morte do garoto, que é a dissolução da parceria entre Walt, Jesse e Mike. Em uma temporada de 13 episódios, seria provável um maior desenvolvimento das consequências que esta morte traz, em especial para Jesse. Algo tão impactante serve apenas para mover a história para seu próximo ponto, que ocorre antes mesmo de chegarmos na metade do episódio. Por outro lado, o cronograma apertado (apenas mais dois episódios para o fim desta primeira parte) não me pareceu forçar situação alguma, além de evitar o retorno a um status anterior da série – Jesse deprimido, tentando lidar com uma tragédia, foi tema do início das duas últimas temporadas e sabemos como aqueles episódios da 4ª temporada, vistos em retrospecto, acabaram sendo os menos interessantes.


É preciso destacar a abertura deste episódio, que me parece perfeita como representação da gravidade do que ocorreu. Sabemos, a esta altura, como os protagonistas se livram de um cadáver e a força dramática vem da substituição do corpo da criança pela sua bicicleta, desmontada e destruída parte por parte, com bela trilha sonora respeitando o momento (a imagem da mão do menino acaba por manter o horror e o gosto amargo da situação). A partir daí, tudo soa de forma bem natural, mesmo que aqui e ali soe apressado: Walt mostra como não há alternativa viável além de manter Todd, Mike se vê pressionado por Hank, investigação já em curso desde “Madrigal”, e Jesse sob impacto da morte decide apoiá-lo na dissolução do grupo (ajuda o fato de ouvir Walt assobiando despreocupadamente após o que parecia ser uma discussão séria e um lamento pelo garoto). O momento também é ideal porque a venda da metilamina que acabaram de roubar resolve os problemas financeiros de todos.


E é aí que finalmente surge a ameaça que estávamos esperando. O contato que Mike faz para vender a substância se interessa mais pela possibilidade de tirar a “blue meth” do mercado, o que força Jesse e Mike a tentar, cada um a seu modo, convencer Walt de vender sua parte. Como sempre, os roteiristas tem cartas na manga para tornar a coisa toda verossímil: Jesse até relembra o valor que Walt, um dia, sonhou em ter (737 mil dólares, número que dá título à premiere da segunda temporada), e como cinco milhões é mais do que suficiente para fazer todos desistirem dos negócios (e, como consequência, acabar com a série). É uma proposta irrecusável para Walt, e seria difícil acreditarmos em sua recusa tão veemente, mesmo sabendo de todo o seu orgulho. Mas a história que ele conta sobre a Gray Matter, como vendeu sua parte, o valor atual (“Bilhões. Com B”) e como semanalmente acompanha a situação da empresa, convence pelo tanto que conhecemos dele.


Já Mike, obviamente, usa a força, mas mais uma vez subestima Walt, numa peripécia para se soltar digna de MacGyver. Qual o plano para conseguir o dinheiro para Jesse e Mike (Jesse não chega a dizer que a ideia envolve VENDER a metilamina)? Como “todos ganham”? Walt estaria disposto a fazer uma parceria com o grupo de Phoenix (improvável por seu desejo de ser chefe) ou a intenção seria enganá-los (improvável porque Mike não arriscaria)? Seja como for, a tensão aumenta porque Mike conta com este dinheiro nas próximas 24 horas, antes que Hank consiga anular a restrição e feche o cerco sobre ele.


Com tanto pesar no início e tanta tensão ao final, “Buyout” ainda nos reservou um dos grandes momentos de humor da TV este ano: um jantar em que Walt coloca Jesse e Skyler na mesma mesa. O desconforto de Jesse é tão sensacional quanto a embriaguez de Skyler, que se retira da mesa carregando sua garrafa de vinho de modo que muito me lembrou a alcóolatra preferida de todo fanático por séries, Lucille Bluth. O drama, a esta altura da série, é pesado e intenso (especialmente no lado de Skyler, que ao contrário do que imaginei, só agora descobre que Walt disse a Marie sobre sua infidelidade), mas de alguma forma o humor não destoa, nem parece inconveniente. Sequer um “alívio cômico”, já que a situação é perfeitamente orquestrada por Walt, que se abre para Jesse mais como uma tentativa de ganhar sua simpatia em momento crucial da parceria entre ambos. Resta saber até que ponto esta parceria ainda existe e como os planos de Walt complicarão a vida de todos.



 
Hélio Flores


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

[Breaking Bad] 5x03, 5x04 - Hazard Pay, Fifty-One


 

 
“Just because you shot Jesse James, don't make you Jesse James” – Mike

“What are you waiting for?” – Walt
“For the cancer to come back” - Skyler


Uma das coisas mais fascinantes em Breaking Bad, e que a diferencia de toda e qualquer série atual que tem o suspense como gênero, é como os roteiristas se preocupam mais em dar uma continuidade natural e realista à trama do que gerar o suspense propriamente dito. Não há elementos novos (como uma nova ameaça a cada temporada de Dexter) que não sejam consequência dos atos dos personagens, não há mistérios que precisam ser mantidos por um tempo (como em The Killing), não há ambiguidade de personagens (Homeland), e mesmo um recurso como o flashforward não é desculpa para gerar interesse na série, fazendo dele um fim em si mesmo (como a esquizofrenia porca de Damages). Na verdade, em relação à cena que abriu a temporada, é incrível que metade desta primeira parte já se foi e nada parece nos levar a ela, e apenas somos lembrados pela tradição do bacon no aniversário de Walt e o relógio com seu tenso tic tac anunciando dias piores.


Não, o grande trabalho da equipe de Vince Gilligan é priorizar uma certa ordem “natural” das coisas e pensando como essa verossimilhança pode ter uma boa dose de tensão e suspense. E, claro, com bastante imaginação. Se Walt e Jesse precisam voltar aos negócios, não dá pra simplesmente escolher um novo local de trabalho. É mais “realista” mostrar a dificuldade de se achar um lugar ideal (não sem humor, com Saul tentando empurrar o laser tag abandonado que já havia tentado antes e que serviu de abrigo pra Jesse no fim da 3ª temporada) e terminar na brilhante ideia do “laboratório intinerante”. Da mesma forma que manter um negócio desses passa por uma série de dificuldades e pagamentos, algo inesperado para o arrogante Walt, o que acaba servindo de conflito entre ele e Mike.


E assim a série segue a passos lentos, dando importância aos detalhes, mas fazendo de cada cena um momento dramático intenso, sempre focando nas exigências da trama, sem sentir a necessidade de dar destaque a um ou outro personagem: se Skyler é o centro das atenções agora, é porque o momento exige; assim como Mike protagonizou um episódio quando era necessário mostrar as investigações que levaram a Madrigal, e Jesse pouco tem a fazer, mesmo sendo um protagonista da temporada anterior.


Tudo isso, claro, com Walter White como centro gravitacional. O que importa é sua derrocada e como ele leva a todos para o inferno. Nisto, “Hazard Pay” e “Fifty-One” são exemplares. Nos atos maiores, fingindo se importar com Jesse, mas envenenando seu relacionamento com Andrea (ele nem se importa quando o “amigo” diz que terminou com ela) ao menor dos atos (observem como ele abre a gaveta e joga as roupas de Skyler pra um canto, pra colocar as suas próprias), Walt acua, manipula e aterroriza seus próximos, simplesmente porque pode, já engolido por seu ego e orgulho. “Nada vai parar este trem”, ele diz. Sua família ainda importa, óbvio, mas tem que ser nos seus termos. A emblemática sequência em que ele recorda todo o ano vivido, enquanto está de costas para Skyler (e ela para ele) é a metáfora perfeita para seu relacionamento, que chega aqui no momento mais insustentável: a esposa que vê como única saída a espera pelo câncer (e fumar excessivamente não atrapalha seus planos) e o marido que quer uma aproximação distorcendo verdades de acordo com sua conveniência (a história sobre Ted para Marie ou dizer a Skyler como Jesse supostamente mudou de opinião sobre ele).





Os episódios não se resumiram a Skyler e Walt, mas é como ficarão marcados, dado a excelência do texto e dos atores. É como uma versão hardcore do início da terceira temporada, quando Walt força sua presença em casa, fazendo da esposa a vilã da situação. Mas tivemos também:


- Mike lidando com seus homens que tiveram o dinheiro confiscado. Engraçado quando Walt diz a Saul que ameaçar é o que ele faz, e provavelmente já ameaçou alguém antes do café da manhã, quando realmente Mike esteve cedo negociando o silêncio de quem estava preso;


- Novos personagens da empresa “Vamonos Pest”, responsáveis pela dedetização das casas que serão usadas como laboratório. Certamente terão impacto na trama, já que um deles é vivido por Jesse Plemons, o eterno Landry de Friday Night Lights. No papel de Todd, já mostrou esperteza (e desobediência) ao avisar Walt de uma câmera que ele desligou;


- Um episódio tão coeso e bem executado como “Hazard Pay”, é inacreditável que tenha sido tão povoado: teve não só Mike e os novos personagens, mas Marie, Andrea e Brock, Skinny Pete e Badger. E como sempre tem um jeito de toda cena ter uma informação nova, descobrimos que Skinny Pete tem uma grande habilidade musical, provavelmente destruída pelas drogas;


- Como já dito, Jesse terminando com Andrea. Acho uma pena que tenha sido fora da tela, já que esse relacionamento teve enorme importância na série (catalizador do clímax, tanto do final da terceira quanto da quarta temporada), mas com tantos eventos, é um pecado que estou disposto a perdoar. Outra elipse estranha é a de Skyler (já no episódio seguinte) saber que está sendo vista pela irmã e cunhado como infiel. Em que momento se deu isso?


- Falando em momentos fora da tela, ficamos sem saber qual a opinião do Walt sobre o que Mike deveria fazer com Lydia, exceto que Jesse acha a ideia ótima. Provavelmente é o que moverá o próximo episódio. Lydia, aliás, é assustadora de uma maneira bem peculiar. Atrapalhada, assustada, capaz de fazer uma loucura no desespero. Mike está certo em querer matá-la, mas parece que não é o que vai acontecer;


- Walter Junior sempre comendo. Já virou piada entre os fãs, especialmente no que diz respeito ao café da manhã. E acredito que os próprios realizadores adotaram como humor. Basta ver que mesmo na cena em que Skyler e Marie comem no lava-a-jato, lá está uma foto do rapaz fazendo parte da cena;


- Hank promovido. Não parece ser o que ele quer, e é uma forma breve e eficaz de mostrar que sua obsessão por Heisenberg continua, e desenvolver o personagem, colocando-o em outra posição;


No mais, grande momento de Anna Gunn na série. Do explosivo “Shut up!” ao confronto com Walt, não duvido que isto tenha lhe conseguido alguns votos no Emmy, mesmo que não seja por esta temporada que ela concorre. Será uma favorita para o ano que vem. No que diz respeito à direção, “Hazard Pay” parece bem mais comportado e sutil, enquanto “Fifty-One”, dirigido pelo cineasta Rian Johnson (que também dirigiu “Fly”), pode facilmente ser chamado de “metido a besta”, mas gostei bastante, especialmente das composições de Skyler no fundo da piscina (com resgate que corta no momento em que Walt aparece no quadro, dando a impressão de ser um agressor) e Skyler fumando ao final usando a caneca de aniversário como cinzeiro. 


Chama a atenção também as duas aberturas (Mike na prisão; Walt e filho com novos carros) que, ao contrário da especialidade da série, não impressionam ou são pomposas, mostrando que Gilligan não sente a necessidade de causar impacto o tempo todo. Às vezes menos é mais, principalmente quando o que se conta é tão bom.



 
Hélio Flores