segunda-feira, 20 de julho de 2009

[Breaking Bad] Segunda Temporada

Esse texto estava programado para entrar aqui no CeS na semana passada, mas por conta de atrasos e as indicações ao Emmy, acabou sendo adiado. Sem problemas, porque com a bem-vinda indicação há alguns dias, esse parece ser o momento providencial pra discutir a sua segunda temporada e até convencer algumas pessoas a também acompanharem a série.
Breaking Bad foi a segunda investida do canal a cabo AMC na produção de séries próprias, após o sucesso de crítica de Mad Men. É também a primeira série produzida por Vince Gilligan, que já se destacava como um dos mais competentes roteiristas de Arquivo X. A estreia da série no começo de 2008 acabou infelizmente coincidindo com a greve dos roteiristas e fez com que sua primeira temporada fosse abreviada para apenas 7 episódios. Num primeiro momento, logo que assisti ao piloto da série, confesso que não fiquei convencido de seu potencial. Achava que Walter White tinha tudo para ser aquele clássico anti-herói, que era chutado de tudo quanto era lado e tinha assim todas as desculpas do mundo pra ser moralmente incorreto. Sua decisão de seguir um caminho tortuoso e produzir metanfetaminas para garantir o sustento da família, lembrava também a condição de Nancy em Weeds, só que com o agravante de acompanharmos um drama com uma hora de duração. Não que o episódio fosse ruim, pois tecnicamente já mostrava qualidades, principalmente na direção, na fotografia e a atuação de Bryan Cranston, que acabou lhe rendendo o Emmy no ano passado. Mas centrado a todo momento em Walter me fazia acreditar que não poderia levar a sério o resto do drama da família. Mal sabia eu que apesar dos personagens coadjuvantes serem a parte mais fraca da primeira temporada, a importância dada a Walt nesses poucos episódios era o maior mérito da série. Além disso, considerar Breaking Bad um simples drama chega a ser um insulto, já que envolve inúmeras situações irônicas durante seu desenvolvimento. A própria premissa já é a maior das ironias: Walter descobre que está sendo consumido por um câncer terminal nos pulmões sem nunca ter fumado.

A partir daí, vendo sua mulher grávida (de forma não-planejada) e seu filho com dificuldades motoras por conta de um problema cerebral, Walter acaba tentado a cair no caminho aparentemente mais fácil pra deixar uma herança a sua família e se une a um de seus ex-alunos, Jesse Pinkman. Apesar de sempre deixar claro que é algo passageiro, Walter também vai sendo tragado aos poucos pra dentro desse mundo, tanto na constante cobrança do mercado quanto na sua condição psicológica. Ele que sempre buscou seguir o caminho mais seguro enquanto lecionava química no colégio, vai se desviando aos poucos e procurando sempre dar um "jeitinho" em cada nova situação. A própria comparação com o efeito das drogas parece óbvio, e apesar dele já ter sido obrigado a matar uma pessoa quando tem sua vida ameaçada, no final da primeira temporada Walt e Jesse encontram-se envolvidos na situação mais crítica enquanto assistem ao psicótico Tuco espancar um de seus capangas por um erro insignificante.
Mesmo que eventualmente eles conseguissem se livrar disso, a segunda temporada carrega ainda com mais competência essa tensão constante da série. Além da proximidade dos personagens, exibindo sua condição psicológica a todo momento, o que gera um efeito até claustrofóbico em muitas sequências é saber que para tudo há consequências. Aqui, fazendo um paralelo com as aulas de química de Walter, serve aquela velha máxima de que na natureza nada se cria, nada se perde e tudo se transforma. Afinal, seria muito simples que qualquer pessoa que cruzasse o caminho fora-da-lei de Walter fosse simplesmente apagada da história como acontece em muitas outras séries, mas em Breaking Bad além de retaliações e o perigo constante, o que sobra de mais doloroso é a culpa. Isso fica ainda mais claro em Jesse, que apesar de toda a pose sempre mostra-se no fundo um cara sensível ao revés. Seja na morte de um de seus amigos ou quando tem de cuidar do filho de um casal de dependentes, a imaturidade de Jesse não permite que ele tenha a frieza que Walt demonstra ter. E quem vira o monstro nessa história toda acaba sendo ele, que já está longe de ser aquele pobre coitado do começo da série.

Mesmo cada vez desviando mais desse caminho "do bem", lembrado constantemente por seu cunhado Hank, uma ironia praticamente reverte outra: seu tratamento acaba dando resultado e seu prognóstico é de melhoras. Seria para se agradecer aos céus? Voltar para sua atividade normal como professor? Ele considera essa opção, enquanto para se manter ativo conserta a fundação de sua casa (em uma das deliciosas metáforas da série), mas volta a abraçar a produção de drogas assim que tem seu território ameaçado. E não podemos ser hipócritas em dizer que não é um caminho mais interessante (ou alguém gostaria de vê-lo impotente na sua casa daquele jeito?), tornando nós mesmo os mais cúmplices de sua decisão. Nesse meio tempo os coadjuvantes também tiveram uma participação bem maior na trama e ganharam contornos fascinantes: Skyler nunca chega a deixar explícita sua relação com o chefe, mas acoberta suas falcatruas, e Hank mostra-se instável enquanto lida com criminosos de verdade, além de sua produção de cerveja na própria garagem. A adição do humor cínico do advogado Saul Goodman, retratado por Bob Odenkirk, também foi muito bem-vinda tanto servindo de ferramenta para tirar a dupla de errascadas como exibindo a frieza que Walter parece estar se direcionando -- e seu bordão "I know this guy..." é sempre hilário.
Ainda ao longo da temporada, tivemos alguns pequenos indícios (os já famosos flashforwards) do que Walter estaria destinado. As imagens não eram claras além de indicarem algum tipo de incidente na residência dos White, o que levava muita gente a imaginar que seria algum acerto de contas. Até respeito quem tenha se decepcionado com o "truque" final, mas juro que não consigo entender. Pra mim aquilo realmente simboliza a essência da série, com um acidente sobre a cabeça de Walter após ter sido abandonado por sua família, mostrando uma verdadeira reação em cadeia e ironicamente desencadeada por ele mesmo. É um situação que parece bizarra à primeira vista, mas que se encaixa no tom da série e não deixa de fazer sentido tanto para quem acredita numa justiça divina como para seguidores da lei de Murphy.
No final, provavelmente Walter White nunca encontrou-se tão no fundo do poço, sem família e desenganando Jesse, e só mesmo essa complexidade do personagem e a atuação de Cranston para nos manter ainda interessados no desenrolar dessa história. Confesso que Vince Gilligan e sua equipe me surpreenderam com uma das decisões mais corajosas que já vi, na sequência em que Walter opta em assistir a então namorada de seu parceiro engasgando com o próprio vômito até morrer, simplesmente pra mais uma vez limpar seu caminho. Há de se destacar que quando a cena foi escrita e gravada, provavelmente não daria pra imaginar a simpatia que Walt ainda despertaria no público, a ponto de aceitar uma cena assim tão degradante. Fora isso, que tipo de empresas se interessaria em vincular seu nome com um monstro desses? Mas ponto para a AMC e a produção do programa em apostar e sair bem-sucedida, com um então personagem solitário sentado sobre sua fortuna, buscando uma nova razão para viver. Afinal querendo ou não, o fato é que as causas da crueldade humana sempre instigaram mais as pessoas que as razões para a bondade, como já questionou o célebre Alex DeLarge em "Laranja Mecânica". Resta saber quanto tempo demorará para a culpa morder todo esse seu orgulho e Walter tentar reconquistar, com esforço redobrado, toda a confiança perdida.

Vale a pena conferir também a entrevista que Vince Gilligan deu ao blog do Alan Sepinwall após o final da segunda temporada.

e.fuzii

Um comentário:

Vinícius P. disse...

Confesso que não sou muito fã da primeira temporada de "Breaking Bad", mas me apaixonei pela série nesse segundo ano!