terça-feira, 19 de julho de 2011

[Breaking Bad] 4x01 - Box Cutter


"Well... get back to work" - Gus

E Breaking Bad está de volta, após uma impecável temporada, prometendo mais um ano espetacular pela frente. A premiere da 4ª temporada mantém o alto nível alcançado pela série de uma forma admirável, especialmente porque não seria nada fácil corresponder às expectativas criadas pelo final da temporada anterior. Tudo funciona de forma tão harmoniosa que, independente da qualidade dos futuros episódios, “Box Cutter” já se torna um marco de roteiro e execução, que precisa ter alguns de seus méritos realçados:



Como dar continuidade ao final da 3ª temporada? Primeiro, é preciso entender que ali não deixou um suspense em que se pergunta “Jesse matou Gale ou não?”. É óbvio que Gale morre; os acontecimentos dos últimos episódios levaram a uma situação em que só sua morte salvaria as vidas de Walt e Jesse. O grande impacto do final está no olhar de Jesse, prestes a descer alguns bons degraus a mais em direção ao inferno (e é esta a jornada dos protagonistas), ao finalmente se tornar um assassino. É isto que a temporada nos deixa. Daí a dificuldade desta premiere, porque sabemos como as coisas serão a partir dali: se resumirmos o episódio (Walt e Jesse continuam produzindo a droga pra Gus porque é a única solução), não há nada de surpreendente, é tudo muito óbvio.

O brilhantismo então não está NO QUE acontece, mas COMO acontece. Breaking Bad já deu várias aulas de como aumentar o suspense e nos deixar na mais completa tensão. E aqui é mais um belo exemplo, ao investir nos silêncios e expressões faciais dos atores. Reparem no início: Walt e Mike numa longa espera sem saber o que acontece; Victor chega com Jesse; Mike lança um olhar vencedor, Walt revira os olhos, o desespero parece que tomará conta dele; Victor e Jesse descem as escadas, Victor joga Jesse em uma cadeira ao lado de Walt, Mike parece já disposto a matar os dois; Victor libera sua raiva, Mike e Walt começam a perceber o que aconteceu; quando Victor confirma, Walt olha pra Jesse com surpresa, alívio e talvez preocupação com ele (Bryan Cranston inacreditável como sempre), Mike rapidamente se informa do que aconteceu, liga para Gus; Walt, triunfal, se torna Heisenberg; e durante todo esse tempo, Jesse completamente em choque pelo que fez.

A sequência dura 3 minutos, quase sem diálogos, um tempo que parece pouco, mas não em termos de programa televisivo. Poucas séries se permitem usar o silêncio, deixar que sintamos a respiração e tensão dos personagens e torná-las nossas. Mais adiante, temos algo ainda mais incrível, uma sequência que já entra para a história: nada menos que 10 minutos para que Gus, sem emitir uma única palavra, entre no laboratório, passe pelos demais, troque de roupa calmamente, procura o estilete de Gale (a “box cutter” do título), passa ameaçadoramente por Jesse e Walt, mata Victor (de uma forma que dá novo sentido ao seu apelido de “chicken man”, não?), se limpa do sangue, troca novamente de roupa e sai do laboratório, não antes de ordenar o retorno ao trabalho, única vez que fala algo. Apenas Walt fala (palavras óbvias e certamente já compreendidas por Gus) durante a sequência, que é carregada de tensão unicamente pelos gestos e silêncio de um personagem.

Momentos inspirados como estes provam o quanto o criador da série, Vince Gilligan, e sua equipe têm pleno domínio do material que tem em mãos. E não é apenas na construção de clima, mas como construir este clima numa perspectiva que leva em conta a coerência de cada personagem e que implicâncias cada ação terá no futuro. Já sabíamos (nós, Walt e Jesse) do que Gus era capaz, mas não com suas próprias mãos. Matar Victor daquela maneira não só é uma mensagem muito clara para os protagonistas (“se não posso matá-los, vão desejar como nunca estar mortos” diz Jesse, que parece entender melhor que Walt), mas também punição por tantos outros motivos – bode expiatório por terem permitido a morte de Gale, ter sido visto e não ter “limpado” a cena do crime, a ousadia de achar que poderia fazer o trabalho de Walt. Da forma como foi, ainda permite lembrarmos da primeira temporada com a experiência que Walt e Jesse têm em se livrar de um cadáver. É incrível como a série é tensa, densa, mas consegue manter o humor negro: Jesse passa por um inferno e suas primeiras palavras vêm aos 40 minutos de episódio, “Trust us” para Mike, hilário pelo contexto e pela lembrança – e, ao mesmo tempo, notarmos a diferença do processo para eles, tão difícil e doloroso antes, agora tão frio e mecânico. O humor também está presente na referência explícita a Pulp Fiction, com a dupla na lanchonete, vestindo camisetas baratas após uma manhã trabalhosa livrando-se de um corpo, tal como John Travolta e Samuel L. Jackson (após revisão do episódio notei também outra referência ao filme de Tarantino, embora não sei se foi intencional: Saul evitando a palavra metanfetamina com Skylar é bem semelhante à situação entre Travolta e Eric Stoltz no telefone).

Ainda na linha de pensamento “como dar continuidade à 3ª temporada”, a abertura do episódio é genial, por funcionar em vários níveis: um susto de 1 segundo ao achar que Gale não morreu; descobrimos que o laboratório foi criado para ele (as aberturas de Breaking Bad tem se especializado em revelar eventos passados curiosos); que numa triste ironia do destino, Gale é responsável pela própria morte, ao convencer Gus a contratar Walt; que Gus sempre quer o melhor, contextualizando ainda mais a morte de Victor (um mero reprodutor da receita nunca será o suficiente); o estilete de Gale, utilizado para fins tão mais alegres (“parece manhã de Natal!”); e, claro, a primeira aparição das anotações de Gale, que serve para o gancho final e que terá implicância no futuro.

O episódio ainda permitiu participação dos demais personagens, dando continuidade às situações em que eles se encontram: Saul preocupado com escutas e pensando em fugir do país ao descobrir que Mike trabalha pra Gus; Marie e Hank vivendo seu inferno pessoal (é de se notar a obsessão de Hank por minerais – a metanfetamina de Walt tem uma cor azul que nem Gale sabe de onde vem; Hank estaria investigando isto?); e, em especial, Skyler no seu processo particular de “breaking bad” dando um passo a mais na sua capacidade de dissimulação, usando a própria filha para sensibilizar o chaveiro. A situação de Walt e Jesse tem toda nossa atenção, mas o roteiro não deixa de lado o desenvolvimento dos demais personagens.

Por fim, deixo uma série de imagens para reflexão do trabalho com as cores que dominam os episódios: o verde e o vermelho estão presentes de forma intensa desde o início de Breaking Bad e em “Box Cutter” não seria diferente.





Hélio Flores
twitter.com/helioflores

6 comentários:

Graziele Madureira disse...

Você deveria comentar SEMPRE, todos os episódios...PERFEITO. Parabéns pelo texto.

Hélio Flores disse...

brigado. a intenção é escrever sobre todos os episodios mesmo. me cobre.

Celia Kfouri disse...

Eles voltaram ao trabalho.
Voltaram para nos encantar todas as semanas. Série Brilhante.

Celia Kfouri disse...

Eles voltaram ao trabalho.
Voltaram para nos encantar todas as semanas. Série Brilhante.

Kaline disse...

Nao poderia dormir sem ler isto. J
Ótimo texto, parabéns.! ^_^

Beth disse...

Toda a sequência de Gus se preparando pra degolar Victor, com o vilão num mutismo apavorante é, pra mim, a cena de assassinato mais impressionante da série. Muito foda!

Tb achei que a forma com que Gus matou Victor lembra a degola de uma galinha (Gus, sadicamente, aperta o pescoço do Victor pra esguichar sangue sobre Walt e Jesse, sinistro demais).

Parabéns pelo texto, divino!