Para um episódio que prometia tratar de lugares distantes, o que acompanhamos na verdade foi a influência dessa passagem do tempo para os personagens. Essa sensação de inadequação parece ser o tema que guia a temporada, como expresso na música dos Beach Boys "I Just Wasn't Made For These Times", ou como temos visto nas últimas semanas, com Sally encarando a adolescência, por exemplo, e Pete a idade adulta. Mas dessa vez, a própria estrutura da narrativa parece afetada pelo turbilhão de mudanças. Mad Men tem por costume apresentar contos isolados de seus personagens que normalmente acabam se relacionando entre si através do estilo ou tema, mas nunca a série havia experimentado apresentá-los de modo linear, embora todos acontecessem simultaneamente ao longo de um mesmo dia.
Como em três grandes blocos -- que poderiam até ter sido literalmente isolados, caso os comerciais fossem estrategicamente inseridos entre eles --, Peggy, Don e Roger aparecem enfrentando problemas em seus respectivos relacionamentos. Os três personagens comparados lado a lado criam também um fluxo temporal de continuidade, Peggy imitando o estilo de vida de Don Draper, e este cometendo erros semelhantes aos de Roger. Mas nesse caso, a estrutura pouco fez diferença ao conduzir as histórias, exceto pela viagem de Don, que certamente teria seu ritmo de tensão crescente prejudicado se fosse intercalado com as outras histórias. O misterioso telefonema de Don sob o ponto de vista de Peggy, também não tem grandes desdobramentos depois de revelado seus reais motivos. Na verdade, o episódio peca justamente por não se preocupar tanto assim com as nuanças, sendo óbvio até demais. Mesmo na experiência de Roger e Jane, a primeira viagem de LSD mostrada pela série, os efeitos mais surreais passam rapidamente e logo dão lugar a resoluções concretas, para avançar a narrativa, embora fossem suficientes para John Slattery mostrar toda sua versatilidade, seja encarando as marcas da velhice diante do espelho como vibrando feito criança numa final de beisebol. O casal logo cai na real no chão de seu apartamento (um recurso também utilizado depois na história de Don) e quando verdades acabam vindo a tona, ambos decidem pela dissolução do casamento. É um situação confortável para Roger, que mesmo pagando caro para se livrar de outro problema, parece revigorado quando percebe não adiantar mais continuar se enganando assim.
Já Peggy nunca se sentiu tanto como Don Draper antes, seja na posição que foi colocada de "fachada" criativa da agência diante do cliente da Heinz, como nos costumes de fumar e beber. Vendo seu trabalho sendo rejeitado outra vez, ela adota o discurso de seu chefe e despeja todas as suas frustrações no cliente, dizendo saber melhor do que ele o que sua empresa precisava. Mas é uma estratégia completamente suicida porque como Stan lembra logo em seguida, espera-se que a mulher esteja sempre pronta para tentar agradar. Ela decide então tirar umas horas de folga, e assim como Don Draper, ir ao cinema no meio da tarde, arranjar um encontro casual (e claro, dessa vez oferecer o agrado). Mas talvez tirar um cochilo no próprio sofá da sala de Don, sendo acordada por sua secretária, tenha sido o limite. Peggy só vai cair em si ouvindo a história de Ginsberg sobre sua estranha origem, ter nascido em um campo de concentração. Tudo levava a crer que eles entrariam em um conflito criativo, mas estou achando bem mais interessante essa aparente identificação por ambos se sentirem deslocados, algo que Peggy sempre procurava encontrar em Dawn, Rizzo e tantos outros anteriormente. Embora nas suas escapadas Don sempre voltasse para sua família ao final do dia, Peggy parece mostrar um verdadeiro arrependimento quando chama seu namorado de volta e percebe que precisa contar com alguém para lhe dar suporte.
A viagem de Don Draper e Megan acaba sendo uma história cheia de contrastes: começa com a promessa de férias fora de época, provavelmente tentando resgatar ainda o frescor inicial de seu casamento, e termina em uma atmosfera noir de tensão e desconforto. As cores super saturadas do restaurante Howard Johnson's dão lugar ao breu de uma auto-estrada. Os delírios de perseguição de Don Draper em seu apartamento voltam dessa vez de modo inverso. Enquanto os papéis de marido e chefe continuam a se confundir, Megan vai se sentindo pressionada a ponto de sua maneira flexível e dócil de encarar a vida (se dar bem com todo mundo, comer de tudo) se transformar em puro inconformismo. Sua paciência se esgota e de forma até cruel chega a sugerir que Don ligasse para a mãe que nunca conheceu. A reação habitual de Don quando contrariado desse jeito, lógico, é sempre fugir. Mas hoje ele não está lidando mais com uma mulher submissa, Megan não precisa esperá-lo, ela pode continuar seguindo sua vida que ele vai acabar deixado para trás. Pelo contrário, aliás, sua posição logo depois de encontrá-la de volta no apartamento é que mostra submissão, de joelhos agarrado ao seu abdômen, como um filho suplicando pelo perdão de sua mãe. E Bert Cooper -- quem diria? -- chega com o choque de realidade final: força Don Draper a terminar seu período de lua-de-mel e voltar a se concentrar em seu trabalho. Enquanto vemos ele de costas na sala de reunião numa posição bem mais tensa do que a usual (como na abertura da série, por exemplo), ele assiste os funcionários circularem, sem ter a menor ideia do que está se passando. Como o Howard Johnson's que Don ficou confinado por quase um dia: era considerado a maior rede americana de restaurantes entre os anos 60 e 70, mas acabou abandonado a beira das estradas, e hoje está reduzido a apenas 3 unidades.
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Já Peggy acaba faturando uma bolada às custas da negligência de Roger com a conta da Mohawk (esperamos que ele tenha ainda muita grana para sempre se prestar a esse papel ridículo) e tem de trabalhar sozinha até altas horas da noite na SCDP. Depois de se assustar com alguns barulhos pela agência, certamente ainda impressionada com as fotos do crime, Peggy encontra Dawn se preparando para dormir no sofá da sala de Don. Sem chance de voltar para casa por conta do tumulto nos protestos pelos Direitos Civis, Peggy oferece então seu apartamento, e essa visita acaba sendo uma chance de acompanhar o seu desconforto com essa situação. Primeiro porque ela tenta de todas as formas forçar que está entendendo os problemas de Dawn, desde os protestos até sua condição de minoria na agência. Segundo porque Peggy acaba sempre conduzindo a discussão para tratar de si mesma, interrompendo Dawn até por diversas vezes. E para completar, cria-se um impasse no meio da sala quando Peggy hesita em tirar sua bolsa do alcance de Dawn. Embora pareça bem semelhante àquele dilema de Lane no táxi há alguns episódios, nesse caso vejo certa complexidade por tratar do preconceito de uma forma reversa. Afinal, com todo aquele dinheiro, dificilmente Peggy largaria sua bolsa na sala, seja lá quem estivesse dormindo ali. Mas Dawn percebeu que ela hesitou, Peggy percebeu que tinha de dar crédito e agir com naturalidade, e assim sua atitude não poderia ser mais condescendente. Pode parecer um voto de confiança, mas mostra-se acima de tudo um preconceito inato, incapaz de esconder. Dawn ainda não apareceu tratada como deveria, dessa vez servindo apenas como mero embaraço para Peggy, mas espero que explorem ela com maior profundidade ao longo desta temporada.
Não tem sido tarefa fácil escolher uma foto para ilustrar meus textos nesta temporada de Mad Men. Afinal todo episódio temos algum fato surpreendente que deve ser preservado daqueles que entram aqui por acaso. Na semana passada, era o novo casamento de Don Draper, dessa vez é a aparente obesidade de Betty, que nem com a ajuda dos filhos consegue entrar em seu antigo guarda-roupas -- ironia cruel rebater essa cena com Don facilmente fechando o vestido de sua esbelta mulher logo em seguida. Para incorporar (literalmente) a gravidez de January Jones à série, os roteiristas tiveram de recorrer a essa trama, já que seria pouco provável que Betty engravidasse tão cedo de Henry. É algo que me agrada, principalmente pelo modo como evoluiu ao longo do episódio. Não chega a ser novidade para ninguém acompanhar um personagem encarando a morte através de um diagnóstico de câncer -- já acompanhamos esse tema inclusive na temporada passada com Anna Draper --, mas com Betty isso me parece diferente. Além desta mudança física já ser um golpe na auto-estima de qualquer um, principalmente para quem sempre foi reconhecida pela beleza, a própria ingenuidade e suas tendências infantis colaboram para criar certa simpatia pela personagem. Interessante notar que mesmo Henry sendo um marido mais paciente e atencioso, Betty prefere ser consolada por Don logo que recebe as primeiras notícias. Já é padrão os produtores adotarem algum tipo de metáfora quando retratam o estado psicológico de Betty (o pássaro preso na gaiola, o souvenir) e dessa vez não foi diferente: as folhas de chá do título, que sobram no fundo da xícara após perderem sua função. Enquanto Betty apavora-se com o relato de sua antiga amiga sobre o duro tratamento que está sendo submetida e a má sensação que isso traz, uma vidente aparece propondo-se a ler seu futuro. E sua previsão não poderia soar mais cruel, com palavras de conforto como aquelas que dedicamos a família de alguém que acaba de falecer. Mas tudo não passa de um susto, e o alívio dela está justamente em poder continuar criando os filhos, sem precisar depender de Don (e Megan) ou de sua sogra. A última cena talvez justifique o ganho de peso de Betty ao longo desse período, além de denunciar que Sally está atenta -- e reprova -- a obesidade da mãe, quando rejeita o resto do sorvete. Não à toa, no sonho de Betty em estilo Sopranos, é Sally quem faz questão de virar a cadeira da mãe na mesa de jantar.






