quinta-feira, 27 de junho de 2013

[Mad Men] 6x13 In Care Of

"If I had my way, you would never advertise. You shouldn't have
someone like me telling that boy what a Hershey bar is."

Desde que Don Draper pediu Megan em casamento na ensolarada Califórnia há alguns anos atrás, sua vida se tornou um elaborado processo de auto-sabotagem, em que sua identidade parecia se desintegrar aos poucos. Nem é preciso dizer o quanto esse fator se relaciona com a publicidade, que preza por valorizar e revelar suas melhores características para conquistar um cliente, ou mesmo para cativar o público. Honestidade nem sempre é obrigatória, por isso Don Draper (e nesta temporada, Bob Benson) encontra neste nicho a chance de se sentir acolhido. Por muito anos Don conseguiu progredir na carreira por entender a necessidade do momento. Sua apresentação do carrossel da Kodak no final da primeira temporada, por exemplo, continua viva em nossas memórias porque ele foi capaz de atingir fundo em nossos sentimentos, vendendo nostalgia como satisfação. Mas de uns tempos para cá, Don vinha perdendo essa noção do presente, ficando cada vez mais distante e tentando se conectar com aquela identidade de seu passado. Na abertura da temporada, ele se encontra no Havaí em férias com sua mulher, vivendo uma experiência que segundo ele era impossível de colocar em palavras. Quando traduz isso em publicidade, mostra um homem se perdendo no mar, deixando suas roupas pela praia. Dessa vez, requisitado em uma reunião com a própria Sheraton, é Don quem desaparece sem deixar vestígios. O episódio resume em algumas cenas essa condição crítica que acompanhamos na temporada, faltando na reunião para beber sozinho em um bar, passando a noite na prisão por agredir um evangélico, e até Sally mais uma vez acusando o pai por sua conduta imoral. Levou tempo, mas Don finalmente percebeu que está completamente fora de controle.

A solução para seus problemas, ao menos temporariamente, estaria nessa campanha elaborada por Stan para se candidatar à filial da agência na Califórnia, atendendo a Sunkist. Don queria apenas fugir novamente, aproveitando para fechar esse ciclo iniciado desde que pediu Megan em casamento, recomeçando sua vida ao lado da mulher em outro clima, como deveria ter feito desde o início. Parecia o plano perfeito, até para atender às necessidades da carreira de Megan, mas que acaba esbarrando em um pedido desesperado de Ted Chaough, que enxerga também nesta oportunidade a única forma de salvar sua família, a quilômetros de distância da sedutora presença de Peggy. O telefonema de Betty informando que Sally havia sido suspensa na escola por comprar bebidas alcoólicas com uma identidade falsa (no nome da mãe, claro, que afinal oferecia cigarro para a filha no episódio anterior), também afetou Don profundamente, principalmente quando Betty lamenta pela menina crescer num lar arruinado. Então, Don resolve ter seu primeiro momento de completa revelação diante de ninguém menos do que os clientes da Hershey's. A apresentação começa da maneira mais tradicional possível, com Don contando uma passagem falsa de sua infância, resumindo que a barra de chocolate é o símbolo de amor para as crianças. Mas ele simplesmente não consegue sustentar essa mentira, não por aquele produto que fazia ele se sentir brevemente como uma criança "normal". Sua confissão passa também pelo desejo quando criança de frequentar a escola para órfãos de seu fundador, de receber a atenção e o carinho que nunca teve enquanto crescia. Para Don o nome Hershey's significa muito mais do que seus produtos, assim como ele reconhece que criar uma peça refletindo este sentimento seria não apenas impossível, como desnecessário. A vida por vezes vai muito além da publicidade. Por isso, ele decide recuar e dar a chance de Ted recomeçar ao lado de sua família na costa oeste. As portas então começam a se fechar para Don, primeiro sua mulher decidindo mudar-se sozinha para Hollywood, depois os sócios armando uma espécie de intervenção para anunciar seu afastamento por tempo indeterminado. Tudo que lhe resta são seus filhos no feriado de Ação de Graças, e Don toma uma atitude inusitada levando eles para conhecer o local que passou a infância. Se Sally reclamava que não conhecia detalhes do passado de seu pai após aquele incidente no apartamento dos Draper, agora aquela troca de olhares no final parece transmitir enfim uma sensação de sintonia entre os dois.

No episódio anterior, chamava atenção para a forma como a série conhece suas próprias limitações e consegue lidar com as expectativas. Afinal, analisando essa temporada depois de encerrada, certamente não se pode acusá-la de falta de coesão (se tem dúvidas disso, assista a esse vídeo sobre como Mad Men enfrentou a Guerra do Vietnã). Como acompanhamos, 1968 foi um ano caótico para a sociedade americana e um dos pontos de grande destaque na temporada foi a decadência da cidade de Nova York, em vários momentos de terror e violência. Durante esse mesmo período, a série nunca havia saído tanto de seus domínios, levando seus personagens para o Havaí, Detroit e a própria Califórnia. Já neste episódio, vários dos personagens cogitam ou até mesmo tem de aceitar a ideia de deixar Nova York. Por isso, quando Don apresenta essa ideia para Megan, uma saída fácil para seus problemas, mas condizente com sua condição atual e sua conexão com a cidade no passado, chegava a ponderar se essa mesma série poderia existir na costa oeste americana, ainda que temporariamente longe do núcleo principal de personagens. Até que Don decide permanecer na cidade, mesmo sem sua mulher, mesmo sem seu trabalho. Não acredito que seja o final do casamento com Megan, talvez a distância seja até positiva para o relacionamento, embora fosse difícil também piorar do jeito que está. Megan passou tão imperceptível durante a temporada, quase uma sombra opaca de Don, que não dá para prever qual seriam os planos para ela no último ano. Já em relação à agência, esse afastamento indeterminado pode muito bem significar uma demissão, mas diante de sua epifania na sala de reunião, talvez fosse o próprio Don quem virasse as costas de vez para o mercado publicitário. Embora fosse difícil imaginar a série tomando esse rumo, seria a única forma dele encarar a vida com total transparência. Mas é isso, se por vezes era até cansativo falar da decadência de Don durante a temporada, acho que depois de três parágrafos dá para perceber o quanto os roteiristas reverteram isso com este finale.

Já Pete há quase duas temporadas não tem um momento sequer de sossego. Dessa vez, chega a ele a notícia de que sua mãe desapareceu a bordo de um cruzeiro pelo mar e, para piorar, Manolo parece estar envolvido, depois de casar-se com ela provavelmente visando sua herança. Nem mesmo quando Pete tenta confrontar novamente Bob Benson termina bem sucedido. Ao menos dentro da agência, esse relacionamento foi um dos destaques da temporada pra mim, e me parece um pouco frustrante que os dois terminem se dirigindo a cidades diferentes. A aparente vantagem que Pete demonstrava no episódio anterior foi estranhamente ignorada, e depois de uma humilhante cena diante dos clientes da Chevy em Detroit, ele não tem outra opção senão reconstruir sua carreira na Califórnia. Mas como bem aconselha Trudy, essa é sua chance de recomeçar sem precisar prestar contas a ninguém. Antes de partir, Trudy ainda concede que ele possa enfim ver sua filha e se despedir. É interessante como neste episódio o dia de Ação de Graças promove essa aproximação entre pais e filhos, seja Pete, Don, Ted e até Roger, que passa o feriado finalmente junto de seu filho com Joan.
A única aposta que podemos fazer para esta última temporada é em relação ao futuro de Peggy. Embora Duck já apareça com o provável substituto de Don (sem perder a chance de saborear a derrota do antigo colega), a imagem de Peggy passando o feriado na agência é bastante emblemática. Afinal, pela primeira vez ela aparece usando calças no trabalho e enquanto senta-se confortavelmente na cadeira de Don assume a mesma postura que é marca da série. Claro que não foi um final agradável para Peggy, vendo seu único prazer dos últimos meses se despedindo e sendo deixada para trás, tendo que se adaptar a uma nova situação. Mas talvez o futuro realmente esteja aberto para Peggy na agência, que pode enfim sonhar em construir uma carreira sólida e seguir seu próprio caminho, sem depender das decisões de nenhum outro.

Assim terminamos a penúltima temporada de Mad Men e confesso que ainda não quero nem pensar na ideia de se despedir da série no ano que vem. A todos que acompanharam até aqui, meu muito obrigado. Até a próxima temporada! Abraços.

Foto: Divulgação/AMC.


e.fuzii
twitter.com/efuzii

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Eric. Sempre leio seus comentários dos episódios de Mad Men. Está série, requer uma atenção muito aguçada e sutil. E você consegue ter bem essas qualidades. Por isso escreve tão bem. Mais uma vez parabéns.