quarta-feira, 24 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x06 - Cornered


“A boss has to be tough (…) Can you be tough, Walter?” - Bogdan


Já vem sendo bastante usada em textos sobre Breaking Bad a definição que o criador Vince Gilligan deu para o que seria a essência da série: a história de como Mr. Chips se tranforma em Scarface. Ao associar Walter White a dois personagens conhecidos da cultura americana tão díspares entre si - o dedicado, inofensivo professor e o criminoso que construiu um império do tráfico -, Gilligan já nos deixa de sobreaviso que, por mais imprevisível que seja o caminho, o destino de Walt está traçado (ainda que não necessariamente seja este o final da série). E o que vemos neste "Cornered" é a tentativa atrapalhada e imatura do protagonista em se mostrar Scarface quando todos em sua volta o veem como Mr. Chips.


A começar pelos conflitos que abrem e fecham o episódio, com Skyler. Como já era previsto, a conversa no jantar com Hank iria chamar sua atenção e imediatamente a mensagem eletrônica apaixonada do episódio anterior tem um novo (e real) sentido. Mas Skyler, ao contrário de nós, não faz ideia do que seu marido já foi capaz de fazer e naturalmente, não só pensa que ele está em perigo, como interpreta sua arrogância regada a vinho como um pedido de socorro. É um destes momentos que serão inesquecíveis quando lembrarmos da série no futuro: Skyler tendo finalmente uma visão de Heisenberg, com Cranston explodindo em duas frases que se tornarão clássicas, "I AM the danger; I am the one who KNOCKS!".


Deixar de perceber o marido como vítima, e vê-lo como assassino, faz Skyler repensar sua decisão sobre continuar os planos de manutenção da família, mas não por muito tempo. A sequência na fronteira com os 4 estados em que deixa a sorte decidir seu futuro é interessante por dois motivos: primeiro, porque no fim das contas Skyler quer mesmo correr o risco de permanecer ao lado do marido, deixando escapar a oportunidade de fugir desta vida, da mesma forma que Walt e Jesse já deixaram tantas vezes. Decisões erradas são tomadas constantemente pelos personagens. Segundo, porque até que ponto a moeda caindo no mesmo lugar sinaliza o futuro de Skyler? Embora os personagens sejam responsáveis pelas decisões que tomam, a série sempre teve este peso quase místico em que o destino (ou carma ou azar, ou como quisermos chamar) prega peças terríveis, a mais explícita delas o acidente aéreo, castigo direto do céu, que cai sobre Walt. Numa temporada em que mensagens estão sendo enviadas de forma violenta (Gus matando Victor; o Cartel na sequência que abre o episódio), estaria o destino enviando uma de forma sutil para Skyler? Não acredito que a personagem morra, já que é a contraparte necessária para manter alguns dos conflitos mais interessantes do protagonista - e alguém precisa proteger a família do homem que protege a família, outra frase já antológica e nos lembrando mais uma vez de como Skyler é odiada injustamente -, mas não há dúvidas de que ali foi a última chance de mudar as coisas, momento de virada para um futuro de consequências trágicas.


Mas não foi apenas Skyler quem teve o desprazer de ver Walt forçando um controle sobre sua vida que na verdade não tem completamente. Bogdan, Jesse, Walter Junior e Gus (via câmeras no laboratório) tiveram contato com o Mr. Chips querendo ser chefão, com resultados diversos. O mais cruel deles foi com Bogdan, que tentou dar lições para Walt e atribuiu a Skyler o lado "forte" do casal. Gilligan também já disse que aos poucos perderemos toda nossa simpatia por Walt e aqui há uma amostra disto, com o desprezível gesto de pegar a cédula tão importante e simbólica para Bogdan e comprar um refrigerante unicamente pelo prazer de apagar qualquer traço do romeno no lava-a-jato.


Tão terrível quanto é sua incapacidade em se relacionar com Jesse de uma forma que não seja egoísta e agressiva. Walt está tão desesperado e despreparado para lidar com o que acontece à sua volta (prever os próximos passos de Gus, lidar com o controle de Skyler, assumir uma postura de chefe e protetor) que pouco adianta sua inteligência em perceber as intenções de Gus e a armação do episódio anterior se não há o mínimo de sensibilidade no trato com seu parceiro - ao contrário de Gus que em uma única frase diz tudo o que Jesse quer ouvir e não deixa de ter algo de sincero. Walt chega a gritar "it's all about me!" sem se dar conta de quão horrível ele está sendo.


Gus também lhe dá outra lição ao mandar de volta para Honduras as mulheres que ele paga pra fazer a limpeza do laboratório - e quero acreditar que Tyrus não estava mentindo quando disse que elas pegariam um ônibus... -, em outra atitude arrogante, desafiadora e imatura. A cena é engraçada, especialmente porque Walt descansa seus pés e toma café, exatamente da forma como Bogdan alertou que não deve ser a postura de um chefe. E não custa lembrar que o próprio Gus continua em um modesto escritório numa filial do Los Pollos, onde ele mesmo retira o lixo...


Por fim, com Walter Junior, sua última demonstração de despreparo. Incomodado com a visão que o filho faz dele, de alguém doente não responsável pelos seus próprios atos, compra o carro dos sonhos em mais um luxo desnecessário (curiosamente vermelho, cor essencial na série, e a mesma do carro de Jesse que, por outro lado, é bem mais modesto). Walter Jr. finalmente começa a ganhar destaque nesta temporada e só aumentará, quando as coisas ficarem feias em casa, principalmente para o lado de Skyler, ao receber a notícia que o carro tem que ser devolvido.


Outras considerações:

- O episódio começa da mesma forma que "Bullet Points", com o ar gelado de alguém confinado num caminhão de sorvetes do Los Pollos. Fiquei curioso pra saber como Mike sairia daquela situação (porque óbvio que ele sairia), e imagino se não teremos mais aberturas como esta. Talvez Jesse seja o próximo a protagonizar uma cena dessas;


- Sempre gosto dos pequenos detalhes: da cicatriz da cirurgia de Walt (vista também no episódio anterior após o sexo com Skyler) à sua cabeça sendo raspada no banho (muitos se perguntam do porquê de quase todos os homens da série serem carecas e até explicações de que no caso de Walt seria o câncer), passando pela “lancheira” do Los Pollos para seus empregados, vista na abertura e no carro de Mike.


- O diretor do episódio foi Michael Slovis, o excelente diretor de fotografia da série, deixando sua função pelo segundo episódio consecutivo a cargo de Nelson Cragg. Há grandes momentos, como Skyler perdida no céu azul na fronteira, ou a enervante situação com os viciados ("Tucker!!"), mas de modo geral as cores e a luz não tem me causado o impacto que a série costuma causar. Também não gosto da câmera instalada na pá quando Jesse vai executar seu ótimo e inusitado plano: um "frufru" estiloso e deslocado pra chamar a atenção. Espero que Slovis retorne ao seu trabalho original logo.


- Duas coisas que comentei no post anterior desenvolvidas no episódio: a dependência de Jesse foi mencionada e aqui pudemos ver os tremores da abstinência; e sua relação com Mike só tende a crescer (reparem no sorriso deste ao ver Jesse conseguindo entrar na casa dos viciados), o que não é nada bom para Walt.


- Falando da relação entre Jesse e Walt, quando Skyler pergunta se quem atirou em Gale pode também matá-lo, Walt responde “Duvido muito”. Outra mensagem sutil para o futuro?




Hélio Flores
twitter.com/helioflores

Um comentário:

Tiago disse...

"... com o desprezível gesto de pegar a cédula tão importante e simbólica para Bogdan e comprar um refrigerante unicamente pelo prazer de apagar qualquer traço do romeno no lava-a-jato." Esse gesto, na minha opinião, foi uma "vingança do pipoqueiro", pelas humilhações que Walt passou nas mãos de Bogdan, na primeira temporada. Seria ótimo se Bogdan visse WW gastar a nota na máquina de refrigerantes.