quarta-feira, 11 de abril de 2012

[Mad Men] 5x04 Mystery Date

"You're not a good man."

Após dois episódios consecutivos apresentando sonhos e delírios, podemos ter certeza que Mad Men embarcou de vez nas ilusões de seus personagens. Desejo, terror, trauma e suspeitas pairam sobre suas cabeças, tomando a forma de diversas visitas, algumas bastante esperadas, outras tantas imprevistas, assim como no jogo de tabuleiro que dá nome ao episódio (o comercial na tv que Sally assistia enquanto Pauline falava ao telefone). Dessa vez acompanhamos os pesadelos de Don Draper, que passa a ser perseguido por uma alucinação febril dentro de seu apartamento, um caso antigo que tenta seduzí-lo. Seria a oportunidade ideal para provar que havia mudado, mantendo-se fiel a sua nova mulher, mas por mais que Don tentasse combater seus desejos, tudo que acaba despertando são instintos ainda mais primitivos. Ele chega a estrangular a amante e esconder seu corpo debaixo da cama, acreditando assim ter resolvido o problema em definitivo. Tudo que restam são suas pernas para fora, com um dos sapatos faltando, como na versão obscura de Cinderella contada por Michael Ginsberg aos clientes da Butler. Invertendo os papéis de suas fantasias, Don termina com a consciência limpa porque acredita também que Andrea pediu por isso. É a maneira como ele encara seus instintos, como quando culpava Betty por sua infidelidade, embora hoje Megan censure ele por isso.

Embora seus atos fiquem apenas no campo das ilusões, claramente remetem ao crime bárbaro cometido por Richard Speck naquela semana de 1966, quando assassinou oito estudantes de enfermagem em Chicago. Joyce visita a SCDP trazendo consigo fotos censuradas desse massacre, causando espanto e principalmente uma curiosidade mórbida de todo o pessoal. Menos de Ginsberg, que mostra-se o tempo inteiro horrorizado até enfim sair da sala, enjoado com o comportamento dos colegas, provavelmente ainda despertando memórias do Holocausto. Nada mais irônico Joan aparecer enquadrada dentro do forno logo em seguida. Mesmo que em momento algum esse crime fosse sugerido durante seu reencontro com Greg, acredito que também tenha motivado Joan a revirar traumas oprimidos em seu passado. Finalmente ela confronta o marido por aquele estupro antes mesmo de terem casado, sem grandes escândalos, apenas baseado nas suas lembranças e do próprio público (a cena nem chega a aparecer no recap antes do episódio). Para uma história que sempre se equilibra para não pender demais ao melodrama, foi importante que a decisão de terminar o casamento tenha partido da própria Joan, e não por um simples capricho do destino como muitos acreditavam (no caso, Greg morrendo na guerra). Afinal, a possibilidade de Joan triunfar no ambiente de trabalho enquanto mãe divorciada tem tudo para ser fascinante. Mad Men sempre se destaca pelo cuidado ao tratar de suas fortes personagens femininas (talvez rivalizando apenas com Game of Thrones atualmente) e esse "troco" de Joan, depois de tanto tempo, foi outra prova disso.
Já Peggy acaba faturando uma bolada às custas da negligência de Roger com a conta da Mohawk (esperamos que ele tenha ainda muita grana para sempre se prestar a esse papel ridículo) e tem de trabalhar sozinha até altas horas da noite na SCDP. Depois de se assustar com alguns barulhos pela agência, certamente ainda impressionada com as fotos do crime, Peggy encontra Dawn se preparando para dormir no sofá da sala de Don. Sem chance de voltar para casa por conta do tumulto nos protestos pelos Direitos Civis, Peggy oferece então seu apartamento, e essa visita acaba sendo uma chance de acompanhar o seu desconforto com essa situação. Primeiro porque ela tenta de todas as formas forçar que está entendendo os problemas de Dawn, desde os protestos até sua condição de minoria na agência. Segundo porque Peggy acaba sempre conduzindo a discussão para tratar de si mesma, interrompendo Dawn até por diversas vezes. E para completar, cria-se um impasse no meio da sala quando Peggy hesita em tirar sua bolsa do alcance de Dawn. Embora pareça bem semelhante àquele dilema de Lane no táxi há alguns episódios, nesse caso vejo certa complexidade por tratar do preconceito de uma forma reversa. Afinal, com todo aquele dinheiro, dificilmente Peggy largaria sua bolsa na sala, seja lá quem estivesse dormindo ali. Mas Dawn percebeu que ela hesitou, Peggy percebeu que tinha de dar crédito e agir com naturalidade, e assim sua atitude não poderia ser mais condescendente. Pode parecer um voto de confiança, mas mostra-se acima de tudo um preconceito inato, incapaz de esconder. Dawn ainda não apareceu tratada como deveria, dessa vez servindo apenas como mero embaraço para Peggy, mas espero que explorem ela com maior profundidade ao longo desta temporada.

Depois de curtas participações nos episódios anteriores, Sally Draper finalmente ganha uma história para si, tendo de lidar com a companhia da mãe de Henry na mansão mal assombrada por mais tempo do que imaginava. Por causa de sua curiosidade peculiar e a vontade de se envolver na conversa dos adultos, Sally acaba ficando sabendo também dos crimes de Speck, e isso parece enfim chacoalhar seu mundo de fantasias. Se toda criança alguma vez já se sentiu apavorada pelos monstros debaixo de sua cama, Sally busca refúgio justamente debaixo do sofá, provavelmente depois de saber como uma das vítimas se safou da morte. E talvez não exista metáfora melhor para indicar que a garota está finalmente perdendo sua inocência infantil. Os contos de fada começam a deixar de fazer sentido, não apenas para a garota, mas para todos esses personagens. Já dizia que a leveza do início da temporada tinha tudo para ser apenas passageira, e com as declarações de Matthew Weiner de que iremos acompanhar o declínio de Nova York no decorrer dos próximos anos, o massacre de suas ilusões, duradouras como o casamento de Joan, ou ligeiras como os instintos de Don, parece ser apenas o começo.

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
twitter.com/efuzii

2 comentários:

Selma disse...

Impossível não deixar um comentário e um agradecimento por esta (verdadeira) review, uma das mais ricas que já tive oportunidade de ler, na Internet.
Realmente, há tanta riqueza de interpretação que ouso dizer: ler suas considerações é um prazer em dobro, uma experiência interessante de ter duas leituras do mesmo episódio, uma, a primeira e mais imediata e a que vem depois quando leio o que você escreve.
Obrigada pela sua generosidade de partilhar conosco, as suas brilhantes hipóteses e deduções.
Um abraço
Selma

e.fuzii disse...

Puxa, muito obrigado mesmo pelos elogios e pela força, Selma. É um prazer escrever sobre minha série favorita, pode ter certeza, e ainda mais partilhar com leitores tão atenciosos e cordiais.
Já aproveito pra agradecer a outros comentários, aqui ou no twitter.
Valeu, gente. Grande abraço.