domingo, 14 de agosto de 2011

[Breaking Bad] 4x04 - Bullet Points


“Walter H. White... man of hidden talents” – Hank

“... if you really have to protect yourself, uh… disappear. Poof.” – Saul


Uma das coisas que mais admiro na 3ª temporada de Breaking Bad é a maneira como nos surpreende ao resolver situações que imaginamos que durarão por muito mais tempo: se após a premiere, acreditamos que os primos de Tuco passarão boa parte da temporada caçando Walt, no episódio seguinte eles já estão com um machado, sentados na cama do protagonista; se pensamos que a tentativa de Jesse vender a “blue meth” por fora ou seu plano para matar os traficantes de Gus vão causar problemas futuros, logo depois todos estão reunidos para uma solução “pacífica”. Não há enrolação na série, as coisas acontecem quando têm que acontecer, por uma coerência interna à narrativa e aos personagens, e não porque é preciso manter uma estrutura de 13 episódios por temporada. A grande sacada é que uma situação não se resolve sem gerar conseqüências ainda piores (os primos se contentam com um acordo que os leva a Hank – também resolvido no episódio seguinte; a morte do irmão de Andrea após o acordo de paz) e a trama não para de se movimentar.


O que nos leva a este incrível “Bullet Points”. Sabemos que um dia Hank descobrirá a história do “vício” de Walt, que o estilo de vida de Jesse não pode se sustentar sem preocupar Gus, que Walt ficará sabendo que Hank tem o caderno de Gale. O que não dava pra saber é que tudo isso viria agora, em um único episódio – e se as coisas acontecem quando têm que acontecer, não significa que tem que ser rápido e os dois últimos episódios me parecem um gradual e necessário desenvolvimento pra tudo explodir aqui. Outra qualidade ímpar da série é que sabemos que certas coisas acontecerão, mas como acontecem é que nos surpreendem: esperamos que Hank mostre a Walt o caderno e peça ajuda, mas faz muito mais sentido mostrar o vídeo que Gale fez de si (algo também coerente de existir, se lembrarmos das peculiaridades do personagem) para entreter Walt e Walter Junior. E aí temos aquela cena fantástica com as expressões faciais que só Bryan Cranston pode nos dar, em primeiro plano, enquanto Walter Junior e Hank riem ao fundo. O ridículo e o trágico, tão presentes na série, dividindo a cena.


Mais uma qualidade: os personagens agem como imaginamos que deveriam agir pessoas com aquele nível de inteligência, seus aspectos emocionais e psicológicos a partir do que vivenciaram ao longo da série. Não há situações em que nos pegamos pensando “por que (não) estão fazendo isso?”. No início do episódio me incomodei com Skyler e Walt treinando com as cartas, afinal ele estava até mesmo frequentando um grupo de apoio a dependentes. Mas logo Walt menciona isto, e Skyler se toca e concorda, mostrando que a necessidade em controlar tudo também tem suas falhas. A sequência toda é um primor de texto e atuação, com momentos hilários (o “yay” de Walt ao Skyler dizer que compraram um lava-a-jato), de discussão da relação e sentimentos externalizados (Skyler lembrando que nesta história toda ela acaba saindo de vilã, Walt simulando desculpas que apenas por um segundo parecem sinceras) e de ambos ao mesmo tempo (Walt mencionando Ted, o texto que Skyler criou pra ele o fazendo admitir que fez coisas estúpidas).


E é genial que toda esta preparação ganha contornos diferentes quando é chegado o momento da encenação. Walt acaba olhando para baixo, dizendo “terribly” (duas vezes!) e suas desculpas parecem bastante sinceras, tudo em novo contexto, após ver o vídeo de Gale. E como uma coisa sempre leva a outra nesta série, só assim para Walt descobrir o que se passa na casa de Jesse, já que ele precisa saber se não há nada na cena do crime que os incrimine. E aí, o homem que no início do episódio se incomoda com a obsessão de Skyler por detalhes, assume o papel da esposa e tenta forçar Jesse a lembrar de tudo que o personagem vem tentando se esquecer desde o início da temporada. Belíssimo roteiro.


Esta cena traz também mais uma grande atuação de Aaron Paul, com a câmera se aproximando lentamente de seu rosto, e seu estado chega ao extremo aqui, não se importando com o que acontece em sua casa, com o dinheiro roubado, nem mesmo com sua própria morte. Já era algo mais do que compreendido nos episódios anteriores, mas agora o vemos em interação com Walt, Mike e o momento em que sua situação será resolvida. Não vejo a série se livrando de Jesse, não só porque Paul é essencial a ela, mas o próprio personagem garantiu sua importância ao matar Gale. Matar Jesse é deixar Walt sem assistente e imprevisível em sua revolta, algo que Gus certamente não arriscaria. A solução será outra: reabilitação, choque de realidade (Mike o forçando a cometer um crime, talvez) ou mesmo ameaça a seu irmão caçula, provavelmente a única pessoa com quem Jesse se preocuparia a esta altura. Seja como for, a única certeza é que teremos uma solução surpreendente, talvez não exatamente no quê será feito, mas como se dará isso na tela, já que a série parece não cansar de nos deixar de queixo caído.


Outras considerações:

- Nao apenas Aaron Paul e Anna Gunn na já citada sequência inicial, mas grandes atuações por todos os lados: Dean Norris dá o tom exato de ambiguidade em cada frase e expressão facial, sendo a mais importante, claro, o momento em que associa “W.W.” a Walt. Até que ponto Hank desconfia de algo? Diria que não muito, por enquanto, mas um clique foi dado aqui, ainda que permaneça inconsciente. O confronto entre os dois é algo que a série prepara de forma interessante. Na temporada passada, a menção a um livro que faz justiça aos policiais que prenderam Pablo Escobar; aqui, de forma diferente, referência a “Operação França”, onde o policial acaba não prendendo o bandido.


- Bob Odenkirk também tem seu breve momento de brilho. Reclamei no post anterior sobre o uso de Saul para fins cômicos, às vezes exagerado, mas aqui não há só o advogado engraçado (preocupado em estar na lista de pessoas em perigo que Walt quer proteger), mas simpático a situação de Walt, oferecendo ajuda que seria, inclusive, uma forma de encerrar a série. Mais uma vez os roteiristas jogando situações e possibilidades que, nós como espectadores, certamente pensamos que deveria acontecer. Mas sabemos do orgulho de Walt (que preferiu matar Gale a servir de testemunha para a polícia, quando sugerido por Jesse – “the cook can’t stop”), e logo descartará essa possibilidade.


- Mas é mesmo Bryan Cranston de volta ao seu show particular o grande destaque. Cranston tem tantas facetas, sentimentos e situações conflitantes no episódio, que os votantes do Emmy que neste momento estão escolhendo o melhor ator do ano poderiam abrir um precedente e entregar o quarto prêmio seguido a ele, e provavelmente ninguém reclamaria. E é fascinante imaginar que este nem será o episódio de submissão de Cranston ano que vem, já que ainda temos nove episódios pela frente.


- Incrível como a série não deixa nem um personagem como Gale, já morto, sem ser enriquecido por detalhes. O karaokê com legendas em um idioma oriental, o poema de Walt Whitman (não tenho certeza, mas é possível que ele já tenha citado Whitman numa cena prévia com Walt) e o mais curioso, um adesivo de suporte a Ron Paul, candidato a presidência pelo partido republicano com ideais libertários condizentes com a visão de mundo de Gale (que na temporada passada explica a Walt o que pensa do trabalho deles) e parte do movimento político Tea Party (Tea? Gale? entendi). E não sei se foi proposital, mas bom lembrar que Gale acaba sendo morto por um (AA)Ron Paul...


- Gus retorna, ainda que brevemente. A cena começa com Mike observando atentamente um objeto na mesa dele, que parece ser uma navalha. O que Mike pensou ali? Nenhuma cena é subaproveitada, há sempre um detalhe enriquecedor.


- Falando em Mike, Breaking Bad volta a ter uma introdução sensacional, ao nos lembrar que os negócios de Gus vão além das preocupações com Walt e Jesse, numa sequência engraçada (Jonathan Banks impagável nas reações de Mike), bizarra (a orelha, o contraste da roupa de Mike com o clima mexicano) e que mostra todo o talento do personagem no que faz melhor, matar.




Hélio Flores
twitter.com/helioflores


6 comentários:

e.fuzii disse...

Entendo o quanto as pessoas podem ter se decepcionado com os episódios anteriores, mas tudo não passava de um processo de "reciclagem" da série, principalmente depois de seu bombástico final de temporada.

Por mais que todo o elenco mereça ao menos um breve reconhecimento individual, pra mim nesta temporada o show pertence a Aaron Paul, sem dúvida nenhuma. Não só porque Jesse é o personagem que mais se mostra fragilizados, como por ser o elemento "instável" nesta cadeia de produção. Assim como ele já havia dito que era muito pior Gus instalar a dúvida de que eles seriam dispensáveis, para Jesse pouco faz diferença, já que ele preferiu se afundar cada vez mais.

Incrível como esse episódio termina com ele sendo levado para a morte certa, com o rosto desvendado*, e ainda assim sereno, como se sua morte não fosse pior do que sua vida atual. Claro, Jesse não deve morrer (ainda?), mas Breaking Bad supera as expectativas justamente dando relevância àquilo que passaria batido como clichê, ou um gancho absurdamente interesseiro.

Excelente texto como sempre, Hélio. Abraços.

* algo que você não chegou a mencionar no texto foi o caso da mala roubada e o rapto do ladrão, com os olhos vendados. Outro exemplo de uma cena até certo ponto corriqueira mas que serve tanto para aproximar Mike de Jesse como para criar esse código entre os dois para a cena final.

Rodrigo Ferreira disse...

Mais uma vez, excelente análise do episódio, Hélio.

Sobre o destino de Jesse, posso estar errado, mas desconfio que o personagem morrerá no final desta temporada, SE a próxima temporada for realmente a última. Seria um gancho poderoso para uma temporada final.

Ainda assim tenho minhas dúvidas se Vince Gilligan e sua equipe de roteiristas estão dispostos a arriscar uma temporada inteira sem o Jesse, mesmo contanto com a atuação fabulosa de Bryan Cranston, e a complexidade de seu personagem.

Por outro lado, é de se levar em consideração o tratamento que vêm dando, especialmente nesta temporada, aos coadjuvantes. Seria este um indício de que estão preparando os expectadores para se afeiçoarem ao resto do elenco, como forma de compensar a perda iminente de um personagem central à trama desde a primeira temporada?

Hélio Flores disse...

Pois é, Jesse sem olhos vendados é uma boa sacada pra terminar o episodio, mas tambem nao sei ate que ponto os roteiristas queriam que acreditassemos na morte dele.

Acho curioso que muitos pensem nesta possibilidade, quando Jesse esteve em situação ainda pior na temporada passada, quando parecia nao haver solução ou argumento que sustentasse sua permanencia na serie. Aqui a propria situação permite que a gente pense em varias resoluções.

Algo que nao comentei neste trajeto do personagem é que precisa mesmo enfatizar as aspas em "instável". Jesse é o que raciocina mais claramente nessa letargia, sacando logo a mensagem de Gus (como Fuzii aponta aí em cima), não se importando com as cameras no laboratorio, fazendo seu serviço de forma competente mas automatica (reparem no episódio 2 como ele recebe o novo funcionário no lugar de Victor), nao se assustando com a ameaça de Mike em sua casa e, portanto, com mente arejada o suficiente pra sacar o lance dos olhos vendados.

Outra coisa que esqueci de comentar: ele é seguido pela camera neste episodio, de uma forma bem explicita, que entendi como um alerta a Walt (a cena se passa depois da conversa entre Walt e Saul, sugerindo que talvez o lugar esteja mesmo com escutas que o advogado nao detectou), e mesmo assim Jesse aparece em casa com amostras da "blue meth", que ele joga pra seus convidados. Nao sei se isso tera relevancia, mas é bom destacar.

E valeu pelos elogios, Fuzii e Rodrigo.

Abços.

@edumontel disse...

Parabéns cara, sua análise é tão detalhista quanto um episódio de Breaking Bad :)

E que bom que encontrei outra pessoa que acha que o Walter tá mais perdido que o Jesse, já estava me sentido excluído.

Outra coisa que eu não tenho tanta certeza quanto a maioria das pessoas é de que o Hank necessariamente prenderia o Walt caso descobrisse tudo, mas isso ainda é um futuro distante...

[ Alison do Vale ] disse...

Texto impecável, Hélio.
Faz o episódio ficar ainda melhor [se é que isso é possível...].

Quanto ao poema do Walt Whitman não é aquele que Gale recita para Walter no laboratório?

Hélio Flores disse...

Valeu, @edumontel e Alison!

Eu lembro que Gale recitava algo pra Walt, mas fiquei com preguiça de procurar em qual episodio isso estava. :)

Abços!