sexta-feira, 30 de setembro de 2011

[Louie] Segunda Temporada

Agora que já se passou mais de uma semana, estão todos conformados com os prêmios Emmy entregues nas categorias de comédia deste ano, certo? Ainda não? Tudo bem, a gente sempre acaba se contentando com algumas surpresas mesmo. Entre as indicações, um nome que apareceu como completo azarão foi o de Louis C.K. nas categorias de melhor atuação, talvez seu talento que menos chame atenção na série, e de melhor roteiro, algo que merecia reconhecimento no episódio em questão mas não na temporada em geral. Já havia escrito brevemente sobre Louie na minha lista de episódios favoritos do ano passado, mas terminada agora sua segunda temporada, senti a necessidade de adicionar mais algumas linhas. Para quem não conhece, Louie é uma comédia de meia hora completamente produzida -- e quando digo isso é literalmente escrita, dirigida e atuada -- pelo comediante Louis C.K., que recebeu carta branca do canal FX para colocar suas ideias mais mirabolantes no ar. O resultado disso são episódios geralmente imprevisíveis, que embora possam pecar muitas vezes em sua execução, surgem sempre a partir de ideias bastante inspiradoras. Por isso, Louie é uma comédia praticamente obrigatória para os amantes de televisão, por tentar quebrar tantas barreiras e desafiar altas convenções do gênero. Além de ser uma alternativa interessante para mais uma safra ridícula de novas séries na televisão aberta americana. A cada novo episódio Louis C.K. prova que seu talento não pode ser contido pelos lugares onde faz suas apresentações de stand-up, que mesmo quando comparadas aos muitos aspirantes brasileiros, fazem estes parecerem no máximo bons recreadores de acampamento. Alguns podem achar o tratamento às vezes um pouco "cru", outros podem considerar até grosseiro, mas em verdade trata-se de um retrato bastante autêntico da vida do autor, que em tantas cenas faz com que a ficção e suas próprias experiências se confundam e passem a se complementar.

Apesar de já dar amostras daquilo que pretendia com a série no ano anterior, essa segunda temporada mostrou um roteiro bem melhor desenvolvido, realmente determinado a fazer de cada conto uma crônica pessoal de sua vida. O humor de Louie passa longe de ser peculiar, de insistir em provocar a risada fácil, mas não deixa por isso de ser menos estimulante, principalmente por explorar o humor em terrenos às vezes até obscuros, como em momentos de tensão, medo, frustração, constrangimento, chegando a atingir o trágico, como no encontro com um antigo amigo à beira do suicídio. Dessa forma, Louie é provavelmente o retrato mais próximo da realidade em uma comédia a passar pela televisão, o que ao assumir seu tom auto-depreciativo torna-se sempre algo muito provocador. Em determinado episódio, quando Louie faz parte do elenco de uma sitcom, ele se recusa a continuar uma cena simplesmente por achar ridícula a mudança de humor para agradar a audiência. Pode parecer um exemplo patente até demais, mas para mim apenas simboliza sua forte personalidade. Porém, o que mais me chama atenção na série é que mesmo com este modo extremamente autêntico de pensar, Louis C.K. nunca deixa de lado sua humanidade, e isso fica bastante claro em dois episódios dessa temporada, provas definitivas de seu brilhantismo e certamente meus favoritos de toda a série.
O primeiro deles é "Come on, God!", quando Louie participa de um debate televisivo com uma católica fervorosa, crítica do ato da masturbação. O que nas mãos (ops!) de qualquer outro comediante seria cenário perfeito para atacar e desmoralizar a Igreja com certo deboche, acaba transformando-se numa discussão que toma rumos inesperados, deixando Louie cada vez mais encurralado pela falta de argumentos. Há tanto respeito para tratar do assunto de forma neutra, evitando qualquer tipo de julgamento, que ao final do episódio torna-se impossível duvidar que a moça possa ser realmente feliz com suas crenças. Mas sua simpatia durante as conversas e todas as conveniências de roteiro, nos fazem crer que Louie pode até ter alguma chance de quebrar seus votos de castidade. E ele próprio chega a acreditar nesta possibilidade, terminando obviamente rejeitado mais uma vez.
Em outra ocasião, no episódio "Duckling", Louie é convidado para apresentar seu show de stand-up aos soldados americanos no Afeganistão. O que ele não esperava era ter de cuidar de um filhote de pato, colocado em sua bagagem por uma de suas filhas para protegê-lo. Louis C.K. mostra extremo talento ao dosar essas duas situações, principalmente mantendo o pato escondido por quase todo o episódio até sua revelação no surpreendente e hilário desfecho. Assim, ele pode concentrar-se na experiência de entreter as tropas americanas, tentando aliviar um pouco a tensão que passam todos os dias. Experiência, aliás, que Louis C.K. viveu realmente no final de 2008 num tour que incluiu não apenas o Afeganistão, mas também Iraque e Kuwait (e que pode ser lido em um breve relato no seu blog pessoal). Aproveitando também a duração estendida do episódio, Louis tem a chance de adotar um ritmo mais cadenciado, quase documental, explorando o senso de perigo ao seu redor, os deslocamentos de um campo a outro, assim como a relação estabelecida com os outros artistas convidados. Tivesse esse episódio ido ao ar há alguns anos, poderia dizer que seria um forte concorrente ao Emmy. Já hoje, provavelmente não. Mas não é pela falta de reconhecimento que a série deixa de ser menos brilhante, muito pelo contrário, já que sua fama de azarão justamente é o que pode nos fazer acreditar num triunfo inesperado. E assim, quem sabe, finalmente tirar essas categorias de comédia do marasmo desses últimos anos.

Fotos: Divulgação.

e.fuzii
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