Pelo segundo episódio
seguido, “Breaking Bad” nos dá o que poderia ser o final da série. Walter White
preso pelo cunhado ou fugindo em liberdade deixando apenas dor para a família
sempre foram possibilidades para o fim e, da forma como executadas em “To’hajiilee”
e “Ozymandias”, seriam plenamente satisfatórias. É fascinante, então, como os
roteiristas conseguem com isto aumentar expectativas (já elevadas) para o
destino final do protagonista: agora seria possível algum tipo de redenção e
até mesmo um final feliz, ou a morte é inevitável como a imagem abaixo sugere?
E ainda deixam em aberto
algumas questões do flashforward: agora sabemos porque haverá um salto no tempo
(após seis episódios que se iniciam onde o anterior parou, com todos os
acontecimentos vistos passando-se em poucos dias), porque Walt está disfarçado
e porque a vizinha Carol se assusta tanto com sua presença; mas não fica claro
qual será seu plano e se as armas em seu porta-malas são mesmo para vingar a
morte de Hank e a perda de seu dinheiro. Mas pelo menos derruba de uma vez a “teoria macabra” que fãs não se cansam de compartilhar...
O que “Ozymandias” faz é mostrar
que a prisão é um castigo muito pequeno para a quantidade de pecados cometidos
por Walt ao longo dessas cinco temporadas. São 47 minutos quase insuportáveis
de se ver, com um impressionante número de coisas terríveis acontecendo e sendo
ditas por e para cada um dos principais personagens. E não se trata de simples sadismo
(como também o protagonista não é um monstro, anti-herói ou sociopata), pois
tudo de cruel e chocante visto serve perfeitamente à lógica interna, do que
Vince Gilligan sempre pareceu deixar claro como proposta: de que toda ação tem
uma reação, que escolhas erradas levarão a escolhas ainda piores, e que as
consequências vêm em forma de “ironia cármica”. A maior evidência disso é o
acidente de avião que encerra a segunda temporada, punição vinda diretamente do
céu que serviria perfeitamente como fim da jornada de Walt (esse “Lucifer-ex-machina”,
como bem definiu Gilligan, foi criado numa época em que não havia garantias de
uma terceira temporada).
Walt atribui culpa a Jesse
pela morte de Hank, e realmente seu cunhado estava ali em To’hajiilee porque
Pinkman decidiu colaborar com ele, colaboração que só veio porque descobriu que
Walt envenenou Brock, algo que precisava ser feito para que Jesse estivesse ao
seu lado contra Gus, que precisava ser morto por ter ameaçado a família de Walt,
ameaça feita porque Walt estava se tornando imprevisível e paranoico... e
podemos continuar até a decisão do protagonista em fabricar metanfetamina pela
primeira vez. Uma cadeia de eventos que só resulta em catástrofe, onde o ponto
mais baixo é sempre o episódio mais recente. Seria possível, então, que os dois
episódios restantes superariam o que vemos em “Ozymandias”? Porque não foi
pouca coisa:
“The reaction has begun.” –
Walt
Abertura
e tiroteio – Confesso não ser dos maiores fãs do tipo de gancho
deixado pelo episódio passado, interrompendo um clímax para maior efeito e
choque, algo já visto em “Confessions” com Jesse e a gasolina; mas felizmente
eles não retomam de onde a ação parou, já nos revelando o que houve com Gomez, e
a abertura (ou “cold open” no jargão das séries) é algo realmente brilhante, ao
retornar para o início de tudo, situando o local do tiroteio também como lugar
da primeira mentira dita a Skyler, reforçando a ideia de cadeia de eventos que
culminam no momento atual, incluindo a peculiar ironia simbolizada pela escolha
que Skyler faz dos objetos enquadrados (agora, o telefone; mais tarde, a faca).
A sequência também é carregada de tristeza na imagem de Jesse, ao fundo,
brincando distraidamente.
“My name is ASAC Schrader. And you can go fuck
yourself.” – Hank
Morte
de Hank – Como havia comentado antes, realmente achava que uma
solução genial salvaria Hank. Como matar um personagem tão importante no início
de um episódio? É verdade que isso ocorre em outra série brilhante (não direi
qual pra não estragar nada pra quem não viu), mas fui enganado pelo hábito de “Breaking
Bad” em tomar rumos inesperados e nunca nos dar o que achamos que irá
acontecer. Aqui acontece o que tinha que acontecer, com um pouco mais de
crueldade do que precisava (Walt conseguindo a atenção de Jack por algumas
vezes, adiando o inevitável; Rian Johnson filmando como se deuses estivessem
decidindo o destino de um pequeno mortal), mas dando alguma dignidade ao personagem em
seus últimos momentos. E apesar de sua morte ser um final mais impactante pra “To’hajiilee”,
só poderia vir agora, como a primeira de uma sequência de coisas desagradáveis –
e só após a seguinte que teremos os créditos iniciais, ou seja, com 20 minutos
de episódio, algo raro (se não inédito) na TV.
“I watched her overdose and choke to death. I could have saved her. But I didn’t.” – Walt
Jesse
e Jane – Na época da exibição de “Fly”, único episódio em que
Walt esteve perto de dizer a Jesse a verdade sobre Jane e também dirigido por
Johnson, escrevi que este seria um segredo que poderia nunca vir à tona. Não só
pela dificuldade de ser revelado, já que apenas Walt sabia sobre ele, mas
também porque não via como algo que precisava ser explorado. Mas “Breaking Bad”
não é como “The Sopranos” (série que tenta ser tão ampla quanto a vida pode ser
e segredos permanecem assim para sempre, como algo forte envolvendo a
personagem da Lorraine Bracco) e no seu conto de horror moral tudo importa e
volta pra nos assombrar. E que incrível deixar esta revelação ser o golpe mais
cruel de Walter White. Comentei no texto anterior que certamente ele iria
querer uma morte lenta e dolorosa pra Jesse, e isso conseguiu ser muito pior. Sobre
o flashforward também não sabemos se Walt tem alguma ideia do que aconteceu com
Jesse, mas o encontro entre eles é inevitável e mal posso esperar pelo tipo de resolução
que os roteiristas prepararam pra este embate final.
“Times are getting hard boys
Money's getting scarce
Times don't get no better boys
Gonna leave this place.”
Money's getting scarce
Times don't get no better boys
Gonna leave this place.”
Take My True Love By The Hand, by The Limeliters.
Sísifo – É
preciso um pouco de contorcionismo filosófico pra encaixar o Mito de Sísifo
(aquele condenado a rolar uma pedra até o topo da montanha, só pra que ela
caísse e ele voltasse para rolá-la novamente, dia após dia) nesta história, mas
foi do que lembrei quando vi a sequência da imagem acima. Na pior das
hipóteses, Walt também é um trágico e condenado personagem prestes a um vazio
existencial tão grande quanto o deserto que o cerca. Não convence, né? Então fiquemos
com o folk da banda The Limeliters, que acompanha Walt em sua jornada por
transporte, e a divertida sacada de colocar em cena a calça do piloto da série.
“If this is true, then how could
you keep this a secret?” – Walter Jr.
“I'll be asking myself that for
the rest of my life.” – Skyler
Flynn – A
única pessoa que ainda não sabia o que estava acontecendo, imagino que Flynn nunca
mais irá querer ser chamado de Walt Jr... A revelação, que também sabíamos que
chegaria um dia, talvez tenha sido menos impactante do que esperava, muito
provavelmente pela correria do formato de oito episódios, mas RJ Mitte
aproveita cada segundo do tempo que lhe é dado. Como a sugestão de Marie em
contar tudo para o sobrinho veio em montagem paralela ao retorno de Walt para a
cidade, achei que haveria uma interrupção. Mas a descoberta neste momento
resulta no diálogo citado acima, importante para a postura tomada por Skyler em
casa. E, claro, para que a dissolução da família White se torne completa. Ou
quase...
“What the hell is wrong with you!
We’re a family!” - Walt
Skyler e Holly – É
realmente fantástico que no meio de tanto drama, suspense e tensão, o maior
deles seja justamente uma briga doméstica. Skyler faz jus às suas palavras da
quarta temporada (“alguém tem que proteger a família do homem que protege afamília”), embora não consiga ao final ser tão rápida como em “Buried” quando
Marie tentou fazer o mesmo que o cunhado. Li muita gente acreditando que Holly
é levada como parte do plano que Walt executa no fim, mas acho que fica claro
na cena “Mamama”, que nada mais foi do que o impulso de um homem que precisa
estar no controle de tudo, num misto de tentativa de salvar alguém da família e
recomeçar com ela do zero, especialmente alguém que não sabe os segredos mais
sujos do pai.
“How dare you?” – Walt
“I’m sorry.” – Skyler
O
telefonema – Também vi muita discussão sobre o quanto de
sinceridade e dissimulação estaria por trás do telefonema de Walt. É óbvio que
o objetivo principal é isentar Skyler de qualquer atividade criminosa e assumir
a culpa por tudo o que aconteceu. Mas há uma ambiguidade maravilhosa, em que
ressentimentos são colocados pra fora e um sacrifício é feito pela família. Não
é nenhum tipo de redenção ou tentativa de enfatizar um lado bom do
protagonista. Ao contrário: não há mais nada de bom a oferecer, só resta se tornar
Heisenberg para que danos sejam minimizados. Anna Gunn está sensacional (quando
pede desculpas, sabemos imediatamente que ela entendeu o objetivo de Walt), mas
Bryan Cranston mais uma vez se supera, ao viver Walter White e Heisenberg ao
mesmo tempo. É comovente, e toda a emoção que os atores colocam em cena tem
efeito mais devastador porque parece que a série foi feita para chegar àquele
momento.
E também porque faz uma bela
rima com a abertura do episódio. Se tudo começa com uma mentira sobre chegar
tarde em casa, agora Walt é apenas vago com Skyler, quando ela pede pra que ele
volte: “Ainda tenho coisas parar fazer”.
Só nos resta aguardar roendo
as unhas.
Hélio Flores
2 comentários:
Excelente texto!
Parabéns.
Renata
parabéns pelo texto, ótima análise =P
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