quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

[Terriers] A melhor estreia de 2010

ou Como terminei este ano
(este texto não contém spoilers)
Para aqueles que me seguem no twitter, não deve ser novidade alguma minha admiração por Terriers. Alguns provavelmente até perderam a paciência por lerem tantos elogios semana após semana. Mas há algumas semana atrás, caiu como uma bomba -- ao menos para aqueles que acompanharam a série -- o anúncio do próprio presidente da FX, John Ladgraf, vindo a público justificar o cancelamento após uma brilhante primeira temporada. Isso pode parecer pouco usual, ainda mais para a produção do canal com menor audiência de todos os tempos. Para os executivos da FX, a razão para Terriers não ter vingado estava nas delicadas sutilezas de seu roteiro, que exigiam um certo compromisso dos espectadores até que fossem de fato cativados. Já outros atribuem o fracasso de audiência ao péssimo trabalho de marketing, desde o nome que levava a crer que se tratava de uma história ligada a cães, como por todo o material de divulgação. Mas não quero me aprofundar nestas questões, porque o importante mesmo é que através deste anúncio, o presidente da FX tinha consciência da qualidade que estava levando ao ar. Claro, não foi a primeira e nem será a última vez que isso acontece, mas faço questão de deixar registrado meu tributo final a Terriers, quem sabe servindo até para que alguém ainda venha a se interessar pela série. Só digo que assim como tantas outras a integrarem a lista de canceladas injustamente, num mesmo patamar que incluiria Freaks and Geeks e Firefly, Terriers continua valendo a pena ser vista porque a primeira temporada fecha a maioria de seus arcos e conta com um final bastante satisfatório. E claro, como se isso já não bastasse, a jornada de seus personagens durante os 13 episódios é extremamente gratificante.

Confesso que não é nada fácil escrever sobre a série, ou tentar explicar por que esta é a melhor estreia de 2010, num ano que tivemos novas produções assinadas até por David Simon e Martin Scorsese. Como sempre seu sucesso -- em termos de qualidade, claro -- pode ser atribuído a uma combinação de fatores, a começar pela parceria de seu criador Ted Griffin, roteirista de Ocean's Eleven, com o produtor Shawn Ryan, criador de The Shield. Ironicamente a série também trata da relação estabelecida entre uma dupla de investigadores particulares, Hank e Britt, envolvidos toda semana em histórias praticamente tiradas de um filme noir clássico, ambientadas numa ensolarada Ocean Beach. Como se pode reparar, eles não estão presos a velhas convenções do gênero, em que um personagem segue a risca a cartilha para combater o crime enquanto tenta lidar com a rebeldia de seu parceiro. Muito pelo contrário aliás, ambos trafegam nestas duas direções quando tentam levar os casos até suas últimas consequências e não fazem a menor questão de esconder suas imperfeições. O passado dos dois não poderia ser mais significativo: Hank é um ex-policial dispensado do serviço por desvio de conduta, e Britt é um ex-criminoso acusado de crimes leves. Portanto, a série não mostra nenhuma predisposição para julgá-los, o que garante que mesmo nas suas piores decisões ou impulsos, os personagens tenham profundidade suficiente para se manterem sempre cativantes.
O lema de Terriers é que Hank e Britt são "pequenos demais para falhar", o que já gerou todo tipo de paralelo com a questão do cancelamento prematuro. Porém, a fama de azarões já pode ser acompanhada desde seu início quando a série começa apresentando um longo arco, parecendo muito maior do que eles poderiam suportar, mas que logo é moderado e dá lugar a pequenos contos de Ocean Beach, dando vida à cidade diante de nossos olhos. Esses casos aproximam cada vez mais a dupla, que com seu bom humor e perspicácia provam ser capazes de resolver qualquer problema enquanto juntos, mas que separados continuam tendo poucas chances de sobreviver. Afinal, em meio a tantas conspirações, viradas de roteiro, mentiras, chantagens e até assassinatos, Hank e Britt mostram que no fundo travam conflitos ainda maiores em seus corações, a medida que tentam conquistar o respeito das mulheres que tanto amam. Hank continua apegado ao seu relacionamento com Gretchen, que agora está prestes a se casar novamente. Britt vive um sólido namoro com Katie, mas diante de uma previsível estagnação tem medo de tomar um passo adiante. Vale destacar também a participação da irmã de Hank, mentalmente instável demais para conviver em sociedade, mas que garante momentos intensos logo quando tira os personagens de suas zonas de conforto. Aliás, esse talvez seja o principal destaque do roteiro da série, exigindo sempre o máximo de todo seu vasto elenco de atores. Sabe quando você admira um ator mas lamenta pelas poucas chances dadas para mostrar seu talento? Ou quando sente certo alívio pelo cancelamento de uma série, torcendo para que alguns dos atores possam ter melhores oportunidades? Pois em Terriers ocorre justamente o contrário: Donal Logue e Michael Raymond-James tem a atuação de suas vidas e em poucos episódios já criam uma sintonia impressionante. Certamente o maior pecado deste ano, e a principal razão para se lamentar o cancelamento da série, seja a separação forçada desta parceria que prometia ainda nos surpreender e durar por muitos e muitos anos.

Fotos: Divulgação.



Sentia que Terriers merecia esse texto principalmente para compensar a recepção fria dos "entendidos" em televisão de nosso país, capazes de descartá-la apenas assistindo ao episódio piloto. Se cabe um desabafo aqui, apesar de 2010 ter sido excelente para a televisão tanto pelas estreias quanto pela superação de muitas séries nessa temporada, acho que nunca havia me deparado com tantos textos equivocados ao longo de todos esses anos. O fênomeno dos blogueiros que tudo sabem parecia ser passado, mas nunca se viu tanta gente com opinião sem embasamento neste meio, chegando ao cúmulo de ainda se referir às séries como enlatados americanos, apenas para concluir que a televisão emburrece os homens. Isso sem esquecer de todos aqueles que pularam de pára-quedas no assunto agora que a grande Cahiers du cinéma resolveu dar capa a Mad Men. Gente que ensina aos outros o que deve assistir, que faz listinha das séries "de qualidade", que faz birra quando sua série é cancelada. Gente preocupada com audiência, sendo que nosso país vive na margem disso tudo, se contentando com migalhas trazidas pela televisão a cabo através de syndication ou de curiosos que procuram pelas novidades na internet. A questão não é quantidade de informação, mas qualidade. Enquanto no mercado americano vemos críticos cada vez mais competentes despontando e tendo oportunidades, aqui não temos sequer um norte para seguir e precisamos nos contentar com opiniões distribuídas a esmo. A esse respeito, vale uma lida num texto do Jim Emerson fazendo uma interessante parábola entre crítica de cinema e uma cena de Rubicon -- outra das séries estreantes a ser cancelada nesta temporada --, e que acaba também motivando uma discussão valioso no campo de comentários. Crítica, para ele, não é uma questão de reduzir um episódio ou uma série à sua opinião, mas o inverso, aprofundá-los através de suas percepções. Enquanto ninguém estiver disposto a encarar a televisão com essa seriedade (que não deve ser confundida com rigidez ou formalidade), continuará sendo tarefa árdua acompanhar os blogs ou cadernos de jornais dedicados ao assunto.

Bem capaz de na semana que vem ainda ir ao ar minha lista de episódios favoritos do ano, contendo também análise das temporadas dessas séries. Até lá um feliz Natal a todos!

e.fuzii
twitter.com/efuzii

2 comentários:

Guilherme Peres disse...

Se a série não fosse espetacular como é, eu já taria cansado há tempos do tanto que a crítica americana paga pau pra Terriers. Mas ela merece. E é criminoso como foi ignorada por aqui (mas perdoável principalmente pela falta de legendas).

Mas o que me deu vontade de comentar foi a última parte do texto, que anda MUITO pertinente nesses últimos meses. Me irrita pra caramba como as opiniões em uma cacetada de textos são jogadas de maneira arbitrária, como se a principal credibilidade pras críticas -- positivas ou negativas -- seja a quantidade de séries que a pessoa assiste. Boa parte das pessoas não tão exatamente afim de mergulhar em cada episódio, entender as nuances de cada série, etc. -- e isso tá OK, a TV também pode funcionar como um desliga-cérebro. Mas acho que a partir do momento em que algumas pessoas se dedicam a escrever sobre as séries e analisar cada episódio, a coisa merece um cuidado maior que não vem acontecendo.

Eu não me incomodo com textos mais descompromissados de fãs pra fãs, porque como 90% dos blogueiros de séries não recebem um centavo pra escrever, o legal muitas vezes é só jogar o episódio pra discussão. Só que aí quando isso alcança alguns lugares onde essa análise é DE FATO trabalho remunerado dos autores, parece que o meio em si dá uma falsa credibilidade pra eles espalharem SÓ a opinião deles -- e não o porquê da opinião deles existir. Ou pelo menos um porquê coerente.

Enfim, é isso. Texto que dá vontade de postar comentário gigante = aprovadaço :)

e.fuzii disse...

Obrigado pelas palavras, Guilherme!

Pode ter ficado até confuso, mas também não condeno de forma nenhuma quem escreve textos descompromissados ou irreverentes. Gosto e sei que temos lugar para todos. Mas quem se compromete a escrever semanalmente sobre determinada série tem que ter algo pra falar (até screencaps de humor, como num bestweekever). Se basta ser superficial, não vejo porquê tirar essas discussões das redes sociais (ou fóruns), que é seu lugar de direito.

Como disse há um tempo atrás, mediocrizaram as críticas e ninguém percebeu, provavelmente porque também estava mais interessado em ser lido. Basta comparar, já que a maioria dos blogs são coletivos, com um avclub por exemplo. A diferença de qualidade é brutal. Mas parece que pelo jeito temos preocupações por aqui muito mais importantes...

E claro, como você disse, isso sem contar quem é remunerado em grande veículos para escrever esses textos pavorosos. Mas isso torna a discussão ainda maior, sobre a "indústria" de entretenimento como um todo.

Abraços!