quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

[FILME] Sangue Negro

"There Will Be Blood". Um filme de Paul Thomas Anderson baseado no livro "Oil!" de Upton Sinclair.
Fotografia de Robert Elswit; editado por Dylan Tichenor; trilha sonora por Jonny Greenwood; produzido por P.T. Anderson, JoAnne Sellar e Daniel Lupi. Duração: 2 horas e 38 minutos.

Com Daniel Day-Lewis (Daniel Plainview), Paul Dano (Paul Sunday/Eli Sunday), Kevin J. O’Connor (Henry), Ciaran Hinds (Fletcher) e Dillon Freasier (H. W.).

Em sua quinta obra como diretor, Paul Thomas Anderson vem novamente provar seu domínio da linguagem do cinema numa obra-prima, centrada em um figura que beira o horror. Acompanhamos a história de Daniel Plainview, um dos primeiros barões do petróleo, no início do século passado. Sem muito o que contar sobre seu passado, somos introduzidos ao personagem numa cena muda de quase 15 minutos, em que Daniel busca solitário por preciosidades em uma mina. Após sofrer uma queda e quebrar a perna, ele é obrigado a voltar arrastando-se por vários quilômetros. Sua primeira precaução, antes mesmo de visitar um médico, é certificar-se que a pedra encontrada era valiosa. E quando é confirmado que seu esforço valeu a pena, Daniel ainda consegue abrir um sorriso triunfal. Isso já parece o suficiente para caracterizar o isolamento de Plainview, mas o que vimos a partir daí é a dura jornada de quase 3 décadas de um homem tentando sobrepujar o mundo onde só enxerga o pior.

Alguns anos depois, já no início da exploração do petróleo, Plainview acompanha a morte durante a dura tarefa de um de seus companheiros, que acaba deixando um filho órfão. Adotando o bebê como seu, Plainview "batiza" o menino usando do próprio óleo, o que não deixa de significar o modo como tratará esse filho dali para frente. Além de usá-lo como forma de ganhar confiança nos lugares onde pretende explorar (dizendo ser "homem de família"), Plainview considera H.W. como seu sócio, como se os negócios/petróleo os unissem.

Através da indicação de um garoto, Daniel Plainview chega à cidade de Little Boston e promete trazer a riqueza subterrânea para a árida e pobre vida de sua população. Ali é onde os primeiros conflitos começam a acontecer, hora com as grandes empresas questionando e menosprezando seus esforços, hora com seu adversário na cidade, o carismático pastor Eli Sunday, seguido de perto por vários devotos. Ambos parecem a todo momento pregar para a população, em um interessante embate entre enriquecer ou obter a salvação espiritual. Seu orgulho e crença fazem com que um tente vencer ao outro, mesmo que uma união dos dois talvez fosse o plano perfeito. Um tenso relacionamento que permeia a sociedade americana desde sua fundação.
Pela sua importância como combustível, o petróleo é o que move nosso mundo e, através de seu desprezo pela humanidade, também move Daniel Plainview. Assim como no descontrole de sua extração, a personalidade de Plainview também está prestes a entrar em erupção a qualquer momento, causando destruição e deixando vítimas. Ele é apenas uma pequena amostra do que as grandes empresas e até os governos são capazes quando também tem o "sangue negro" correndo em suas veias. É isso que dá um caráter crítico e universal ao filme, alcançando além de seu realismo, um espetáculo cinematográfico.
"Sangue Negro" é um filme que atinge o ritmo certo, com elegantes passagens de tempo e sempre com cenas relevantes e de profundo significado. Feito para brilhar no papel principal, Daniel Day-Lewis tem sua melhor atuação da carreira ao conferir a segurança de Plainview, mas sempre deixando o espectador instigado com sua inesperada próxima ação. Já Paul Dano é subestimado em mais um de seus papéis, encarnando de forma convincente todos os sermões do jovem pastor Eli Sunday.
Depois do órgão harmônico de "Punch-Drunk Love", Anderson consegue atingir uma complexidade ainda maior ao explorar os sons naturais e acidentais do mundo, ao lado da tensa trilha sonora composta por Jonny Greenwood (guitarrista do "Radiohead"). Às vezes com arranjos dissonantes, às vezes até descompassados, o som garante um desconforto ainda maior do espectador e não parece à toa que um dos personagens fique surdo no meio da projeção.

Em seu ato final, já estabelecido como grande barão do petróleo, reencontramos Daniel Plainview perto da época da recessão americana, renegando seu filho por querer trabalhar sozinho. Eli Sunday também faz sua última visita, desesperado com sua situação financeira, a ponto de ir contra seus próprios princípios. Porém, se já não fosse o bastante humilhá-lo, Plainview precisa fazê-lo vítima no ápice de sua crueldade.
E depois de extrair essa última gota o filme termina, esgotado junto de Daniel Plainview, que diz: "I'm finished". Uma pena que pela "barreira" entre as línguas a legenda em português não consiga transmitir toda a profundidade dessa frase. Mas filme bom é assim: escrever centenas de palavras e constatar que elas falham em ir além da superficialidade. Talvez ficar em silêncio e acenar com um sorriso triunfal já fosse o suficiente.



e.fuzii

9 comentários:

Anônimo disse...

Fuzii, comenta sobre Juno. Não merecia estar entre os cinco indicados as Oscar? Ok...mas é bacana o surpreendente pra receber um comentário.

Ou não?


Valeu!

Hélio Flores disse...

Pois é, eu tb gostei muito do Juno. Infelizmente, nao vi o Sangue Negro, entao nao me arrisquei a ler o texto todo do Fuzii. Nao acho que seja menos que um filmaço, pq o PTA é um cineasta do caralho.

Agora, quanto ao que a fã do Fuzii disse, acho que Juno mereceu sim a indicação. Talvez nao esteja entre meus 5 melhores filmes do ano, mas acho bem mais interessante do que Atonement e Michael Clayton juntos.

Anônimo disse...

Hélio...se o fuzii não quiser comentar sobre Juno, comente você então. Você também é muito foda!

Abraços.

e.fuzii disse...

Querida fã anônima,

"Juno" merece a indicação e só não melhor do que "Sangue Negro" mesmo.
Como assisti há algum tempo, talvez não seja pessoa mais indicada para falar do filme, mas prometo que o texto estará aqui até a semana que vem, com Juno ganhando Oscar ou não.

Grande abraço!

Anônimo disse...

Ah...que bom! Na verdade eu também acho que Juno merecia a indicação, só disse o contrário porque já vi tanta gente por aí com restrições a esse trabalho, então não quis superestimar demais o filme e vê-lo menosprezado por alguém. Mas fico feliz que você também tenha gostado.


Ah, e parabéns pelos seus textos, são muito bem escritos. Só não comentei sobre Sangue Negro porque não o assisti ainda.


Beijos!

Anônimo disse...

Ah...mais uma coisa: sou só eu ou você também acha que a melhor chance de Juno de levar algum Oscar é em roteiro original? Queria muito que Ellen Page levasse, mas aí já é bem mais difícil, né?


Beijo.

e.fuzii disse...

"Juno" é o grande concorrente na categoria de roteiro adaptado, mas nas outras é praticamente zebra. Elle Page é fofíssima, mas não deve (e nem pode) ganhar da sublime Julie Christie. Se ela vendesse ingressos para ler a lista telefônica, eu compraria fácil...

Hélio Flores disse...

Ê, ganhei uma fã por tabela, olha que legal. :P

Enfim, acho que mais tarde vou postar minhas previsoes para o Oscar, como forma de me redimir por nao escrever sobre os filmes.

e.fuzii disse...

Sim, Hélio!
Faça isso! Aliás, você poderia comentar o Oscar ao vivo também, né?
Só para não ter de aguentar o Rubão ou a Maria Beltrão. :)