quarta-feira, 25 de março de 2009

[Battlestar Galactica] 4x19 e 4x20 - "Daybreak" Season Finale




“Battlestar Galactica” chegou ao fim e eu estou bastante satisfeito com os episódios finais. Mas não sei se entendo aqueles que não gostaram. Já havia comentado antes que uma das maiores lástimas em relação à série era o pouco tempo que deram a Ron Moore e cia. para concluírem a saga. Daí que parecia um grande choque e uma grande audácia terem começado “Daybreak, part 1” com flashbacks de Roslin, Adama, Lee, Kara, Roslin e até Anders meses ou anos antes do ataque à Cáprica. Como ousam, com apenas três episódios para resolverem tantos mistérios, dedicar um precioso tempo para contar histórias que não acrescentam nada à trama?!




O fato é que, muito mais do que uma mitologia bem construída, estimulante e misteriosa, “Battlestar Galactica” garantiu seu lugar na história da TV por conta de sua vasta coleção de personagens interessantes e complexos, com dilemas e relacionamentos emocionalmente fortes. Para além das grandes batalhas e dos grandes mistérios, havia um interesse e respeito genuíno pelo ser humano e questões pertinentes à humanidade e sua capacidade de amar, de se relacionar com os outros, de se organizar política e religiosamente. E, com tão pouco tempo para concluir esta incrível saga, era preciso alguns sacrifícios: ou se investia em resoluções bem elaboradas dos mistérios existentes ou se investia nos personagens que convivemos e aprendemos a admirar nestes cinco anos de série. Felizmente, os autores optaram pela segunda opção.




Os flashbacks não só nos deram algumas belas sequências de forte impacto emocional (como aquela em que as lágrimas de Roslin se misturam à água da fonte), mas também envolveram os últimos episódios num clima de melancolia e despedida que tornou muito mais intensa a experiência de se assistir ao fim de uma jornada tão memorável como foi a destes personagens. Talvez o exemplo mais forte deste carinho pelos personagens veio com o flashback de Boomer, imediatamente após sua morte: ao despedir-se dela com uma sequência que a mostra ainda iniciante prometendo um dia recompensar Adama, não só fecha o ciclo da personagem (e essa idéia de fechamento vai perpassar a maior parte dos protagonistas), como ainda consegue revelar um pouco de suas motivações durante a série (a tentativa de suicídio na 1ª temporada e todos os seus comportamentos “de risco”) quando Adama comenta sua culpa por ser a única sobrevivente de sua família. Um tempo precioso gasto com uma sub-vilã, diria uns, mas para mim um dos momentos mais bonitos deste final.



Momentos bonitos, aliás, não faltaram nestes três episódios. Quando vi reações negativas à “Daybreak, part 1”, concluí que quem não gostou é porque vê “Battlestar Galactica” pelos motivos errados. Como assistir com indiferença a tragédia com a família de Roslin? Ou o início do relacionamento entre Caprica Six e Baltar através do pai deste último? E os momentos finais do episódio com a convocação de Adama para a batalha final? Quando Roslin atravessa a linha que divide o grupo, eu já estava emocionalmente arrasado.




Já o episódio final, foi claramente dividido em duas partes muito distintas. A primeira, com a espetacular batalha final. Não sei se foi a grande batalha de uma série cheia de grandes batalhas. Talvez a proximidade do fim a torne mais forte que a fuga de New Caprica em “Exodus”, por exemplo, mas o fato é que os efeitos especiais nunca pareceram tão maravilhosos. O penúltimo salto da Galactica nos deu uma visão absolutamente desesperadora, especialmente porque os episódios anteriores apontaram um caminho de pessimismo e desesperança que pareciam se concretizar naquele momento. Felizmente, a ação foi conduzida com bastante versatilidade, incluindo uma empolgante luta entre centuriões e participação ativa de quase todos os personagens.




A conclusão deste confronto também foi bastante satisfatória. O discurso de Baltar, finalmente aceitando o misticismo que ele tanto pregou na última temporada com os propósitos mais ambíguos, e o acordo de Tigh em fornecer o segredo da ressurreição a Cavil só não foram mais surpreendentes que a forma como tudo acabou: Tyrol, demasiadamente humano, estragando a festa Cylon, e Cavil cometendo o mais covarde e inesperado ato. Confesso que não me passou pela cabeça a morte de Cally quando Tori (a Final Five mais inútil desta e de todas as galáxias) pediu para que relevassem os mais sórdidos segredos de cada um. O que tornou a sequência muito mais empolgante pra mim. Já o final de Cavil foi idéia do próprio ator Dean Stockwell (segundo consta na entrevista coletiva de Ron Moore), o que me parece perfeitamente coerente com esse tipo de vilania. Além do impacto da cena, obviamente.




A segunda parte foi destinada a uma longa, triste, bela e necessária despedida dos personagens, ao se estabelecerem no nosso planeta, que surpreendentemente não é a Terra original e casa perfeitamente com algumas idéias da série. Aqui, o acerto é enorme. Uma das coisas mais admiráveis desse final é como os autores conseguem fugir da explicação totalmente religiosa, ao abraçar crenças, fé e ciência, sem defender um único ponto de vista ou explicação para tudo que vimos. Se Baltar fala de algo além do bem e do mal, como força divina que misteriosamente conduz a vida (e não importa se é Deus ou Deuses), o processo evolutivo está ali, firme e forte. Até os fiéis da Cientologia podem ficar felizes com a afirmação de que a vinda de extraterrestres contribuiu para a vida na Terra!




Mas agradar a gregos e troianos não significa um esvaziamento de conteúdo. O que “Battlestar Galactica” defendeu neste final foi uma nova forma de se relacionar e de se pensar a vida. Não houve momento mais politicamente relevante que aquele em que Lee Adama toma a decisão de não construir cidades e abandonar toda a tecnologia que tinham: o diálogo entre ele e seu pai sobre o que podiam oferecer aos “selvagens” do planeta remete imediatamente aos processos de colonização que os europeus iniciaram ao descobrir as Américas, ao eliminar a cultura dos índios locais. E, claro, não precisamos voltar tanto na história, ao lembrarmos da aculturação e xenofobia provocadas pela globalização e relações de “troca” entre os países de maior poder econômico e os menos favorecidos. A proposta de Lee (que, antes, em toda série só havia sido relevante no julgamento de Baltar) valoriza a alma (seja lá o que isso for, e pessoalmente eu falaria em ética) em detrimento da ciência e do poderio militar e tecnológico. Mais do que politicamente correto, me parece uma mensagem saudável e coerente com todas as discussões que a série já trouxe.




O final, 150 mil anos depois, também me agrada muito. A crítica parece óbvia (e ainda assim a imagem do sem-teto diante da vitrine com um robô não deixa de ter sua força, especialmente por exemplificar o que Lee temia acontecer), a idéia do eterno ciclo perdura, mas fica também a esperança (matemática, que seja, segundo Head Six) de mudanças. A fé não é em um deus (que absolveria a humanidade de qualquer ação), mas sim no homem. Head Six e Head Baltar, como anjos ou demônios que a tudo observam, andando pela Times Square é uma cena final bastante eficaz nesse sentido.



O que nos leva, finalmente, às revelações dos mistérios da trama. Certamente o ponto fraco da série, ficou claro que não havia tempo necessário para grandes explicações. O que prevaleceu foi uma força inexplicável que deu a alguns personagens sonhos premonitórios (se não há nada de tão extraordinário no mistério da Opera House, ao menos a sequência foi lindamente filmada e editada), a outros importância um tanto excessiva (Hera talvez fosse o grande salto evolutivo na nova Terra por sua herança genética, mas isso nunca fica claro), e a outros papéis místicos de finalidades e explicações duvidosas (Head Six, Head Baltar e Starbuck). Esse elemento deus ex machina acabou simplificando muita coisa e deixou sensação de buracos grosseiros na trama. Especialmente no que diz respeito a Kara Thrace. Como sua morte a levou até a Terra original e, mais grave, como ela retorna como um anjo numa nave celestial (novinha em folha), é algo que nunca saberemos. Mas eu me pergunto: diante de toda a carga emocional e genialidade do episódio final, o quanto isso é relevante?




Embora haja muitos questionamentos sobre Starbuck, a sua missão de levar a humanidade ao seu fim foi muito bem concluída e a função de “All Along the Watchtower” foi extremamente feliz, em outra sequência perfeitamente editada. E mais uma bela despedida, entre ela e Adama, e logo depois entre ela e Lee, que se conheceram numa situação de “quase-coito” e terminaram a série assim.




Investir energia na falta de explicações mais elaboradas para essas questões me parece que é deixar de apreciar o que a série privilegiou nestes momentos finais. É verdade que os autores tem culpa por enfatizar tanto nos mistérios desde a segunda metade da 3ª temporada, mas convenhamos que não é este o principal motivo para se ver “Battlestar Galactica”. Não posso me apegar a detalhes sobre o porquê os Final Five foram acionados por uma música naquele momento específico da série, quando há algo tão encantador como a despedida de Roslin e Cottle no início de “Daybreak, part 2” ou algo curioso como o Almirante Hoshi e o Presidente Lumpkin. Ou a despedida de Kara e Sam, com todas as naves que acompanhamos por cinco anos indo em direção ao Sol - e a trilha da série original ao fundo deve ter arrasado com milhares de nostálgicos.




Falando em despedidas, eu já esperava que o momento mais devastador seria a morte de Roslin, adequadamente após sua constatação da riqueza da vida na Terra. Adama, que momentos antes havia se despedido da sua preciosa Galactica em outra grande sequência de lágrimas, também teve um fim belo e esperado. O mesmo vale para Tyrol, certamente um dos maiores desiludidos de toda a série, que coerentemente encontra sua paz na solidão, e Tigh e Ellen que, já que não renderiam uma grande despedida no tempo presente, deram adeus à série num stripclub regado a álcool e amor louco que só estes dois sabem o significado. Genial.




No entanto, a minha sequência predileta nessa overdose de momentos lacrimosos foram os últimos momentos de Baltar e Caprica Six. Gaius, o engraçado, ambíguo e mesquinho homem que aprendemos a amar, finalmente encontra a redenção e ganha o orgulho de Six ao fazer parte da batalha final e salvar Hera das mãos de Cavil. Quando ele diz a Caprica Six que conhece um pouco de agricultura e mal consegue conter o choro, é algo tão cheio de sinceridade e sentimento que é impossível não relembrar sua trajetória até então – e talvez a sequência não teria tanta força se no episódio anterior não houvesse o flashback com seu pai. Momentos antes, vimos uma tentativa de Gaius em demonstrar sentimentos por alguém ainda em Cáprica, ao fornecer os códigos de segurança por (ironia das ironias) amor a Six. Mas o desdém dela fez com que ele se retraísse. E só naquela cena final pudemos presenciar o personagem crescer de verdade.




Tudo isso faz de “Daybreak” o desfecho perfeito para “Battlestar Galactica”. Dentro das limitações impostas, Ron Moore e cia. fizeram mágica, como várias vezes já haviam feito durante a série. O final feliz para a humanidade pode parecer incoerente com toda a tragédia anunciada (em tom, narrativa e acontecimentos) nos últimos episódios, mas nada do que aconteceu soou forçado. E não creio que seja relevante uma discussão sobre se o fim deveria ser alegre ou triste. Particularmente, eu não gostaria de ver meus personagens prediletos terminarem sem a felicidade que praticamente nunca tiveram nessas quatro temporadas. De qualquer forma, importa é que a decisão tomada foi realizada com qualidade impecável.




E agora, o que fica? Ainda este ano teremos “Battlestar Galactica: O Plano”, telefilme aparentemente focado em Cavil. Um projeto que parece perder o interesse com o final da série. Claro que verei, mas qual o objetivo? Teria a ver com a famigerada frase que abriu tantos episódios da série, que dizia que os cylons tinham um plano? E isso importa agora? O projeto “Cáprica”, que terá a primeira temporada lançada ano que vem também não me interessa. Mas certamente verei ambos, esperando que sigam os passos dessa maravilhosa série em termos de qualidade técnica, narrativa e personagens.




Quanto às premiações, infelizmente “Battlestar Galactica” faz parte de um gênero dificilmente reconhecido pelo Emmy ou Globo de Ouro. Mas acho difícil ignorar indicações a roteiros e episódios isolados (como já ocorreu no Emmy) e para esse maravilhoso elenco, na pior das hipóteses, uma indicação para Mary McDonnell, desde já minha candidata absoluta ao prêmio de Melhor Atriz. Claro que a série merece muito mais, mas não é por número de prêmios que “Battlestar Galactica” se firmará como um dos grandes acontecimentos televisivos desta década.




Hélio.

4 comentários:

Mi do Carmo disse...

Me emocionei tanto lendo seu texto quanto assistindo aos episodios finais. Talvez pq me possibilitou relembrar de tudo do inicio até o fim. Tudo que eu vi em tão pouco tempo mas que foi o suficiente para me apegar aos maravilhodos personagens.
Concordo com absolutamente tudo no texto, talvez porque sempre vi BSG "pelos seus olhos". Essa sua paixão pela série passou pra mim no exato momento em que eu resolvi abandonar meus preconceitos e começar a ve-la.

O final tinha que ser feliz! Pelo o amor dos deuses de kobol se não fosse! Bastava de sogfrimento pra esse povo. Mas mesmo terminando desse jeito, ficou aquela pontinha de reflexão, de internalizar tudo aquilo, absorver a mensagem, algo nos leva a um processo de reclusão ao inves de comemorar o gran finale da série. Terminei assim: fiquei quietinha, remuendo tudo dentro de mim, pensando e repensando na saga inteira.

A parte de Six com Baltar em que ela fala que sempre faltou orgulho para o amor ser completo foi uma facada no meu coração. A sequencia da casa da opera mal consegia piscar os olhos. Adama se despedindo da Galactica a parte mais emocionante de todas. E Starbuck relembrando as notas da musica para o jump final da Galactica... me arrepio só de lembrar.

Os flashbacks foram essenciais para o entendimento de algumas ações dos personagens durante a série inteira e pra justificar o ciclo de cada um.

Muito obrigada por ter colocado BSG na minha vida. Me trouxe muita coisa boa.

Te amo.

e.fuzii disse...

"A proposta de Lee […] valoriza a alma (seja lá o que isso for, e pessoalmente eu falaria em ética)[…]"

HAHA!
Eu ri alto aqui. :)

Hélio Flores disse...

Dona Michele, em casa nos acertamos.

E senhor Fuzii, juro que minha intenção nao foi ser engraçado!

Júlio disse...

Embora não fosse a intenção dos autores, o final de Galactica não foi um final feliz. Ao final da jornada, em vez de construírem uma nova civilização em que o prendizado dos erros passados permitisse evitar um novo ciclo de guerras e conflitos inúteis, os sobreviventes optaram pelo suicídio civilizacional, abandonando seu passado, destruindo sua tecnologia, apagando sua história e memória dissolvendo-se entre habitantes tão primitivos que ainda nem tinham linguagem.
No Universo sem Deus e sem esperança de Galactica resta apenas a repetição dos ciclos e suas variações matemáticas.