segunda-feira, 27 de setembro de 2010

[Mad Men] 4x09 The Beautiful Girls

"That's two strategies connected by the word 'and'."

Após toda a atenção dada às personagens femininas na semana passada, não esperava que Mad Men pudesse analisar de forma ainda mais profunda o comportamento das mulheres já no seu episódio seguinte. Embora seja surpresa para muita gente, que a julgar pelo título logo concluem que a série seja predominantemente machista, o grande diferencial desde a segunda temporada tem sido explorar cada vez mais o pensamento feminino, até como forma de denunciar as transformações ocorridas ao longo desta década. Quando falamos da publicidade, por exemplo, talvez a mudança mais significativa seja não focar as mulheres como um grupo homogêneo e segmentado, mas com particularidades que exigem estratégias completamente diferentes entre si. Don Draper rejeita a ideia de Ken para agradar os clientes da Fillmore por saber que não pode atender públicos tão contraditórios num mesmo anúncio. Essa sensação é a mesma experimentada pela maioria das mulheres durante o episódio, tentando fugir do rótulo pré-concebido pelo próprio título "garotas bonitas" ao mostrarem seu devido valor. Óbvio que todos reconhecem a posição que Joan, Peggy e Faye ocupam na SCDP, mas fora dali como resume Joyce em sua última visita, elas são vistas pelos homens como apenas um recipiente capaz de contê-los. Afinal, é o eterno conflito entre cumprir seus próprios desejos e atender às expectativas dos outros.
Na semana passada, comentei no texto do Hélio sobre a imagem que ele escolheu para ilustrar o post, em que Don Draper está sentado no vestiário numa posição idêntica àquela vista na sequência final do episódio Maidenform, sexto da segunda temporada e um de meus favoritos da série. Naquela ocasião, Don estava sentado ponderando sobre sua fama entre as mulheres, logo depois de receber um inoportuno elogio de sua filha. Talvez a Dra. Edna pudesse explicar melhor essa influência de Don em sua filha, mas desta vez, tudo que Sally queria era mostrar sua capacidade de preencher a falta de uma esposa na vida de seu pai, certamente motivada pelos testes para adquirir maior responsabilidade. Chega a ser fascinante observar como ela planeja o jantar dos dois, o passeio pelo zoológico e até prepara o café-da-manhã. Mas diante da sucessão de infortúnios na SCDP, Don acaba pedindo para Faye Miller tomar conta de Sally. Ele já havia confessado não saber lidar com os filhos quando estava sozinho, então era questão de tempo até que Faye assumisse essa responsabilidade. Mas considerando sua apresentação "Hi, I'm Faye" já era possível prever como aquele encontro terminaria em desastre. Embora não tivesse sido culpa dela, já que Sally logo percebeu tratar-se de apenas mais uma das namoradas de seu pai, Faye tinha razão em considerar aquilo como um teste, que ela infelizmente falhou. Talvez fosse difícil naquela época aceitar uma mulher que não tivesse facilidade em lidar com crianças (como diria Joyce, "é biológico!"), mas não passava pela cabeça de Faye que mesmo depois de tanto lutar pelos seus direitos, ela ainda precisasse passar por mais esse teste. Apesar de Don Draper e Faye Miller chegarem a um acordo no final, acho muito difícil que essa relação tenha algum futuro. Depois de se rebelar e sair correndo pelos corredores da SCDP, Sally termina tropeçando e finalmente tendo de reconhecer sua fragilidade quando é amparada pelo abraço de Megan, a primeira pessoa a oferecer-lhe carinho durante todo o episódio. Mesmo que Megan tente consolá-la dizendo que tudo vai ficar bem, Sally é a única capaz de mostrar sinceridade suficiente para constatar que nada poderia melhorar.

Peggy reencontra Abe, o amigo de Joyce, e por mais que tentasse esquivar-se de assuntos políticos, ele teimava em trazê-los de volta à discussão, provavelmente tentando questionar sua profissão. Estratégia completamente errada, levando em conta aquilo que Peggy tem de enfrentar para ser respeitada na SCDP e não estaria disposta a abrir mão. Porém, essa conversa não deixa de abalar Peggy, que tenta forjar até uma equivocada semelhança entre os direitos civis dos negros e das mulheres. Se levarmos em conta o universo da própria série podemos perceber o quanto sua lógica está distorcida. Basta lembrar que o assaltante deve ser apenas o quarto personagem negro a aparecer com relativo destaque, se não me engano -- depois da empregada Carla, a namorada de Paul e o ascensorista. Pelo menos Peggy percebeu no momento certo que essa tentativa de parecer politizada só seria prejudicial a sua carreira, já que não é possível valorizar os ideais de seus clientes ao mesmo tempo que tenta defender seus próprios interesses.

Acho que não há quem não se comova com o pesado drama vivido por Joan nesta temporada. Agora sem a possibilidade de ter um filho e sem a presença do marido ao seu lado, o futuro de Joan é cada vez mais incerto. Roger aproveita este momento de fragilidade para pressioná-la a voltar a ser sua amante. Mesmo que não pudesse dedicar um capítulo de sua biografia a esse romance, ele garante que os melhores momentos foram passados ao seu lado. Joan chega até a ironizar sua própria condição, quando indaga se a esposa de Roger não seria a base de seu sucesso. Mas ela acaba cedendo aos seus agrados assim que tem seu anel roubado e vê sua vida passar por um triz. No dia seguinte, Joan responde mais uma vez de forma firme, tratando o assunto como uma página virada. Se parece impossível ignorar esses sentimentos, resta a Joan apenas lamentar por não poder corresponder às expectativas de Roger.
Não poderia concluir este texto sem prestar minha última homenagem a Ida Blankenship, que passou da condição de alívio cômico para sarcástica voz de sua geração. Se logo em sua estreia Randee Heller foi prejudicada pelo roteiro, sendo colocada nos momentos mais inoportunos do pior episódio dessa temporada, com seu talento ela foi construindo uma personagem fascinante, tão refém quanto Don Draper nessa tentativa de puní-lo. Numa de suas últimas participações, ela resume brilhantemente a publicidade como um ramo unindo sadistas a masoquistas. Nem sua morte repentina poderia passar desapercebida, resultando numa das mais hilárias sequências da série, com Joan tentando comandar os funcionários na remoção do corpo sem chamar a atenção dos clientes. Assim como já havia ocorrido com Joey pregando no vidro da sala de Joan o desenho pornográfico no episódio anterior e Peggy dando aquela espiada clássica em Don sobre a divisória das salas, esta sequência aproveitou muito bem novamente todo o visual transparente da agência. Certamente nenhuma outra série divertiu-se tanto com uma mudança de cenário como Mad Men. O obituário mostra também a opinião conflitante a respeito da jornada da secretária: para Cooper é sinal de conquista que ela tenha alcançado andares tão altos, para Roger é patético que ela tenha morrido diante de todos aqueles que serviu durante a vida, enquanto Joan faz questão de adicionar o termo "executiva" ao título de seu cargo. Além disso, Cooper revela que o parente mais próximo que restava a Miss Blankenship era uma sobrinha. Provavelmente nunca seremos capazes de completar sua história, mas não deixa de servir de aviso às mulheres que restaram no escritório também motivadas a priorizar suas carreiras antes de se tornarem mães. O episódio termina com uma cena brilhante em que as três garotas deste episódio se encontram e descem juntas de elevador, aproveitando seu último suspiro de valor antes das portas fecharem, mas já se mostrando prontas para enfrentar todo tipo de julgamento e olhares de indiferença com a cabeça erguida, assim que as portas se abrirem.

Fotos: Reprodução.

e.fuzii
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