sábado, 7 de agosto de 2010

[The Wire] 1x01 - The Target

Curiosa a fama de "The Wire". A crítica especializada considera "a melhor série de todos os tempos". Aqueles que já viram, normalmente acabam concordando. O problema é que poucas pessoas viram. Nas premiações, é um fracasso: com cinco temporadas, nunca foi indicada ao Globo de Ouro, e apenas duas indicações ao Emmy (ambas para roteiro). Também pudera. Dizem que é uma série policial complicada, cheia de personagens, gente feia e suja, temas pesados como drogas e violência. Não é das mais agradáveis. Então por que tantos elogios de quem conhece a série?


Depois de várias recomendações de amigos, resolvi encarar "The Wire". E confiando que estaria vendo uma obra-prima, resolvi escrever algumas linhas IMEDIATAMENTE APÓS assistir aos episódios. O que verão aqui, portanto, é uma cobertura de quem acaba de descobrir a série e que vai sendo surpreendido aos poucos pelos desdobramentos e reviravoltas da trama (e como é difícil fugir de spoilers na internet!).


A ideia era escrever pouco, mas tanta coisa acontece nos episódios que fica difícil resumir em um ou dois parágrafos. De qualquer forma, sinto que os textos nem sempre estão muito elaborados e, como me comprometi a só ver um episódio depois de ter escrito sobre o anterior, às vezes fui descuidado mesmo, porque uma vez que você começa a ver "The Wire", acreditem em mim, você não quer mais parar e quer ver tudo o mais rápido possível (atualmente, encerrei a primeira temporada e vou postando os comentários aos poucos).


Então recomendo pra você que não conhece a série: veja, veja, veja. E embarque comigo nesta maratona.


Piloto - The Target



"...when it´s not your turn" - McNulty


A série já me ganhou com seu início, uma introdução que deixa claro o talento na escrita. O policial que em breve saberemos se tratar do Detetive McNulty, interroga uma testemunha, ambos sentados na calçada olhando para o corpo de Snot Boogie. “A mãe se dá ao trabalho de registrar o filho como Omar Isaiah Betts, pra ser chamado de Snot (Meleca)”, diz o Detetive, que ainda especula sobre como o nome surgiu, provavelmente com alguém o apelidando ao invés de ajudá-lo oferecendo um lenço. O diálogo é esperto, engraçado e continua com a testemunha descrevendo quem era Snot: o cara que apanhava sempre que jogava dados com a turma, pois pegava o dinheiro e saía correndo. E Snot sempre fazia isso. “Mas então por que vocês deixavam ele jogar?”, o espectador com certeza se pergunta, e felizmente McNulty também, para a testemunha que nunca viu isso como problema: “Tínhamos que deixar. Isto é América, cara”.


Esta frase que encerra a introdução ecoará por todo o piloto, que nos apresenta uma dúzia de personagens, em todas as frentes deste contexto maior que parece ser o mote da série: a luta entre a polícia (ou melhor, o Estado) contra o crime organizado e o tráfico de drogas. Conhecemos McNulty e seus colegas da Divisão de Homícidios, além de policiais da Narcóticos, a promotoria, mas também o outro lado, a gangue que domina uma região em Baltimore liderada por Stringer Bell e Avon Barksdale. O episódio dá conta até mesmo de introduzir dois usuários de drogas, sugerindo a ambição de “The Wire” em lidar com um painel completo desta guerra que define a América onde vive a testemunha da introdução.


Nem mesmo seria uma guerra, segundo um policial. Afinal, as guerras acabam. Além do mais, todos os esforços têm sido voltados para o terrorismo, esta sim uma guerra que vale a pena lutar (como fica claro numa notícia na TV), deixando os personagens desamparados no que diz respeito a recursos e pessoal.


É neste tom de desesperança que McNulty e demais colegas se sustentam, cientes de como o sistema funciona (e no início do episódio temos um julgamento por homicídio em que o réu, sobrinho de Barksdale, se vê inocentado graças à intervenção de Stringer), mas movidos por alguma crença ou inquietação que não os deixam ficar de fora dos acontecimentos. Tudo tem início com McNulty dando com a língua nos dentes e revelando para um Juiz informações sobre quem são Barksdale e Stringer, o que força uma mobilização entre as Divisões que não agrada a ninguém. Inicialmente, achei que McNulty havia feito de propósito, mas depois ele admite o erro. De qualquer forma, diz ao Juiz que não se importa, mas está presente no julgamento de um caso que não é seu. Poderia aceitar sem questionamentos o “modus operandi” imposto pelo comandante da Narcóticos, Daniels, mas quer fazer o que considera o certo (ainda mais depois de ter visto as novas tecnologias de escuta usadas pelo FBI). McNulty não acredita, mas ainda assim sente que algo precisa ser feito. Como seu parceiro Bunk, que não resiste em atender um chamado, mesmo com seus colegas (inclusive McNulty) criticando-o, sempre torcendo para que os casos de homicídio não caiam sobre eles.


Do outro lado, conhecemos pouco dos personagens e quais são os negócios ilícitos envolvidos para além de insignificantes pontos de venda de drogas, onde vai parar D’Angelo Barksdale (ou apenas D), o sobrinho de Avon inocentado no início do piloto e que é rebaixado em sua função, por conta da irresponsabilidade do crime que o levou a julgamento. D é o único, entre os criminosos, que conhecemos melhor e, como McNulty, sofre de uma inquietação com o que acontece ao seu redor: mostrado inicialmente como relapso, divertindo-se com a reviravolta do julgamento sem se dar conta de tudo o que está envolvido, é curioso como ele se comporta em relação ao usuário que tentou dar um golpe com notas falsas, incomodando-se com a violência (justo ele que fora indiscreto ao matar alguém) e mostrando-se mais esperto do que aparentava ao perceber que a forma como os garotos vendem drogas facilita a ação da polícia (a “compra-detenção” que Daniels planeja para a operação). E é com D que o episódio termina, quando ele vê que os rastros para sua condenação vão sendo apagados, com o assassinato da testemunha de acusação (algo do qual ele claramente não fez parte). Nesta cena, aliás, usa-se o recurso do flashback para lembrarmos de quem se trata a vítima William Gant, algo até compreensível após o número de personagens apresentados, mas pelo pouco que soube da série, não me parece que será algo usado com freqüência (assim espero).


Um piloto praticamente impecável, com texto e diálogos excelentes, que chama a atenção pelo número de personagens apresentados, mas que (como a nova série dos realizadores, “Treme”) tem forte presença em cada uma das cenas que aparecem, uma trama que permite várias possibilidades estimulantes, mesmo com o já batido mundo do crime organizado, tão explorado pelo cinema, e é tematicamente forte, com toda essa ideia de explorar uma América desiludida, perdida e constantemente vigiada (em algumas cenas vemos personagens através de televisores, sendo filmados). Claro, não dá pra ter uma noção do que vem por aí, mas é bom notar que nesta vastidão de pessoas, apenas a policial Kima tem sua vida pessoal mostrada no piloto, mesmo que rapidamente (apenas que tem um relacionamento com outra mulher), algo que pareceu destoar do restante do episódio, já que até o próprio McNulty é mostrado apenas em seu trabalho (uma breve conversa com Bunk sugere que ele tem uma ex-mulher e filhos, talvez?). Kima também conhece um dos usuários de drogas que provavelmente terá participação crucial nos próximos episódios.



Hélio Flores
twitter.com/helioflores

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